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Foto: Divulgação.

Com trama rebuscada e irregular Disco Boy explora as diferentes visões de um mesmo conflito

Filme do italiano Giacomo Abbruzzese foi premiado com o Urso de Prata no Festival de Berlim deste ano

Com trama rebuscada e irregular Disco Boy explora as diferentes visões de um mesmo conflito
3.5

Disco Boy: Choque Entre Dois Mundos
Giacomo Abbruzzese
FRA/BEL/POL, 2023, 1h32. Drama. Distribuição: Pandora Filmes
Com Franz Rogowiski, Morr N’Diaye

Aleksei, um bielo-russo, atravessa a Europa enfrentando diversas dificuldades até chegar na França onde passa a viver como clandestino com o desejo de conseguir ser admitido na Legião Estrangeira e virar cidadão daquele país. Ele alcança seu objetivo e já como soldado vai parar no delta do Rio Niger integrando um esquadrão cuja missão é libertar um grupo de franceses sequestrados por guerrilheiros africanos. Durante a operação ele se depara com Jomo, um ativista revolucionário engajado na luta armada para defender sua comunidade contra exploradores europeus. O confronto entre esses dois homens, aparentemente distintos e opostos, é o mote de Disco Boy: Choque Entre Mundos um curioso trabalho do cineasta italiano Giacomo Abbruzzese e ganhador do Urso de Prata de Melhor Contribuição Artística no Festival de Berlim deste ano.

A sinopse apresentada acima com tanta clareza, no entanto, é bem mais complexa na tela. Disco Boy, vale adiantar, é uma obra que causa uma certa estranheza pela forma como a narrativa se desenvolve cheia de reviravoltas e acontecimentos inesperados.

Durante uma boa parte do filme, temos a impressão de que o tema central da trama será a epopeia vivida por Aleksei, interpretado de forma visceral pelo ator alemão Franz Rogowiski, para cruzar diversas fronteiras junto com um amigo até chegar em Paris.  A partir daí, no entanto, a trama toma outro rumo, transforma-se em um filme de guerra e começa a ganhar contornos de realismo fantástico quando a ação se desloca para o continente africano.

A entrada em cena de Jomo, vivido pelo ator malinês Morr N’Diaye, abre uma nova janela na trama. Será ele quem vai estabelecer o contraponto do enredo e permitir que o diretor, também roteirista, Abbruzzese ponha em evidência o seu intento neste trabalho que foi levar o espectador a uma possível reflexão sobre as diversas camadas que compõem os protagonistas de uma situação de conflito como a exposta pelo filme.  

Segundo afirma o próprio Abbruzzese, como reproduz o material de divulgação do filme, ele não quis prender-se a um único ponto de vista, daí ter preferido contar a história de ambos os lados, por acreditar que “o cinema é, acima de tudo, uma questão de olhar e de mudança de pontos de vista e, neste filme, isto é uma questão política, narrativa e de encenação”.

Para compor os dois personagens centrais é perceptível o desejo da direção de mostrar que por trás de dois corpos que carregam marcas estereotipadas pelas condições de luta, de violência e dos papéis que lhe são impostos, residem outros sentimentos, desejos e até mesmo uma certa fragilidade. São homens que, apesar do constante duelo com a morte, compartilham, sem disso terem conhecimento, o gosto pelo prazer de escapar da realidade movendo seus corpos harmoniosamente embalados por sons musicais.

Embora essa dimensão poética da narrativa cause encantamento e seja um dos pontos altos do filme em termos de construção imagética, potencializada pela fotografia de Hélène Louvart, primorosa ao percorrer os diversos estados de sensibilidade provocados pela história, há no filme um certo desequilíbrio na pretensão de estabelecer um paralelo entre os personagens.

Mesmo que Aleksei seja um homem branco oriundo de um país europeu periférico, ao se alistar na Legião Estrangeira ele não deixa de representar o explorador imperialista a quem serve sem resistência, portanto bem diferente do seu oponente africano, cuja consciência de sua condição política e social é, sem dúvida, muito mais lúcida.

Nesse sentido, apesar do personagem Aleksei revelar um certo desconforto com o que é obrigado a viver e até estabelecer uma relação lúdica com o universo do seu antagonista, ele não consolida a visão anticolonialista que o filme pretende abraçar colocando a música e a dança como elementos que uniriam os dois personagens além da desigualdade a qual eles estão submetidos.

Disco Boy, no entanto, tem seus méritos pela forma criativa como desenvolve a articulação entre as cenas e como trabalha as metáforas visuais, conduzindo o espectador pelo labirinto da trama a partir da sensibilidade que ele desperta.

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