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Filme tem como maior destaque a interpretação do ator australiano Austin Butler. (Divulgação/Warner Bros).

Cinebiografia de Elvis tem tom de carro alegórico, mas tenta trazer nuances ao astro

Baz Luhrman retorna inspirado nesta cinebiografia saturada e videoclíptica, por vezes cacofônica, que tenta dar conta de toda vida e carreira do músico

Cinebiografia de Elvis tem tom de carro alegórico, mas tenta trazer nuances ao astro
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Elvis
Baz Luhrman
EUA, 2022, 14 anos, 2h39. Distribuição: Warner Bros.
Com Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Kodi Smith-McPhee

Nem sempre um determinado realizador parece ser a escolha mais propícia ou inspirada para determinado projeto. Em Hollywood, onde se encontram os grandes orçamentos e as produções ostensivas, principalmente, muitas vezes uma decisão mais burocrática ou mesmo na seara da praticidade faz determinado cineasta criar e dirigir um filme. Na leva recente e sobrecarregada de cinebiografias (um gênero que sempre existiu e teve força, mas que parece ter se anabolizado nos últimos tempos, ainda mais com tantas outras janelas exibindo conteúdo audiovisual e procurando obras para exibir, em especial as plataformas de streaming) é comum se deparar com exemplos de filmes totalmente desprovidos de qualquer alma ou desejo. Para citar um bem recente, Os Olhos de Tammy Faye, com duas horas enfadonhas, esquemáticas e previsíveis, parecendo só existir para conseguir galvanizar um Oscar para a protagonista do projeto, Jessica Chastain; este sendo outro elemento atual das biografias cinematográficas, quando servem apenas como veículo fácil e rápido para algum ator ou atriz conseguir prêmios.

Bem, não é o caso de Elvis, que estreia nesta quinta (14) com grande publicidade, nos cinemas. Quem dirige é Baz Luhrman, cineasta australiano, pertencente ao que se pode talvez chamar de um ainda existente e resistente cinema de autor, com uma filmografia única, particular, escandalosa, colorida, espalhafatosa e incrivelmente interessante, ousada e diferente. Sendo assim, neste caso específico, fez-se uma junção extremamente feliz entre o personagem principal biografado e o realizador responsável por adaptá-lo ao cinema.

Se pensarmos rapidamente em Elvis Presley é muito provável que a primeira imagem associada a seu nome seja a do exagero e da breguice; algo injusto e inverossímil, se levarmos em conta a longa trajetória do cantor, algo que o filme de Baz tenta dar conta e retratar. Como o astro superlativo que foi, Presley ganha aqui uma produção na mesma cadência, onde o estilo de Luhrman faz questão de tomar cada canto e frame da tela, não dando descanso para a audiência, imersa por duas horas em uma espécie de parque de diversões selvagem; mais especificamente, como se estivesse em uma montanha-russa esquizofrênica, saturada e hipercolorida, numa experiência videoclíptica imperdível.

As cinebiografias mais interessantes desta safra recente hollywoodiana geralmente têm sido as que, de alguma forma, fazem um recorte da vida do biografado, selecionando algum evento ou episódio específicos para poder aprofundar e desenvolver com mais calma as complexidades e possibilidades de seu protagonista. Filmes como Spencer (Pablo Larrain) e Apresentando Os Ricardos (Aaron Sorkin), ambos lançados no último ano, escolhem este caminho, e assim se diferenciam um pouco da tentação de muitos estúdios em tentar abarcar toda a trajetória do personagem, desde a infância até sua morte, dando assim uma tarefa árdua, tanto para o roteirista quanto para o público de ter que pontuar tantos acontecimentos em um período de tempo com cerca de duas horas. O caminho adotado aqui é justamente este último; acompanhamos a história de Elvis desde suas memórias como criança, até o fatídico fim de sua carreira e vida com apenas 42 anos. Mas, diferentemente de outros exemplos, a decisão parece acertada, pois o estilo esquizofrênico e elétrico de Luhrman casa perfeitamente com o tom da produção e com a miscelânia variada da trajetória do biografado, conseguindo conciliar momentos mais tristes e melancólicos com outros eufóricos e de alegria sem deixar a tensão, energia e interesse pelo filme caírem em nenhum momento. 

Algumas passagens da vida de Elvis são mais enfatizadas, naturalmente, como o seu encontro precoce com a música e com artistas negros; a sua relevância política e comportamental diante de uma geração comedida e enquadrada no auge do “modo americano de vida” dos anos 1950 e seu legado artístico e cultural na indústria de entretenimento da época. Mas a fase da vida mais explorada ao longo do filme é a do jovem e deslumbrante Elvis, interpretado por Austin Butler. Bem, o ator simplesmente ilumina enormemente toda a projeção, em um caso raro, pelo menos na memória recente, de um trabalho em cima de uma cinebiografia que realmente mereceria vencer todos os prêmios de atuação disponíveis, em especial o Oscar. O fato de Butler não ser um ator muito conhecido também ajuda ao se analisar a sua composição para o personagem.

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Tom Hanks no papel de Tom Parker ganha um tom vilanesco no filme. (Divulgação/Warner Bros).

Outro fato curioso é que a narrativa coloca Elvis como sendo constantemente observado, como se o fosse tanto pelo espectador, como pela mídia e público contemporâneos aos seus dias de estrelato. A trama é contada e narrada não por ele, mas sim pelo seu então empresário, Tom Parker, conhecido como “coronel” Tom Parker, interpretado por Tom Hanks, numa chave vilanesca, onde sua performance e a pesada maquiagem que a acompanha o tornam uma figura grotesca, execrável e predatória (quase cartunesca, como o Pinguim, de Dany DeVito, em Batman: O Retorno, de Tim Burton). Assim, o filme não tem pudor em assumir o seu lado, este sendo totalmente o de Elvis, em uma sanção afirmativa de defesa do cantor, o colocando no pedestal do qual parece fazer parte até hoje.  Há, dessa forma, um certo maniqueísmo nesta relação entre os dois personagens, mas que em momento nenhum parece macular ou prejudicar o enredo, pois estamos em um passeio de extremos, tanto visual quanto sonoro. Vale, ainda, mencionar a presença da atriz Helen Thomson, que interpreta a mãe de Elvis, Gladys. 

Por se tratar de uma narrativa a respeito da indústria fonográfica e do entretenimento que a compõe, e por ainda trazer em sua centralidade uma figura como Elvis Presley e todo o seu catálogo de sucessos, o filme acaba aportando na tela como um grande musical, com toda a opulência, magnetismo e artificialidade que o gênero pode proporcionar. A escala de produção é gigantesca, e todos os departamentos criativos parecem estar em êxtase com a possibilidade de levarem à potência máxima cada uma de suas categorias; desde os figurinos, múltiplos e variados em cor, forma e feitura, como a montagem que pula de cena em cena como um grande videoclipe, culminando, obviamente, na forma ousada e criativa com que as músicas são colocadas, interpretadas e montadas.

A trilha sonora, como em trabalhos anteriores do diretor, é repleta de presenças importantes, como Eminem, Jack White, Doja Cat, Kacey Musgraves, Stuart Price e, claro, o próprio Elvis. Butler canta algumas canções, o que poderia ser um desastre, mas acaba funcionando muito bem. É característica de Luhrman esta espécie de pastiche, de mistura de sonoridades, onde um certo anacronismo e estranheza fazem de toda esta cacofonia uma obra única. Destaque também para o terceiro ato do filme, com toda a sequência de eventos desenrolados a partir da residência do cantor na cidade de Las Vegas. Os planos soturnos, sombrios e melancólicos de sua presença nos corredores do International, hotel onde ele fez seus últimos shows e se apresentou por anos, fazem do lugar uma espécie de armadilha e prisão, com a figura do “coronel” Parker a orquestrar a perpetrar o aprisionamento do astro no local por meio de negociatas e trapaças realizadas nos bastidores de uma cidade por si própria ilusória, gananciosa e devoradora de qualquer possibilidade de equilíbrio ou sobriedade.

Acertando, assim, em quase todos os aspectos, Elvis surge como o melhor trabalho de Baz Luhrman desde a sua obra mais aclamada e famosa até hoje, Moulin Rouge, de 2001. Inclusive, em vários momentos, os dois filmes parecem dialogar e se complementar, de alguma forma. O diretor parece mesmo conseguir o melhor de seu potencial com materiais que sejam ambientados e encenados em espaços como estes; do show, do espetáculo. O filme acaba atravessando a tela como um grande carro-alegórico, em um tom carnavalesco e apoteótico que potencializa o carisma, figura e força de Presley. Um produto totalmente alinhado ao que Hollywood pode fazer de melhor. Uma homenagem estridente; como canta uma das canções da trilha sonora do icônico Moulin Rouge: Espetacular!Espetacular!

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