O cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho recebeu recentemente o prêmio de Melhor Direção no Festival de Cannes de 2025, um dos eventos mais importantes do cinema mundial. A premiação foi concedida por seu último longa-metragem, O Agente Secreto, que também rendeu a Wagner Moura o troféu de Melhor Ator e garantiu à produção dois reconhecimentos da crítica especializada.
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Esta vitória em Cannes soma-se a uma trajetória marcada por reconhecimento nacional e internacional. Desde sua estreia com O Som ao Redor, filme que estreou no Festival de Berlim e conquistou diversos prêmios em festivais ao redor do mundo, Kleber Mendonça Filho tem se destacado por uma abordagem que alia crítica social a um olhar sensível sobre a realidade brasileira.
Seu segundo longa, Aquarius, além de ter sido selecionado para a competição oficial de Cannes, ganhou notoriedade por sua narrativa envolvente e pelo impacto político e cultural que provocou no país. Em 2019, o diretor ampliou seu repertório ao codirigir com Juliano Dornelles o filme Bacurau, que conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes, sendo amplamente elogiado pela sua originalidade estética e pela crítica à realidade social brasileira.
Enquanto aguardamos a estreia de O Agente Secreto, a Revista O Grito! preparou uma lista completa com todos os filmes dirigidos por Kleber Mendonça Filho, para oferecer um panorama detalhado de sua carreira. Boa leitura!

Enjaulado (1997)
Enjaulado marca a estreia de Kleber Mendonça Filho na ficção com um curta que antecipa temas centrais de sua obra, como o medo urbano e a paranoia da classe média brasileira. Inspirado em Repulsa ao Sexo, de Polanski, o filme troca a repressão sexual feminina pela claustrofobia masculina diante da violência e do isolamento nos grandes centros. Em um apartamento cercado por grades e câmeras, o protagonista vivido por Charles Hodges se desfaz aos poucos, num retrato angustiante da segurança que aprisiona.
As influências de Argento e Carpenter são evidentes na atmosfera e na tensão crescente. Mesmo com recursos limitados, Kleber já demonstra domínio do espaço e um olhar crítico apurado, que seriam desenvolvidos nos longas posteriores.
Onde assistir: Embaúba Play.

A Menina do Algodão (2002)
Em A Menina do Algodão, Kleber Mendonça Filho transforma uma das lendas urbanas mais populares entre crianças brasileiras em um exercício de atmosfera e tensão. Inspirado no mito da menina morta que assombrava banheiros escolares nos anos 1970, o curta se aprofunda no universo do medo infantil através da perspectiva de um vigia solitário durante seu turno noturno. A escolha por uma narrativa minimalista (sem sustos fáceis ou aparições explícitas) reforça o tom de homenagem aos pesadelos da infância.
A ambientação é um dos grandes trunfos do filme. Os corredores largos e vazios da escola, captados com uma fotografia noturna que aposta na escuridão e no grão da imagem, criam uma sensação constante de desconforto. O som, trabalhado com precisão, assume papel central na construção do suspense, intensificando a claustrofobia mesmo fora do banheiro. O resultado é um curta econômico e eficaz, que valoriza o fora de campo e mantém viva a tensão típica das histórias contadas no escuro.
Onde assistir: Embaúba Play.

Eletrodoméstica (2005)
Eletrodoméstica apresenta o cotidiano de uma família de classe média no Recife vivendo em uma casa repleta de eletrodomésticos barulhentos e supérfluos. A narrativa acompanha a rotina da família, marcada pela presença constante de aparelhos como televisão, videogame, carrinho de controle remoto e principalmente a máquina de lavar, que assume papel de destaque na trama.
O filme oferece um olhar sobre o isolamento social e a insegurança presentes na vida urbana. O bairro onde a família reside está cercado por muros e grades, evidenciando o medo que restringe as relações sociais dos moradores. Embora ambientado nos anos 1990, o curta aborda questões que continuam relevantes, como a alienação provocada pela modernidade e a distância entre as pessoas.
Apesar do tom crítico, o filme conclui com um momento de leveza, quando as crianças aproveitam a distração da mãe para comer pipoca antes do almoço. Eletrodoméstica antecipa temas que o diretor aprofundaria em trabalhos posteriores, mostrando um retrato da sociedade urbana marcado pelo medo e pelo isolamento.
Onde assistir: Embaúba Play, YouTube.

Vinil Verde (2004)
Vinil Verde é um curta ambientado no Recife que narra a relação entre uma mãe e sua filha a partir de um presente, uma caixa de discos de vinil coloridos. A mãe permite que a filha ouça todos os discos, exceto o vinil verde, que acaba sendo ouvido mesmo assim, desencadeando uma sequência de eventos que marcam o tom da narrativa. O filme é baseado em uma fábula russa adaptada por Kleber em parceria com a cineasta ucraniana Bohdana Smyrnova.
O curta utiliza uma montagem construída a partir de fotografias em 35mm, o que contribui para sua atmosfera visual única. A narrativa aborda temas como desobediência e castigo, incorporando elementos de humor e imagens perturbadoras, como bonecas decapitadas, que criam um clima inquietante. A trilha sonora, que inclui letras infantis do cantor Silvério Pessoa, junto com uma sonoplastia detalhada, como o som da agulha da vitrola, reforça a tensão crescente da história.
Premiado pela edição de som e como melhor curta pelo Critics Award, Vinil Verde destaca-se pela construção sonora e pela atmosfera surreal que cria em pouco tempo. A ausência de nomes para as personagens e o ambiente fechado reforçam a sensação de isolamento e mistério, enquanto o relato sobre a desobediência da criança reflete uma fábula sobre limites e consequências.
Onde assistir: Embaúba Play, YouTube.

Noite de Sexta, Manhã de Sábado (2007)
Noite de Sexta, Manhã de Sábado acompanha um homem após uma festa que liga para uma mulher que está em outro país. A ligação, que ocorre enquanto ele está em uma loja de conveniências, é marcada por tentativas de conexão emocional, silenciosa e carregada de intimidade, entre dois personagens separados pela distância física e cultural.
O curta representa uma mudança na linguagem do diretor, que até então vinha desenvolvendo um trabalho mais rigoroso e geométrico em filmes anteriores como Eletrodoméstica e Vinil Verde. Aqui, Kleber adota uma estética mais solta, com imagens granuladas em preto e branco e uma montagem fragmentada que valoriza o movimento dos corpos e a desorganização do espaço, como no plano-sequência que acompanha o personagem principal na festa. Essa busca por uma pulsação mais orgânica das imagens reflete uma tentativa de respiro e afastamento do controle formal muito rígido.
Na relação entre os personagens, a montagem e o som funcionam em contraponto, com o diálogo telefônico em inglês se alternando com os ruídos distintos de cada ambiente, criando uma tensão sonora e visual que reforça a distância e a tentativa de aproximação entre eles. O filme dialoga com referências do cinema moderno, ao mesmo tempo em que mantém um estilo próprio, equilibrando racionalidade e sensibilidade em sua exploração do afeto contemporâneo.
Onde assistir: Embaúba Play.

Crítico (2008)
O documentário Crítico apresenta um panorama sobre a profissão de crítico de cinema, explorando as múltiplas funções desse papel dentro da indústria audiovisual. O filme reúne depoimentos de críticos e cineastas, oferecendo uma reflexão coletiva sobre a prática da crítica cinematográfica, desde sua relação com o público até os desafios enfrentados por quem atua nessa área.
A obra destaca que o papel do crítico vai além da simples avaliação de filmes, incluindo a divulgação, análise e interpretação das obras, estabelecendo uma ponte entre o filme e o espectador. O documentário aborda ainda a posição delicada dos críticos, que devem aceitar tanto o reconhecimento quanto as críticas que recebem, funcionando como pedra e vidraça simultaneamente.
Além disso, o documentário traça um paralelo histórico entre a crítica literária e a crítica cinematográfica, mostrando que esta última evoluiu junto com o desenvolvimento do cinema e suas novas possibilidades narrativas.
Onde assistir: Vimeo, MUBI.

Recife Frio (2009)
Recife Frio é um curta-metragem que imagina uma mudança climática abrupta na cidade do Recife, com a queda de um meteorito que transforma o clima tropical em frio intenso. Por meio do formato de mockumentary, o filme apresenta uma narrativa que mistura elementos de ficção científica e reportagem televisiva para abordar as consequências sociais dessa alteração incomum.
O filme utiliza a inversão climática para explorar tensões sociais pré-existentes, como as desigualdades urbanas, a segregação socioespacial e o legado da exclusão social. Ao mostrar personagens adaptando-se a essa nova realidade, como a troca de quartos entre patrões e empregados e a visibilidade dos moradores de rua, o filme revela, de forma crítica, as estruturas de poder e a desumanização nas cidades brasileiras.
A presença do repórter estrangeiro e o uso de imagens de arquivo e registros amadores reforçam o efeito de estranhamento e ampliam a dimensão crítica da narrativa. O frio deixa de ser apenas um fenômeno climático e passa a funcionar como metáfora das dificuldades sociais enfrentadas pela população.
Por fim, Recife Frio recupera a cultura popular e a tropicalidade da cidade, evidenciando elementos da identidade local que persistem mesmo diante das transformações. O filme enfatiza a importância do contexto social na construção da experiência urbana, propondo uma reflexão sobre as condições de vida e os desafios do Recife contemporâneo.
Onde assistir: Embaúba Play, YouTube.

O Som ao Redor (2013)
O Som ao Redor aborda o cotidiano de uma rua de classe média na zona sul do Recife, onde a chegada de uma equipe de segurança privada transforma as dinâmicas locais. A narrativa acompanha diferentes personagens, entre eles Bia, uma dona de casa que tenta lidar com o barulho persistente do cachorro do vizinho, e Clodoaldo, líder do grupo de vigilantes. O filme estrutura-se como um retrato fragmentado, mas coeso, das tensões sociais e históricas ainda presentes no espaço urbano.
Ao combinar um olhar documental com elementos de ficção, o diretor constrói um microcosmo onde temas como racismo, violência simbólica e especulação imobiliária. O roteiro expõe relações de poder que atravessam gerações, como a figura de Francisco, senhor de muitos imóveis da rua, e seu neto João, representante da juventude branca e privilegiada. O conflito entre o antigo e o novo permeia os ambientes domésticos e os espaços públicos, criando uma atmosfera de vigilância constante.
O som desempenha um papel central na narrativa, sendo utilizado como instrumento de tensão e comentário social. Os ruídos cotidianos, as músicas diegéticas e os sons fora de campo revelam tanto o incômodo da vida urbana quanto a presença simbólica da desigualdade e da vigilância. A captação de imagem também reforça esse clima de clausura e desconfiança, com planos fechados em grades, corredores estreitos e construções decadentes.
O Som ao Redor propõe uma leitura crítica das estruturas sociais brasileiras a partir do bairro de Setúbal. Ao dar visibilidade a personagens diversos, Mendonça Filho evita simplificações e aposta em uma dramaturgia silenciosa, onde o desconforto e a ameaça se insinuam nos detalhes. O filme apresenta uma Recife marcada pela disputa de espaço, memória e poder, em que o passado ainda determina os contornos do presente.
Onde assistir: Netflix.

Aquarius (2016)
Aquarius acompanha a trajetória de Clara, uma jornalista aposentada que resiste à pressão de uma construtora para vender o apartamento onde vive, no Edifício Aquarius, na orla de Boa Viagem, em Recife. A narrativa parte desse conflito para explorar temas como memória, especulação imobiliária e o choque entre o passado e o avanço da modernização urbana.
O filme se estrutura em capítulos e aposta em uma montagem fluida para retratar, sem pressa, o cotidiano da protagonista e sua relação com o espaço que habita. O apartamento, mais do que cenário, se torna um ponto de resistência simbólica, atravessado por questões de classe, envelhecimento e pertencimento. Ao mesmo tempo, as ações da construtora revelam mecanismos silenciosos e agressivos de remoção e apagamento da história individual em nome do progresso.
Sem recorrer a discursos explícitos, o diretor constrói uma crítica social que emerge das situações e diálogos, com destaque para o embate entre Clara e Diego, representante da nova geração empresarial.
Com forte ancoragem no realismo e atenção ao detalhe, Aquarius evita maniqueísmos e propõe uma leitura mais ampla dos processos de transformação urbana. O conflito central serve de base para uma análise sobre os limites da negociação, o papel da memória e as formas contemporâneas de resistência.
Onde assistir: Netflix.

Bacurau (2019)
Bacurau, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, apresenta uma narrativa ambientada no sertão brasileiro que alia elementos do faroeste, da ficção científica e do cinema de resistência. A trama acompanha os moradores de um pequeno povoado que, após a morte de uma figura importante da comunidade, passam a perceber eventos estranhos e ameaçadores, como o desaparecimento da vila dos mapas e o surgimento de drones e forasteiros armados.
O filme propõe uma crítica contundente às desigualdades sociais, à violência histórica contra os povos do interior e à lógica neocolonial de exploração. A presença de estrangeiros que caçam os moradores como parte de um “jogo” violento escancara a forma como corpos marginalizados seguem sendo alvos de práticas opressoras, com conivência ou omissão do poder público.
A construção da comunidade de Bacurau como um coletivo organizado, com memória histórica e capacidade de resistência, rompe com estereótipos comuns sobre o sertão e seus habitantes. Ao invés de vítimas passivas, os moradores se articulam, usam seus próprios saberes e se defendem, transformando o território em espaço de insurgência.
A linguagem visual reforça a tensão constante e o estranhamento provocado pela mistura de gêneros, enquanto a trilha sonora e o uso da violência assumem funções narrativas.
Onde assistir: Globoplay.

Retratos Fantasmas (2023)
Retratos Fantasmas é um documentário que revisita a história do centro do Recife durante o século XX, com foco nas salas de cinema que funcionavam como espaços culturais e sociais para a população. Por meio de imagens de arquivo, fotografias e registros recentes, o filme traça uma linha entre passado e presente, evidenciando as transformações urbanas e sociais que ocorreram na região.
- Leia também: Retratos Fantasmas, em busca do Recife perdido | Uma conversa com Kleber Mendonça Filho
A narrativa se constrói a partir da perspectiva do diretor, que utiliza a janela do apartamento onde viveu para observar as mudanças na cidade. Essa abordagem pessoal serve para conectar experiências individuais a processos mais amplos de urbanização, mostrando como o espaço físico e as relações humanas se influenciam mutuamente na formação da memória urbana.
O documentário também destaca a importância dos trabalhadores e frequentadores dessas salas, como os projecionistas, que atuavam como agentes culturais dentro desses ambientes. O fechamento e a substituição dos cinemas por outras construções refletem mudanças no tecido social e cultural do Recife, apontando para um deslocamento que vai além da paisagem física.
Kleber Mendonça Filho mantém um olhar crítico sobre essas transformações, evitando idealizações do passado. O filme evidencia como a memória dos espaços permanece presente mesmo após sua desocupação ou descaracterização, reforçando o papel do cinema como elemento de conexão social e urbana.
Retratos Fantasmas funciona como um registro das ausências que marcam o centro do Recife contemporâneo. O documentário chama atenção para a importância de reconhecer as marcas deixadas pelas pessoas que deram sentido a esses lugares, mesmo quando eles desaparecem fisicamente do cenário urbano.
Onde assistir: Netflix.

O Agente Secreto (2025)
O Agente Secreto, sem data de estreia definida, se passa no Brasil de 1977 e acompanha Marcelo, um professor interpretado por Wagner Moura, que deixa São Paulo para recomeçar a vida em Recife. O que parecia um refúgio se transforma em fonte de tensão, com o personagem sendo espionado pelos vizinhos e confrontando seu passado violento em meio ao clima de repressão da época. A obra deve aprofundar temas como vigilância, memória e o impacto do ambiente social sobre o indivíduo, mantendo o interesse do diretor em explorar as relações entre pessoas e espaços.
Ainda sem data de estreia prevista.