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Crítica: Rubel experimenta o Brasil através da música no disco As Palavras

Funk, Forró, Samba, Hip Hop e MPB são ritmos que passeiam pelas 20 faixas do disco duplo

Crítica: Rubel experimenta o Brasil através da música no disco As Palavras
4.5

Quem já conhecia o trabalho de Rubel pode sim ter tomado um susto com a icônica “Putaria”, colaboração valiosa com BK, MC Carol & Gabriel do Borel. Quem não conhece e ouve, também se surpreende, afinal, uma voz que canta versos de forma mais mansa, verdadeiramente, não é o que existe de comum em proibidonas do funk. De forma quase que inusitada, a presença da faixa no setlist de As Palavras, novo disco do artista, experimenta a potência do ritmo em conversa com a composição instrumental e melódica ao estilo do cantor, com alta voltagem erótica na letra.

Essa mistura, uma das mais inesperadas e envolventes, é um exemplo para revelar a característica-chave do novo projeto: a brasilidade. E partindo da poética mais positiva de um país miscigenado, a pluralidade de cores e texturas se prova na arte, e evidentemente, na música. O país possui um leque de estilos e ritmos que trazem além de influências estrangeiras, o que há de mais original na nossa cultura. 

Portanto, é neste ambiente, que Rubel faz As Palavras vir ao mundo, abraçando a complexidade de expressões sonoras que constituem a diversidade brasileira na música. Partindo de uma pesquisa intensa de quatro anos de duração, imersos na literatura e cancioneiro brasileiro, o artista reúne 20 faixas, divididas em dois volumes, 10 em cada um. Entre instrumentais, coros, recitais e parcerias inéditas, o cantor, quem antes já tinha passeado pelo Folk (Pearl, 2013) e pela união de MPB e HipHop (Casas, 2018), se debruça na expansão de sua arte, numa experiência sonora de mais de 55 minutos (caso ouvido completo).

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Funk, Forró, Samba, Hip Hop e MPB são fundos que ajudam as faixas a passar em letra vivências (sejam pessoais ou de outrem). O solar e o noturno, o raso e o profundo, a celebração e o pranto, a alegria e a lástima, o amor e o desamor, orbitam as intenções do disco. Afinal, a brasilidade, além de expressa nas tantas vertentes musicais, também pode estar presente na capacidade de equilibrar sentimentos tão distintos, visto os últimos anos de chumbo político suportados pela nação.

No volume 1, a intenção está no diálogo com a modernidade, e nisso, a já citada “Putaria” é um destaque único. O espírito mais solar do trabalho se expressa predominante nesta primeira parte também em faixas como “Grão de Areia”, pagode maroto que traz a participação de um dos grandes nomes do estilo, Xande de Pilares. A canção desabafo com vertente jazz “Não Vou Reclamar de Deus”, a contemplativa “Toda Beleza” feat Bala Desejo, a instrumental funk-pop-hiphop, parceria com Deekapz, “Rubelía” e o samba “Posso Dizer” completam a sequência de canções, além da homônima do disco que traz a colaboração com Tim Bernardes.

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Rubel experimenta na mistura de diferentes ritmos brasileiros. (Foto: Bárbara Sussekind/Divulgação).

Ainda no primeiro lado, Rubel traz o instrumental “Forró Violento” com recitais e coros para introduzir e finalizar a primeira parte. Neste segundo momento da faixa, os versos entoados por uma voz grave, narrando sobre a tragédia de uma mulher grávida que sem ter o que comer assalta um banco, já dão o tom mais reflexivo, proposta compartilhada pelo volume 2.

“Torto Arado” abre esta ala, com narrativa inspirada em Severo, personagem do livro homônimo de Itamar Vieira. A obra é um texto épico que aborda a situação de um trabalho escravo contemporâneo. A melodia imersiva destaca as interpretações de Linniker e Luedji Luna. Outro destaque vem em seguida. Inspirada no Clube da Esquina, “Lua de Garrafa” conta com a interpretação magistral de Milton Nascimento com Rubel, fazendo refletir na letra e relaxar com a composição instrumental.

Além de faixas que fazem retornar o forró (“Doutor Albieri”) e o samba (“Samba de Amanda e Té”), Rubel experimenta uma verve mais tradicional, com o cancioneiro (“Amor de Mãe”) e uma marcha de carnaval bem satírica (“Na Mão do Palhaço”). Caminhando para o desfecho, releituras de Luiz Gonzaga abrilhantam a sequência. “Assum Preto” na voz penetrante de Dora Morelenbaum e “Forró no Escuro” cantada por Rubel são o aterrissar dessa viagem pelo “Brasil musical”.

O curioso trunfo de As Palavras, talvez esteja mais presente no que a explosão de sonoridades queira dizer. A elegância da sanfona, a tradição de um cavaco, percussões típicas de terreiro, e a ousadia dos beats se encontram. Rubel extrai aqui camadas muito felizes de uma brasilidade musical, que calha com sua proposta autêntica e inova na cena. Surpreendente para quem já conhece, e cativante para quem passa a conhecer.

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