Oscar 2023: Laura Poitras, uma cineasta que brinca em ser a consciência má dos EUA

Diretora concorre ao prêmio da Academia com All the Beauty and the Bloodshed, filme sobre a pandemia de apoioides nos EUA

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Laura Poitras recebeu o Leão de Ouro por "All the Beauty and the Bloodshed" Foto: Andreas SOLARO / AFP.

Francoise Becker
Da AFP

A americana Laura Poitras é uma documentarista vencedora do Oscar que recebeu o papel de má consciência do seu país. Ela renova este título e garante mais uma indicação à estatueta com All the Beauty and the Bloodshed (Toda beleza e o derramamento de sangue, em tradução livre, ainda inédito no Brasil), contando a crise dos opioides.

Ao passar por Paris durante a divulgação de sua obra, esta cineasta de 59 anos explicou à AFP que acredita ser “importante documentar histórias de combates”.

“Às vezes, na telona, você pode comunicar algo que seria impossível de outra forma”, aborda a autora da obra Citizenfour (2014), filme sobre o ex-analista Edward Snowden.

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Poitras foi a primeira a acessar as confidências de Snowden após a revelação dos documentos secretos da poderosa Agência Nacional de Inteligência (NSA). O filme rendeu um Oscar de Melhor Documentário no ano seguinte.

Em Risk (2017), dois anos depois, a diretora desenhou um retrato não autorizado de outra figura polêmica: Julian Assange, editor da Wikileaks.

All The Beauty And The Bloodshed
Cena de All the Beauty and the Bloodshed: a história de Nan Goldin e a pandemia de morte por opioides nos EUA. (Divulgação).

Já com All the Beauty and the Bloodshed, ganhador de um Leão de Ouro, ela abordou a pandemia de mortes por opioides nos Estados Unidos. Paralelamente, Poitras mostrou a luta de uma das maiores fotógrafas contemporâneas, Nan Goldin, contra as empresas farmacêuticas.

A obra “tem algo em comum com meus trabalhos anteriores: uma pessoa ou um pequeno grupo que combate forças muito poderosas nos Estados Unidos”, explica.

O governo “sabia” sobre o perigo representado por essas drogas, que causaram meio milhão de mortes até agora. A cineasta reivindica um trabalho “de colaboração, maior que um relacionamento” superficial com seus protagonistas.

Provocador

“Tenho uma grande responsabilidade”, afirma. “Com Edward Snowden, literalmente tinha sua vida entre minhas mãos. O menor erro poderia acabar na prisão ou até algo pior”, garante a documentarista.

Após uma longa viagem por diversos países, Snowden vive na Rússia, após o presidente Vladimir Putin concedê-lo nacionalidade russa no ano passado. Poitras confirma que esta época “foi a mais aterrorizante” de sua carreira.

“Eu não sabia se poderia voltar para os Estados Unidos. Nesse sentido, ser reconhecida como jornalista e cineasta claramente me protegeu”, admitiu. O empenho desta cineasta veio do trauma causado pelo 11 de setembro de 2001 e a “guerra ao terrorismo”, que desencadeou os ataques da Al-Qaeda.

Para esta natural de Boston, “a dominação mundial, a ocupação, a tortura, os campos (de prisão), tudo isso foi repugnante e acho que foi naquele momento que senti que tinha que dar uma resposta para isto, ao sofrimento que meu governo infligiu em todo o mundo”.

Os “Estados Unidos conseguiram radicalizar novas gerações que agora nos odeiam. É um desastre absoluto, não poderia ser pior”, garantiu.

Premiada com um Pulitzer, Poitras continua acreditando no poder da imprensa: “o bom jornalismo é sempre provocador. O mau jornalismo é se curvar para se aproximar dos poderosos”. O esforço dos Estados Unidos para obter a extradição de Julian Assange, preso desde 2019 no Reino Unido, oferece “uma imagem muito sombria” para o futuro do jornalismo.

“A Europa deveria aumentar a pressão ou conceder-lhe asilo”. Laura Poitras explica que foi colocada sob vigilância após seu primeiro documentário e interrogada durante anos em aeroportos dos Estados Unidos. “Eu coloquei meu dedo nisso, mas estou feliz por ter feito isso”.

Ao ser questionada se ainda está no radar dos serviços secretos do governo Joe Biden, ela sorri e responde: “Essa é uma questão para o governo”.