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“Lilith”, de Bruno Safadi, reescreve o mito da criação a partir da reivindicação feminina

A história de Lilith, Adão e Eva explora linguagens abstratas na narrativa feminista

“Lilith”, de Bruno Safadi, reescreve o mito da criação a partir da reivindicação feminina
3.6

Lilith
Bruno Safadi
Brasil, 2022, 1h20, Distribuição: Pandora Filmes
Com Isabel Zuaa e Renato Góes


A figura de Lilith é fonte de interpretações na cultura desde a Idade Antiga. Na Babilônia, Lilith era uma deusa poderosa e reverenciada. Posteriormente foi apropriada pelo povo hebreu como parte de seu mito de criação, sendo Lilith a primeira mulher da terra, companheira original de Adão, que se negou a obedecê-lo e depois se vingou do ex-companheiro e do próprio Deus ao se disfarçar de serpente e fazer Eva provar do Fruto do Conhecimento, o que fez dela um demônio.

Hoje, milênios depois das primeiras menções ao seu nome, o papel de Lilith tem sido reescrito. Sua revolta e protesto às figuras masculinas que tentaram dominá-la fizeram dela uma revolucionária, tida como a primeira feminista. A partir dessa perspectiva – que ganhou certa popularidade na cultura pop dos últimos anos – Bruno Safadi constrói seu filme.

O Mito de Lilith (interpretada por Isabel Zuaa) contado por Safadi oferece sua riqueza pela linguagem artística bem desenvolvida. Além da própria linguagem cinematográfica, o uso das telas e obras visuais compõem a narrativa do filme, da mesma maneira que a poesia ocupa boa parte dos espaços para o diálogo, além dos trechos de dança contemporânea e performance corporal.

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O desenvolvimento de Lilith a partir de tantas formas artísticas constroem a imponência da personagem tanto para o espectador quanto para Adão (Renato Góes), que está sempre observando sua companheira. E é essa aura intrigante que dá o tom de sua relação. Adão parece estar sempre tentando alcançar Lilith, embora muitas vezes sinta medo ou simplesmente não a compreenda, o que acaba se tornando a raiz do problema entre os personagens.

Ainda que as poesias declamadas cumpram seu papel, elas não conseguem dar a profundidade que os diálogos oferecem, principalmente na relação de Lilith e Adão. Embora essa pareça ser uma ação pensada, até porque existem as conversas entre Adão e Eva e entre Adão e Deus, esse poderia ter sido um dispositivo útil para a construção do distanciamento entre a protagonista e seu ex-companheiro.

Entre as muitas reflexões cabíveis ao filme, essa é uma das que salta aos olhos. Adão ressente Lilith por ela não ser extensão dele – como Eva; ele não compreende Lilith por achar que ela tenha que caber na sua interpretação do mundo, o que não é o caso. Lilith é objeto dela mesma, na sua dança, na sua poesia, na sua agricultura, no sexo e até na hora de criar sua própria interpretação do Mito da Criação. Ela vive uma jornada solo de construção do próprio conhecimento, que não chega ao seu ápice por interferência de Adão e seus medos.

No entanto, ela não se relega apenas como vítima, mas torna-se agente de sua liberdade e das outras mulheres, inclusive de Eva. A vingança contra Adão não somente é sua ruína, mas a certeza de que não haverão mais mulheres que se ajustem para caber em seus moldes. Ainda que nesse protesto elas desistam do Éden, o exílio proporciona a expansão pessoal sem limites, medo ou ordens.

Na sua reta final o filme também parece perder um pouco o ritmo. A calma do início se perde para que o longa-metragem dê conta de entregar o desfecho do mito e ainda fazer sua reflexão sobre toda a simbologia a respeito de Lilith. Não há nenhum elemento que se perca neste trajeto, mas, ainda assim, era uma parte que merecia mais tempo e profundidade, assim com foi dada à parte inicial do filme.

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