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Ilustração: Global Voices.

Eleições 2022: Mulheres na política denunciam ameaças recorrentes

Mensagens com ofensas e ameaças de morte são denunciadas por parlamentares às vésperas das eleições

Por Luís Gustavo Moreira Carmo
Do Global Voices

Com o primeiro turno das eleições presidenciais previsto para o dia 2 de outubro se aproximando, mulheres cisgênero, transexuais e travestis, envolvidas na política brasileira, têm denunciado em suas redes sociais episódios de violência política de gênero, considerada crime eleitoral no Brasil.

Mensagens de cunho machista, racista e até com referências de inspiração nazista estão entre as ameaças que chegaram a vereadoras e deputadas. As mulheres possuem, em comum, afiliações a partidos de esquerda ou centro-esquerda, e a defesa de pautas ligadas à diversidade e ao combate às desigualdades.

Duda Salabert

Duda Salabert (PDT, Partido Democrático Trabalhista), parlamentar mais votada nas eleições de 2020 e primeira vereadora transexual de Belo Horizonte, Minas Gerais, denunciou no começo de agosto que recebeu um e-mail com ameaça de morte, de um “grupo neonazista que frequenta fóruns e ambientes virtuais”. A mensagem trazia ainda referências nazistas.

Um boletim de ocorrência foi registrado e, também nas redes, a vereadora afirmou que foi perdeu o emprego como professora:

Cerca de duas semanas depois, a agora candidata à deputada federal foi novamente alvo. Em seu gabinete, recebeu jornais com escritos e desenhos de teor nazista e homofóbico. Nas mensagens, Duda é tratada no gênero masculino e afirmam que ela deveria ser isolada, “em um campo de concentração cheio de porcarias igual a você”:

https://twitter.com/DudaSalabert/status/1559918466009890816?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1559918466009890816%7Ctwgr%5Ea4a9f82715c47254e86ebe272a3c2eb4d9572aaf%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fpt.globalvoices.org%2F2022%2F08%2F26%2Fem-ano-de-eleicoes-no-brasil-mulheres-na-politica-denunciam-ameacas-recorrentes%2F

A parlamentar afirmou que está fazendo sua campanha com escolta policial e colete à prova de balas.

Erika Hilton

Outra vereadora eleita em 2020, porém em São Paulo, Erika Hilton (PSOL, Partido Socialismo e Liberdade), recebeu em março deste ano uma mensagem anônima por e-mail também com ameaça de morte.

Ela é a primeira travesti (identidade de gênero latina) a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores da cidade e, desde o início de seu mandato, enfrenta ameaças com teor transfóbico e racista.

A intimidação levou ao registro de um boletim de ocorrência por parte de Erika e, assim como no caso de Duda, deu espaço ao debate sobre o recorte LGBTQIAP+ dentro da violência política de gênero. Na época, via Instagram, ela comentou: “Desde o início do meu mandato as ameaças e agressões são constantes, e minha vida mudou completamente. Não posso receber amigos em casa, não posso ir ao mercado sozinha, estou sempre acompanhada por seguranças e carro oficial. Meus agressores acham que vão me parar, mas apesar do medo, natural diante da rotina de ameaças, eles estão enganados. Seguirei firme, me cuidando, mas aprofundando o trabalho político que começamos.”

Nas primeiras semanas de agosto, Hilton foi novamente ameaçada após, juntamente com a vereadora Natasha Ferreira (também do PSOL, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul), denunciar ao Ministério Público Federal falas homofóbicas do presidente Jair Bolsonaro em um podcast.

Tratadas no gênero masculino, ambas foram ameaçadas de morte em um e-mail que continha sentenças como “o ódio é a nossa razão de viver” e uma ameaça de explosão em suas casas, caso não abandonem a vida pública.

A mensagem foi inicialmente direcionada a líderes do PSOL, partido das duas, e à deputada estadual Erica Malunguinho (primeira transexual e preta do país a ocupar esse cargo, em São Paulo), mas com o intuito de ser repassada à Hilton e Natasha.

Após confirmar sua candidatura à deputada federal em 2022 no final de julho, Erika Hilton comentou sobre a nova mensagem de ódio recebida para o jornal Estadão: “É evidente que as ameaças recorrentes contra mim e tantas outras mulheres sejam elas da política, ou jornalistas, tem o objetivo de nos constranger e intimidar para interromper nossa atuação […] No meu caso, citam explicitamente que eu devo desistir de ser candidata e sair da vida pública. Não conseguirão.”

Sâmia Bomfim e Manuela D’Ávila

Colega de Hilton de partido, a deputada federal Sâmia Bomfim, que também é de São Paulo e concorre nestas eleições, abriu queixa após receber ameaças de morte parecidas. A parlamentar declarou que seu filho e marido (o também deputado Glauber Braga) foram citados num e-mail cujas referências são as mesmas das mensagens encaminhadas à Salabert.

Em seu perfil no Instagram, ela declarou: “Cheguei a pensar em não divulgar. Mas refleti que, mesmo não sendo a primeira ameaça, foi a mais grave e perversa. Muito semelhante às que foram dirigidas à Manuela D’Ávila e Duda Salabert […] A violência de gênero não pode ser naturalizada. Essa agressão fascista contra as mulheres na política precisa parar.”

Candidata à vice-presidente nas eleições de 2018, a ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB, Partido Comunista do Brasil) desistiu de disputar eleições em 2022, afirmando que os processos de disputa política foram muito “duros e violentos” para ela e sua família, em um texto publicado em seu perfil no Facebook.

Uma das mensagens, divulgada por ela no começo de agosto, continha ameaça de estupro, xingamentos como “vadia” e desejava a morte de sua filha de 6 anos e de sua mãe. No Instagram, a ex-deputada afirmou: “Ser uma mulher pública no Brasil é ser amaçada permanente. É escolher um lugar para o medo, outro para a coragem, outro lugar pro fingir ignorar […] Essa é mais uma das ameaças que eu, minha filha e também minha mãe sofremos.”

O Mapa das Mulheres na Política, da Organização das Nações Unidas, mostra que a representatividade feminina ainda é pequena no Brasil.

Segundo o relatório, parceria entre a ONU Mulheres e a União Interparlamentar (IPU), que analisa a presença de mulheres em cargos executivos, governamentais e parlamentares, o país ocupa o 140º lugar no ranking global.

Benny Briolly

Benny (do PSOL) se tornou a primeira travesti eleita no estado do Rio de Janeiro, em 2020,pela cidade de Niterói. No dia 17 de maio de 2022, após uma sessão na Assembleia Legislativa, Briolly foi a público denunciar o deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB, Partido Trabalhista Brasileiro) por violência política de gênero.

Na ocasião, Rodrigo se referiu à Benny como “boizebu” e “aberração da natureza”, a tratando com pronomes masculinos. O caso foi levado ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Rio de Janeiro. Ele se tornou o primeiro réu por violência política de gênero no país, em agosto, segundo o jornal Extra.

Benny, agora candidata à deputada estadual, revelou em um dossiê enviado à Polícia Civil que já recebeu mais de 20 ameaças de morte.

Amorim também é conhecido por ter quebrado uma placa que homenageava Marielle Franco.

Em suas redes sociais, Benny disse: “Que o meu corpo e a minha militância sirvam de suporte e exemplo para todos aqueles que são calados ou oprimidos por um Estado genocida. Eu estou aqui por vocês, à disposição de vocês para fazer política de verdade e devolver o poder na sua mão: meu povo!”

Marielle Franco

Esses e outros casos de violência de gênero no meio político remetem à luta enfrentada por Marielle Franco, assassinada em março de 2018, quando ocupava o cargo de vereadora no Rio de Janeiro.

Marielle, uma mulher preta e LGBTQIA+, também era do PSOL e defendia pautas parecidas com as de Benny, Duda, Erika, Manuela e Sâmia. O mandante dos assassinatos dela e do motorista Anderson Gomes ainda não foi identificado pela polícia, mais de 1.600 dias depois do crime.

Especialistas da ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos definiram o crime como “um ataque ao coração de uma sociedade democrática e um caso emblemático das ameaças enfrentadas pelos defensores de direitos humanos no Brasil”.

Dados e formas de combate

Há um ano, em agosto de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL, Partido Liberal) sancionou a Lei nº 14.192/2021, que acrescentou o crime de “violência política contra a mulher” ao Código Eleitoral brasileiro. A lei tem como objetivo a prevenção e o combate à violência contra mulheres na política.

Com um recorte LGBTQIA+, em 2021, o Instituto Marielle Franco realizou uma pesquisa sobre a violência sofrida por mulheres trans eleitas no país. Entre as 28 eleitas, todas relataram ter sofrido algum tipo de violência durante o mandato e 22,8% relacionam as intimidações e ameaças ao fato de serem trans.

No dia 1º de agosto, após dados do Observatório de Violência Política Contra a Mulher apontarem que 44% das candidatas a cargos eletivos nas Eleições Municipais de 2020 foram vítimas de violência, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) firmaram uma parceria de enfrentamento e conscientização à violência política que estabelece diretrizes e canais de denúncia digitais.

Este post é parte da Global Voices, uma iniciativa internacional de jornalismo baseado em uma licença Creative Commons. O objetivo é cobrir diferentes realidades através de uma comunidade de jornalistas em diferentes partes do mundo. Conheça o projeto.