Não me é estranho o termo colaborativo. Comigo tudo começou no Mão Molenga Teatro de Bonecos, em 1986. Nele vivenciamos processos de criação coletiva, tomando a obra como work in progress, valendo-se de elementos tão caros hoje em dia como construção de dramaturgia própria, uso de espaços alternativos, valorização da performatividade, pesquisa de linguagem e hibridismos. Um pioneirismo que não figura como apenas nosso, nem somente como local. Assim nos mantivemos ligados a uma corrente que se fortaleceu nas últimas décadas.
No inicio do século XXI, outra geração de grupos como o Coletivo Angu, a Cênicas Companhia de Teatro, Fiandeiros e Magiluth, colocou em relevo suas visões coletivas na cena recifense. Deram início ao que ouso chamar de Era do Teatro de Grupo. É certo que grupos teatrais sempre existiram por aqui. Mas não exatamente com o mesmo conceito. Hoje a terminologia serve para definir bandos praticantes de criação compartilhada, defensores de processos investigativos e contínuos. A busca por uma poética individual, identitária, também empresta fundamento a essa ideia de grupo.
Porém, essa é característica observável em outros períodos, tais como na Era dos Grupos Fundadores – entre 1930 e 1970 – quando despontam o Teatro de Amadores de Pernambuco, o Teatro Popular do Nordeste e o Vivencial Diversiones; na Era dos Produtores, onde figuram a Praxis Dramática e a Aquarius Produções, nos anos 1980; na Era dos Encenadores, nos anos 1990, afirmando-se nomes como Antonio Cadengue, Carlos Carvalho, João Denys e João Falcão. Mas foi a partir dos anos 2000 que se acentuou o protagonismo dos atores na assinatura de construções cênicas. Ali se ergueu uma distinção precisa entre os coletivos dessa natureza e as iniciativas, empresariais ou não, onde participantes não vivenciam todas as etapas da criação e cujo elenco se desfaz após curta ou longa temporada.
Desde o seu nascimento o Coletivo Angu de Teatro, tem investido numa forma cênica onde eclodem alguns traços estilísticos daquilo que Hans-Thies Lehmann definiu como Teatro Pós-Dramático. Tal constatação acontece em 2007, após a edição brasileira do livro homônimo do teórico alemão. Em Angu de Sangue (2004), Ópera (2007), Rasif (2008) e Essa Febre Que Não Passa (2011), tomamos como premissa a exploração de matrizes literárias não dramáticas: contos escritos pelos pernambucanos Marcelino Freire, Newton Moreno e Luce Pereira. Ainda seguimos essas orientações iniciais. Ossos (2016), no entanto, apresenta um diferencial em nosso projeto artístico: criamos sobre texto dramático, escrito por Freire a partir do romance homônimo de sua autoria.
Mesmo com essa escolha, damos continuidade à pesquisa de linguagem cênica encampada pelo Coletivo e que se estrutura sobre os seguintes pilares: elaboração de texto cênico partilhada com os atores; exploração de traços metalinguísticos; epicização da narrativa cênica; fricção entre o ficcional e o não ficcional; discurso político não panfletário, sobre questões urgentes como abismos sociais, preconceito, violência urbana e sexualidades desviantes; interfaces entre linguagens artísticas como o teatro, a música e as artes visuais. É dessa forma que nos inserimos na teatralidade híbrida da cena contemporânea em Recife e no mundo. Sentimos que não somos uma ilha nesse estuário criativo.
DOSSIÊ TEATRO EM PE:
PANORAMA CRÍTICO: No Recife, uma cena em transição
Teatro Alternativo, poéticas e estéticas
Entrevista com Stella Maris
Teatro em Casa, um canto para sonhar e resistir
Teatro infantil (r)existe
O estado de espírito dramatúrgico de Puro Lixo
Nascido do caos, o coletivo Magiluth
A via híbrida do Coletivo Angu de Teatro
Carta do artista: Cleyton Cabral