Papo com Salma Jô, da Carne Doce: um disco contra os baques do Brasil de hoje

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Foto de Filipa Andreia/Divulgação.

Salma Jô é a mentora de letras femininas e feministas tocadas por uma banda com quatro homens. Ela é a primeira coisa a atrair sua atenção no show da banda Carne Doce. A vocalista deixa seus desencantos de lado, colocando-se nos shows como quem faz da música sua maneira particular de exorcizar os demônios. É uma deusa no palco.

Junto com o marido, o guitarrista Macloys Aquino, Salma fundou o grupo musical em 2013. Eles dividem a banda com João Victor Santana (guitarra) e Aderson Maia (baixo). A presença de palco de Salma é potencializada pelas cores vibrantes do show e a meia-arrastão em em luz negra. Essa é uma das marcas do elogiado Tônus, terceiro álbum do grupo em atividade há cinco anos. “Chegamos nessa imagem que dialogava com as músicas, um ser amarrado, ou se amarrando, ou se desfiando”, diz Salma Jô.

“O novo disco é melancólico, mas aponta para um caminho de força contra os baques da vida”

O álbum chegou a figurar em alguns rankings das músicas mais ouvidas nas plataformas de streaming, com destaque para a música “Amor Distrai (Durin)”. É um álbum forte, que fala de solidão e relações amorosas. O feminismo e o universo feminino aparecem invariavelmente nas letras de Salma, caso das músicas “Falo” e “Princesa”, de discos anteriores. “O tônus é um álbum triste, melancólico, mas aponta pra um caminho de consciência e força ante os baques da vida”, explica Jô.

Carne Doce está escalada para fazer a folia no Guaiamum Treloso Rural, festival considerado uma das prévias mais esperadas do Carnaval em Pernambuco. O evento ocorre na Fazenda Bem-Te-Vi, em Aldeia, no Grande Recife, no dia 9 de fevereiro. O line-up conta ainda com Baco Exu do Blues, Ave Sangria, Ana Frango Elétrico, Jaloo, Mc Carol, Dadá Boladão, entre outros.

Em entrevista à Revista O Grito!, Salma detalhou sobre seu processo criação e a produção da obra do terceiro álbum da banda.

O que “tônus” significa pra você no álbum?
Resiliência, uma força adquirida com o tempo, malhação. O Tônus é um álbum triste, melancólico, mas aponta pra um caminho de consciência e força ante os baques da vida.

O texto de divulgação do disco informa que se trata de um disco introspectivo. O que o álbum traz de introspectivo?
Os assuntos, o som. É um álbum “pra dentro”, os instrumentais e os vocais tem uma dinâmica mais suave, menos explosiva do que os discos anteriores, e as letras olham mais pra dentro que pra fora.

Como foi pensado o conceito estético de “Tônus”?
Estava zapeando no Instagram e vi o selfie de uma garota com a meia arrastão e o efeito de luz negra. Gostei daquilo, mas sem saber muito o porquê, fizemos o nosso ensaio inspirados nessa foto e chegamos numa imagem que dialogava com as músicas, era um ser amarrado, ou se amarrando, ou se desfiando, se desenrolando ou se enrolando num novelo…. Gostamos disso e se tornou a estética do disco e dos shows.

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Foto: Filipa Andreia/Divulgação.

As músicas parecem ser mais maduras do que as dos discos anteriores. O que você acha dessa afirmação?
Eu espero que sim, porque nós estamos envelhecendo, temos mais experiência, deveríamos nos tornar melhores mesmo, rs. Nós também sentimos isso, sentimos que estamos mais pacientes, mais sensatos, que estamos nos ouvindo melhor enquanto grupo.

Você escreve a maior parte das letras das músicas da banda. O que tem inspira a compor?
Em grande parte as minhas próprias experiências e coisas que leio por aí.

Como você interpreta, como compositora que toca em temas tão delicados como aborto, por exemplo, sua condição como mulher?
Não interpreto nada, já estou. Sou mulher e componho também sobre ser mulher. Há sempre uma expectativa e uma exigência que vem de vários lados para que sejamos uma mulher de um certo tipo mais mulher, ou que falemos pelas outras. Eu toco nesses temas delicados porque a inspiração fluiu e deu certo assim, não me vejo especial por isso e nem que estou, por causa disso, exercendo “minha condição como mulher”.

Após escrever várias músicas você pensa em não se repetir, mas preservando sua identidade como artista?
Sim, tenho desejo de ser sempre criativa, mesmo sem perder a identidade, é esse o ponto.

Como você trabalha as tensões sexuais na sua obra?
Já escrevi várias letras com perspectivas diferentes sobre o assunto, passivo-agressiva, romântica, vulgar… é um assunto divertido e amplo, eu gosto.

“Tônus” é um álbum também ligado à contemporaneidade política no Brasil pelo nome da última música, “Golpista”?
Acho que sim. É um disco que fala muito de insuficiência, de idealização, de uma sensação de incompetência e fraqueza. Combina com o atual momento.

E qual a expectativa para voltar a tocar aqui no Recife em fevereiro com um álbum novo?
Expectativa de fazer um show excelente, poderoso.

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