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Educação Sentimental LGBTQIA+: 10 artistas escolhem os filmes que marcaram suas vidas

No Mês do Orgulho, uma lista para lembrar o cinema como um espaço de descoberta e celebração

Absolutamente todo o mundo tem aquele filme que ficou marcado na memória, seja pela história inesquecível, pelo momento mágico da vida quando assistiu e que ficou eternizado na mente ou ainda por aquela determinada história, seja ela de amor adolescente, drama trágico ou comédia se conectar diretamente com você. Fato é que o cinema costuma ser esse meio poderoso que proporciona momentos fundamentais e determinantes nas vidas de todas as pessoas.

No processo de autoconhecimento em relação à diversidade sexual e de gênero, o cinema sempre esteve presente como espaço seguro para o espectador LGBTQIA+. Seja na saída do armário, nas descobertas da possibilidade do amor e do afeto, na energia necessária para enfrentar o preconceito ou mesmo na celebração de ser quem é.  

Em celebração ao dia do orgulho LGBTQIA+ a Revista O Grito! pediu para que artistas, das mais diversas expressões e sexualidades, indicassem um filme que marcou a vida delas no processo de educação sentimental a partir da arte.

Veja:

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Foto: Renato Parada/Divulgação.

João Silvério Trevisan – Escritor

Teorema (1968)

Foi provavelmente em 1969 que vi, pela primeira vez na vida, um filme que espelhava claramente o meu desejo na contramão. Não apenas no sentido de me provocar tesão, mas de um modo a evidenciar a grandeza quase mística daquele amor que me movia. Falo de Teorema, de Pier Paolo Pasolini. Eu acabara de sair do armário, e tinha ido ao cinema com meu primeiro namorado. Pasolini era tão sedutor que, em plena ditadura militar, a censura não se dera conta do apelo exercido pelo filme exibido no cine Gazeta, em plena avenida Paulista, em São Paulo.

Desde a beleza devastadora de Terence Stamp, no papel do anjo que tira uma família inteira do armário, até a empregada que ao final sobe aos céus santificada pelo amor, a abordagem poética de Pasolini me mobilizou tanto a libido quanto o coração e o espírito.

Saímos do cinema em estado de graça. Mesmo cientes do perigo que nos cercava, eu e meu namorado caminhamos de mãos dadas, protegidos pela noite, e assim atravessamos toda a avenida Paulista. Estávamos imantados pela beleza do nosso amor, que Pasolini nos tinha revelado. Ali eu escancarei para sempre as portas que barravam o meu desejo. “

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Foto: Carlos Salles/Divulgação.

Johnny Hooker – Cantor e Compositor

Delicada Atração (1997)

“Um filme que me marcou muito e que me fez ter pela primeira vez esse reforço positivo em ser LGBTQIA+ foi um filme inglês de 1996 se não me engano, chama-se Beatiful Thing/ Dedicada Atração e é um filme belíssimo que conta a história de dois rapazes do subúrbio, que moram nos projects lá em Londres, eles se conhecem e se apaixonam.

Foi a primeira vez que eu pude assistir um filme que o desfecho da história não era trágico, eles eram abraçados pelos pais, pela comunidade e dançavam juntos na frente de todo o mundo no final. Esse filme, inclusive, foi uma das obras que me inspirou completamente na composição de “Flutua” anos depois.

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Foto: Valdinei Souza/Divulgação.

Jup do Bairro – Cantora 

Dzi Croquettes (2009)/ São Paulo em Hi-Fi (2013)

“Sou filha da noite paulistana, da cena clubber e bebo das fontes mais antigas para construir o meu trabalho. Então, seria impossível não falar sobre Dzi Croquettes (2009). “Homens” que se vestiam de “mulheres” em 1972 – não existia tantos vocabulários para essas pessoas se identificarem como hoje.

Mas, através da arte, usam seus corpos para criticar a ditadura militar, questionando a opressão sofrida pela população LGBTQIAP+, antes mesmo da sigla, e dialogavam sobre a explosão do HIV-Aids no país, principalmente nas grandes metrópoles.

Outro filme imprescindível, também sobre a cena das décadas de 1960, 1970 e 1980, São Paulo em Hi-Fi (2013) também é um baú de referências e histórias.”

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Foto: Divulgação.

Luiza de Souza (IlustraLu) – Quadrinista e Ilustradora 

A Partilha (2001)

“Um filme que me marcou muito nesse sentido foi A Partilha (2001)! É antigo, eu tinha a fita lá em casa.

Conta a história de quatro irmãs fazendo a partilha da herança que era um apartamento e tal, cada uma tinha sua história e Laura (Paloma Duarte) era uma das irmãs, e era sapatão.

Eu me lembro de gostar muito do plot dela, sem entender que já era algum tipo de identificação. O discurso dela se assumindo pras irmãs é super icônico e me marcou muito”

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Foto: Divulgação.

Fitti – Cantore e Compositore

A Vida e a Morte de Marsha P. Johnson (2017) / Tatuagem (2013)

“Trouxe dois filmes com a temática LGBTQIA+ que me marcaram muito: um documentário, que é A Vida e a Morte de Marsha P. Johnson (2017) e aborda, justamente, a história da Marsha, uma trans travesti que foi assassinada transfobicamente alguns anos atrás, uma grande pioneira do movimento trans. Uma mulher preta, trans e travesti que derrubou muitas barreiras mesmo arriscando a sua vida, que foi tirada brutalmente. Ela me ensinou e ensina a muita gente nesse documentário a não ter medo de ser quem se é, e eu como pessoa trans não binárie me senti muito mexide por essa artista e ativista, que é uma verdadeira entidade mesmo.

O outro filme se chama Tatuagem (2013), um filme brasileiro que abordou justamente essa questão de o que é ser LGBTQIA+ em um país, estando em época de ditadura ou não, extremamente lgbtqifóbico. Onde a ditadura militar parece que até hoje existe, uma lgbtfobia que é uma ditadura constante no país e falo, especificamente, da ditadura porque o filme aborda um ou mais amores não convencionais, não heterossexuais nessa época do nosso país. As duas obras mexeram e mexem muito comigo.” 

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Foto: Divulgação.

Almério – Cantor

Meninos Não Choram (1999)

Meninos não choram (1999) , filme de Kimberly Peirce, com Hilary Swank e Chloë Sevigny foi o primeiro filme LGBTQIAP+ que me arrebatou e me encheu de coragem e emoção! Lembro de chorar por minutos depois do filme. Que fala sobre identidade de gênero quando pouco se falava a respeito, as dores que uma pessoa transgênero carrega, seus partos e partidas, as violências morais, verbais e físicas, os renascimentos, desrespeitos, e também a beleza e poesia de se entender, se reconhecer e a partir disso encarar o mundo com mais coragem.

Os malabarismos no jeito de amar, os arrodeios e receios pra dizer coisas simples. Eu tinha 19 anos, e esse filme abriu minha percepção sobre essa pauta tão importante e que nossa sociedade precisa reparar pra ontem esses danos. Se as pessoas se empenhassem em se reeducar com a mesma força que nos agridem, a gente tava num lugar bem mais bonito!” 

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Foto: Divulgação.

Kael Vitorelo – Designer e Artista

Steven Universo (2019)

“Fiquei pensando a respeito, pensei em coisas que me tocassem mesmo e lembrei muito de Steven Universo que é uma animação, mas também teve filme e depois um spin-off com ele mais crescido. Não foi um desenho que foi ao ar quando eu era criança, eu já estava na faculdade quando passou, mas eu sempre gostei muito de animação, estudei animação e trabalho na área, então sou entusiasta.

Acho que foi a primeira vez que eu me vi representada pelos personagens em um produto audiovisual. Rebecca Sugar, criadora da série, foi um dos primeiros casos de uma pessoa não binária a ganhar um papel tão importante. Eu sempre me emocionava muito assistindo porque me colocava no lugar de muitos personagens diferentes. Não só dos que eram LGBT ou lidos e codificados como tal, mas na medida que os personagens vão lidando com as relações entre si mesmos, num nível mais sensível da coisa”

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Foto: Vai Maluca/Divulgação.

Danny Bond – Cantora, Compositora e Rapper

Bixa Travesty (2018)

“O filme que me marcou muito foi o Bixa Travesty (2018). Eu sempre admirei e admiro o trabalho da Linn [da Quebrada], em qualquer linguagem que ela atue, e vê-la na telona, se rasgando e expondo ali, um mundo nosso… nosso bônus e ônus, como forma de existência e resistência, é muito emblemático, pois é necessária muita coragem para o fazer, no país que mais mata trans. Me ver representada no audiovisual por essa força da natureza, que é a Linn da Quebrada, me inspira, me dá segurança e ratifica que estou no caminho certo. O ser humano é pluriversal e a humanidade ainda não entendeu isso.”

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Foto: Divulgação.

Zendo – Cantor e Compositor

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)

“Há um tempo atrás quando se falava de afetos, amor e amar pra mim como um corpo LGBTQIA+ era algo muito distante. Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) (2014) foi um filme que me marcou bastante por esse motivo. O filme conta a história de um jovem que era cego e acaba vivendo uma história de amor com um outro cara.

A questão é que pra mim foi muito significativo ver a representação desse corpo LGBTQIA+ construindo uma relação romântica, pois no dia a dia esse tipo de afeto é na maioria das vezes negado pra gente e, principalmente, se tratando de corpos com algum tipo de deficiência.

Assistir a um romance tão lindo em uma história tão sensível surgindo nas cenas daquele filme me fez perceber que o amor romântico ou outras formas de afetos são sim algo possível e que eu como um corpo LGBTQIA+ também mereço e posso ter aquilo.”

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Foto: Zito Jr./Divulgação.

Sophia Williams – Atriz

O Segredo de Brokeback Mountain (2005) / Meninos não choram (1999) / Priscilla, A Rainha do Deserto (1994) / Para Wong Foo, Obrigada Por Tudo! Julie Newmar (1995)

“Eu acho que, pra mim, os únicos filmes que trouxeram uma realidade e possibilidade de construção afetiva e de pensamento dentro da minha vivência foram O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Meninos não choram (1999). Me marcaram primeiro porque Brokeback Mountain é um filme bem explícito, ainda mais quando você assiste dentro de casa quando ainda não tem segurança para bancar o que é. 

Além disso, tiveram outros filmes como Priscilla, A Rainha do Deserto (1994) porque quem nunca se imaginou dentro daquele ônibus? E mesmo entendendo que hoje, provavelmente, seria cancelado porque tinha ali uma trans fake, o filme tinha um encanto, a coisa do romance com a pessoa trans. Trazia essa possibilidade de dizer “É possível!” mesmo ela vivendo na ilusão do glamour, naquela coisa de ter acabado de perder o marido e sair em viagem com as amigas e no meio desse caminho encontrar outro afeto, com um senhor que a acolheu mesmo sabendo das diferenças dela, é algo que mexe muito com a gente porque, pelo menos, eu comecei a entender ali que sim, é possível ter afeto nesse lugar e que, diferentemente, do que as pessoas julgavam era possível amar e ser amado, mesmo que fosse um afeto entre amigos.

Tem também o Para Wong Foo, Obrigada Por Tudo! Julie Newmar (1995) que era um filme que trazia dois ícones da virilidade da época: o Patrick Swayze era um galã do cinema norte-americano e o outro era o Wesley Snipes, que era o senhor das armas. Ver essas duas pessoas vestidas de drag foi muito impactante pra mim porque pensei assim: “Isso é real, isso é possível”, o filme ainda trazia questões muito importantes como a violência doméstica, homofobia e aceitação.

Foto de capa: Sarah Rampazzo via Unsplash.

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Consuella, o filme que lançamos em 2023

2023 foi bem especial pra gente! Lançamos o curta Consuella, dirigido por Alexandre Figueirôa, editor-executivo da Revista O Grito!. O filme resgata a história de uma importante personalidade artística do Recife, que viveu seu auge nos anos 1970-80 e que abriu portas para diferentes artistas LGBTQIA+. O curta percorreu o circuito de festivais e teve uma première concorrida no Teatro do Parque, com a presença de pessoas que conviveram com Consuella, além da equipe que produziu a obra. Trata-se de uma importante memória da excelência trans, de alguém que ousou peitar as convenções tradicionais e conservadoras de sua época.