Sundance, um dos maiores festivais de cinema do calendário internacional encerrou sua edição de 2025 no último dia 2/2 nas cidades de Park City e Salt Lake City, em Utah, nos Estados Unidos. Este ano o Brasil teve apenas uma representante em todo evento com o curta-documentário Te Extraño Perdularia dirigido pela paulista Manu Zilveti. O filme é uma produção cubana e foi rodada inteiramente na cidade de Santo Antonio de los Baños. Mais dois brasileiros, também originais de São Paulo, integram a equipe do curta, a diretora de fotografia Carolina Timoteo, e o roteirista Stefano Lopes. O trio se encontrou na EICTV (Escola Internacional de Cinema e TV, em Havana) aonde cursam uma especialização em áreas distintas da produção cinematográfica.
A participação no Sundance foi a segunda exbição oficial do filme que fez sua estreia mundial no 41º Kassel Doc Film and Video Festival, na Alemanha, em Novembro de 2024. Te Extraño Perdularia conta a história de um grupo de dança chamado “Las Perdularias,” formado por garotas estudantes em escola cubana que se usam a música e brincadeiras para lidar com as crescentes consequências da imigração da população local por conta da situação socioeconômica do país.
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Manu conta que o termo “perdularia” foi reapropriado pela cultura da juventude cubana pois antes era utilizado de forma perjorativa para se retratar às mulheres. Depois da participação na seleção oficial do curta em Sundance, o filme agora se prepara para participar do circuito de festivais brasileiros e ainda não tem data de estreia no Brasil.
Direto de Cuba, Manu Ziveti bateu um papo com O Grito! falando um pouco sobre a produção e os desafios e oportunidades da sua participação no Sundance 2025.
O Grito – Como surgiu a proposta do curta e qual é a origem da história das perdularias?
Manu – Tudo começou com um momento de investigação na EICTV e eu precisava criar um documentário para a especialização. Eu estava com muita vontade de contar a história de um grupo de adolescentes amigas. Junto com o Stefano e a nossa produtora Cynthia Fagundo visitamos escolas de campo e conversamos com meninas sobre a produção de um filme. Uma estudante bem gótica nos apresentou a um grupo de meninas diferentes, algumas com o estilo mais de reparto cubano, o reggaeton daqui. Elas me falaram que o grupo delas era diferentes dos outros porque elas eram unidas e nos outros grupos existia muito bullying e brigas. Eram oito meninas que se chamavam “As Perdularias.”
A gente achou incrível tudo aquilo e tentou entender o significado do termo. Elas diziam que significava menina moleca, mas não tinha muito uma definição. Quando voltamos e conversamos com nossos amigos cubanos, eles nos explicaram que “perdularia” era uma gíria que ja teve um significado perjorativo antes, mas que foi reapropriado. Era como se fosse o nosso “piriguete” no Brasil. Nesse periodo também tinha acabado de lançar um hit viral de reparto que impulsionou a resignificação do termo, a música “Perdularia” dos artistas Wildey, Wow Popy, Fixty Odara, e Ja Rulay. A música tocava em todo o lugar. A partir daquele momento eu comecei a participar das aulas com elas e acompanhá-las nos ensaios e brincadeiras.
A gente começou a entender melhor quem era esse grupo de amigas. Neste momento, Cuba passa por um processo de imigração muito forte. Várias pessoas estão abandonando o país. Isso afeta muito os adultos que tomam essa decisão por razões socioeconômicas, mas afetam as adolescentes de outra maneira por não terem a agência da escolha. É uma escolha feita por sua família. A gente decidiu contar a história desse grupo de meninas, que ainda estão na ilha e são afetadas pelas ausências daqueles que já foram embora.
O filme possui uma fotografia plástica, elegante, que aproveita bem o naturalismo dos espaços e cenários locais, principalmente nos momentos de danças e brincadeiras. Como foi o processo da composição da fotografia do filme?
A fotografia foi realizada pela Carolina Timóteo, brasileira também daqui da EICTV. A Carol entrou no processo mais tarde. Eu já tinha começado a gravar algumas coisas com minha camera durante a parte de investigação. Em seguida, a Carol me acompanhou nesse processo e começamos a pensar os espaços juntas. As ideias de mise-en-scéne partem mais de mim, mas os ângulos, espacialidade e cenário partiu mais da Carolina. As meninas ensaiavam suas coreografias num lugar meio abandonado perto da escola. Conversando com a equipe, decidimos gravar as brincadeiras nesse espaço também.
O seu filme foi único representante do Brasil no Sundance deste ano. Como foi a sua experiência Sundance e a recepção do filme?
Não estivemos no festival presencialmente. Isso foi bem forte pra gente. O tempo que ficamos sabendo da seleção e o tempo para organizar a tramitação da retirada de vistos para os Estados Unidos eram muito apertados.
Ainda tinha o obstáculo de estarmos vivendo em Cuba, já que não tem como tirar visto americano de lá. Quando eu fiquei sabendo do anúncio, eu estava na Alemanha aonde o filme estreou. Eu não tinha como voltar ao Brasil. Todos os festivais que eu participo pessoalmente é geralmente com o apoio do festival ou através de editais. Sundance apenas ajuda com um valor simbólico, mas não o suficiente para todo o processo. Realmente não tivemos tempo e dinheiro para fazer a viagem acontecer. Apenas o Jaime, um dos nossos produtores que é porto-riquenho com acesso livre aos EUA conseguiu ir para representar o filme.
Essa é a realidade de vários realizadores amigos e amigas minhas que passam por isso. Lutam para de alguma forma participar desses festivais. Mas esses festivais não são necessariamente inclusivos com pessoas que moram no terceiro mundo. São eventos para pessoas que moram no primeiro mundo. Por exemplo, no festival da Alemanha tinha eu e um outro brasieliro que estava lá por conta de dinheiro de edital. Todos os outros realizadores eram europeus. São festivais que não são pensados para dissidências de modo geral. Por mais que exista sim um esforço na curadoria dos festivais em serem cada vez mais serem inclusivos, ainda existem dificuldades para executar o suporte a esses filmes dissidentes. Por isso, esses artistas acabam não conseguindo furar essa bolha.
Quais são os próximos passos do filme depois do Sundance?
O Sundance realmente abriu muitas portas. A gente vai continuar distribuindo o curta em vários festivais pelo mundo e esse ano começaremos a distribuição no Brasil, mas ainda não sabemos qual o caminho que o filme vai percorrer exatamente. O filme é uma produção cubana falado em espanhol e queremos explorar esse aspecto nos próximos festivais, inclusive no Brasil.
Encerramento do Sundance 2025
A edição 2025 do Sundance ocorreu oficialmente de 23 de Janeiro a 02 de fevereiro, online atravês da plataforma do festival e presencialmente em duas cidades de Utah, no meio-oeste norte-amreicano, Park City e Sall Lake City. O evento é considerado um dos mais importantes da industria audiovisual de produções independentes. Sundance também abre o calendário oficial dos grandes festivais internacionais de cinema antes de Berlinale, Cannes, e o SXSW.
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