Seus Ossos e Seus Olhos
Caetano Gotardo
Brasil, 2022, 1h58. Distribuição: Descoloniza Filmes
Com Caetano Gotardo, Malu Galli, Vinicius Meloni
Quem gosta de ver e ouvir a conversa dos outros e curte experimentos corporais e audiovisuais vai apreciar o novo filme de Caetano Gotardo: Seus Ossos e Seus Olhos. Durante quase duas horas, o próprio Gotardo no papel do cineasta João, como se estivesse num filme do francês Éric Rohmer, vagueia pelas ruas de São Paulo, onde encontra pessoas, troca confidências com a amiga Irene (Malu Galli), compartilha momentos com o namorado Álvaro (Vinicius Veloni), transa com um moço que conhece por acaso no metrô e aprecia dançarinos de break ensaiando numa praça, enquanto conta histórias para o seu celular.
A aposta por esse gênero de narrativa cuja construção não segue os cânones das tramas clássicas em que a dramaturgia obedece a uma certa ordenação no desenvolvimento da história, corre o risco de produzir uma obra que não é abraçada com fervor pelos espectadores. Gotardo, porém, percebe-se, não se preocupou com isso. Seu filme é uma experiência na qual ele se permitiu elaborar uma mise-en-scène em que os acontecimentos mostrados, aparentemente aleatórios, se complementam e, aos poucos, se entrelaçam e ganham sentido, tornando o seu filme um objeto, no mínimo, curioso no cinema brasileiro atual.
Seus Ossos e Seus Olhos formam um jogo de pequenas peças onde as imagens mostradas na tela ora se alinham com as palavras e o som ambiente, ora ganham uma expressividade mais sensorial e menos racional em que o naturalismo da ação representada cede lugar ao inusitado. A fruição da obra é marcada por essa escolha. De certa forma a narrativa parece querer chamar a atenção de como a nossa vida cotidiana transcorre. A metalinguagem e a implicação do próprio cineasta na história reforçam esse caminho.

Ao assistir o filme de Gotardo não será difícil achar alguns trechos enfadonhos, mesmo estando interessado neles, e outros muito cativantes. No primeiro caso, a sensação é idêntica de quando nos deparamos com uma conversa ou uma história que por alguma razão não nos interessa. Essa sensação, porém, é substituída quando a narrativa coloca de lado o lugar-comum e nos leva a exercitar um olhar menos viciado em relação a tela do cinema.
Isso é muito bem conduzido no decorrer do filme quando somos convidados a ver diálogos já transcorridos realocados para novos ambientes ou quando o olhar do narrador é transferido para o espectador como se o cinegrafista tirasse a câmera da mão do diretor e a entregasse a quem o está vendo. O mesmo pode se dizer dos planos sequências sem movimentação da câmera que são preenchidos pelo movimento interno do quadro com o protagonista performando seu corpo inquieto diante das lentes.
Esses recursos expressivos de Seus Ossos e Seus Olhos e a forma como eles estabelecem uma sintonia com o que é contado o tornam um desses filmes que nos levam a refletir sobre o mundo contemporâneo e a ansiedade que ele pode provocar se não nos permitirmos escapar das normas e padrões. Ele fala da memória de afetos perdidos, sobre o esquecimento de encontros marcantes que se evaporam no vai e vem das grandes cidades e do medo de estranhos que se aproximam para pedir ajuda. Ele, porém, também nos faz ver a necessidade de ouvirmos atentamente os outros e de amar sem receios.
Leia mais críticas:
- Resistência explora a ascensão de IAs em futuro distópico, mas abordagem é pouco convincente
- “Adeus, Capitão”: Memória e afeto são os fios condutores do doc sobre o povo indígena Gavião
- Rotting In The Sun usa nudez e sexo explícito de forma inteligente para refletir o mundo de hoje
- Nosso Sonho, filme de Claudinho e Buchecha, emociona ao levar para as telas a amizade e o legado da dupla de funk
- Uma Estranha Forma de Vida, o western pop de Pedro Almodóvar

Apoie o Fora do Padrão, a antologia definitiva que reúne 40 anos de quadrinhos LGBTQIA+.
O Grito! lança o primeiro livro de seu selo de quadrinhos com este clássico organizado por Justin Hall. São mais de 300 páginas com HQs de nomes ilustres como Alison Bechdel, Nazario, Ralf König, Howard Cruse, Trinna Robbins e muito mais.
Apoie a nossa campanha no Catarse e garanta o menor preço do livro, além de descontos exclusivos!