Ogum de Maciel Salú homenageia o orixá e adere novas sonoridades ao repertório do artista

Faixas incorporam a musicalidade dos terreiros, a cumbia e os afrobeats

6. Foto Anderson Stevens
A rabeca é marca registrada de Maciel Salú. Foto: Anderson Steven. (Divulgação).
Ogum de Maciel Salú homenageia o orixá e adere novas sonoridades ao repertório do artista
4.5

Maciel Salú
Ogum
Independente, 2023. Gênero: Pop, Cumbia, Afrobeat

Homem do Ferro, Guerrilheiro de Ifé, Amante da Liberdade, Rei Negro da Cidade, é Ogum para Maciel Salú. Seu orixá de cabeça (o guia principal, ancestral mais antigo que responde pela sua espiritualidade), guerreiro e extremamente ligado com a lei e a justiça recebe essas palavras do artista na faixa homônima além de intitular seu mais novo álbum.

Maciel, quem carrega a cultura popular pernambucana nas veias, parte da tradicional família Salustiano, começou sua produção musical em 2003. Seu som reverbera suas áreas de contato, como o Maracatu Rural, o Cavalo Marinho e as tradições de povos originários africanos e indígenas. 

Da estreia para cá, são seis discos, tendo o anterior, Liberdade (2018) orbitado numa proposta mais política e de protesto. Por sua vez, Ogum é só celebração, não somente ao orixá, mas à musicalidade e à capacidade de exploração de Salú.

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Os pés enraizados na música pernambucana que guia sua discografia não o impedem de viajar (no sentido físico e intelectual) e trazer de suas viagens influências de fora que são “nossa cara”. Além de exprimir sua experiência musical com elementos típicos dos terreiros de Candomblé, Umbanda e Jurema, o artista abraça estrangeirismos ligados a estas manifestações da negritude, a expressão caribenha, como os afrobeats e a própria cumbia, respectivamente.

Capa Maciel Salu Ogum
Maciel usa as guias de Oxum e traz a sua tradicional rabeca na capa do disco. (Divulgação).

A “Os Caboclos no Terreiro” abre os caminhos para a audição. A percussão e o agito bem característicos da introdução nos remete diretamente às manifestações dos caboclos de lança. Nos entremeios, a rabeca, marca de Salú, se conecta ao arranjo, tendo espaço também para a modernidade de um baixo bem marcado, uma bateria e uma guitarra bem carregada e evidente. A junção dos instrumentos e a intensidade em que são tocados simboliza a potência temática, quando o artista dialoga sobre a valorização dos mestres e mestras do Maracatu Rural.

Essa guitarra protagonista em conversa com os sibilares e tambores da percussão também está na faixa homônima. Acompanhando a potência do “arranhar” das cordas, a letra narra a trajetória do orixá guerreiro, “quem livra dos espinhos e de qualquer mal que vier”.

Ainda usando o termo “conversa” para descrever a alquimia de Ogum, em “Ciranda da Saudade” essa troca já surpreende nos primeiros momentos com um “dueto” entre as cordas da guitarra com as da rabeca. A bateria embala um toque de maracatu, enquanto Salú canta a saudade de um amor que se foi, mas que se percebe nas paisagens, no cajueiro, na cachoeira, Caminho das Águas, Serra dos Ventos, Rio das Pedras, trilha da Mata, na serenata.

O romance também se faz temática de “La Cumbia Morena” que abre as portas para o caribe. Na letra que evoca a ida para uma gafieira, a dançante e envolvente faixa traz um eu-lírico enamorado por uma “morena”, personagem feminina já consagrada no imaginário do cancioneiro brasileiro. Fechando a sequência, “Baila” é ainda mais tropical, mais reggae e mais seduzida pela dança da “morena”.

Ogum chega inovando o repertório musical de Maciel Salú, firmado nas tradições, e ao mesmo tempo disposto a passear por outras roupagens. Além de se render a celebração de sua espiritualidade, o artista se rende aqui às paixões, ao escapismo que ritmos como a cumbia oferecem. A dedicação e o entusiasmo que o disco passa reforçam a perenidade e qualidade de um artista como Salú na representação da música pernambucana.

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