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Foto: Divulgação.

Coletânea gráfica de Amanda Miranda traz um olhar crítico da realidade brasileira recente

Quadrinho reúne obras publicadas em veículos jornalísticos como Agência Pública, Aos Fatos e The Intercept, em lançamento do selo O Grito! HQ

A artista visual e quadrinista Amanda Miranda lança nesta quinta-feira (19), em São Paulo, o livro Descida aos Infernos – A arte gráfica de Amanda Miranda, publicação que reúne ilustrações produzidas para reportagens de veículos como O Globo, Agência Pública, UOL e The Intercept Brasil entre 2018 e 2025. O evento acontece na Ugra Press, com uma conversa mediada pela artista Ing Lee.

Com mais de 50 trabalhos selecionados, a coletânea é organizada em cinco eixos temáticos – extrema direita, gênero, racismo, meio ambiente e corrupção – e busca refletir sobre os últimos anos da política e sociedade brasileira a partir da imagem. O livro é publicado pelo selo O Grito! HQ, com apoio da Política Nacional Aldir Blanc.

“Eu ilustro jornalismo há oito anos, foi organizando arquivos que me dei conta que existiam mais de 100 ilustrações feitas durante esse tempo. Um período em que o país esteve muito instável, passamos por traumas coletivos, à beira do precipício tantas vezes, nos deparando com repetições de erros intermináveis. Então o processo de curadoria dessas imagens torna observável o meu percurso pessoal de desenhista, mas também se torna um registro de memória desses anos turbulentos”, afirma Amanda.

O livro traz também textos de jornalistas que trabalharam com Amanda ao longo da última década. Cada capítulo é acompanhado por um texto contextualizador, escrito por profissionais especializados no respectivo tema: Andrea Dip (extrema direita), Bruna de Lara (gênero), Bruno Sousa (racismo), Paula Bianchi (meio ambiente) e Nayara Felizardo (corrupção). “Convidei os jornalistas que colaborei com maior frequência ao longo desses oito anos, cada um especialista nos respectivos temas. Busquei incluir esses textos para que as ilustrações tivessem uma apresentação e contextualização adequadas, além de incluir também fácil acesso às matérias originais em seus respectivos sites”, explica a autora.

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Foto: Divulgação.

A seleção inclui imagens como as produzidas para a série Empresas cúmplices da ditadura militar, vencedora do 12º Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli de Direitos Humanos, e para a reportagem O ano sem adeus, que abordou os impactos da pandemia da Covid-19 nos rituais de luto no Brasil.

Conhecida por seu trabalho com quadrinhos de horror, Amanda comenta sobre como adapta sua linguagem ao jornalismo ilustrado. “Sou uma quadrinista e desenhista de horror que ama gore, mas no jornalismo eu não utilizo essa inclinação, a não ser que seja para criar uma caricatura dos personagens mais poderosos da política e do empresariado. Nestes casos específicos, me inspiro nas características pop da linguagem dos quadrinhos, das capas Pulp, dos filmes de horror B”, explica. “Mas no meu trabalho ilustrando histórias reais de sobreviventes e vítimas, eu preciso dedicar toda minha sensibilidade e empatia, buscando metáforas visuais que poupem pessoas que já sofreram muito no mundo real, que não merecem ter sua imagem marcada reproduzindo essas violências.”

O processo de criação, segundo Amanda, envolve escuta atenta e leitura aprofundada, mesmo com os prazos reduzidos do jornalismo. “Em uma matéria como a da menina de 11 anos de SC, que sofria abusos há muito tempo e engravidou do abusador, eu busquei algo subjetivo e amplo, com significados abertos, porque o desenho acompanhava a história e a realidade já era cruel o suficiente. Não tem motivo para eu querer desenhar algo mais chocante que o relato, porque essa vítima pode se deparar com esse desenho. Eu não quero que ela se sinta violentada novamente vendo uma imagem que eu criei.”

Para a artista, o impacto da ilustração no jornalismo vai além da estética. “Eu acredito que a arte gráfica pode ser ferramenta sensibilizante para temas traumáticos. Nós já somos sufocados por fotos e imagens grotescas o tempo todo, uma economia de atenção baseada no choque. Mas esse choque dificilmente vai atravessar as barreiras cínicas de alguém que não se importa com a temática abordada, mas com certeza vai reabrir feridas de quem vive aquela realidade”, avalia. “A Susan Sontag apontou a prática da ilustração como uma maneira mais digna de retratar os horrores da sociedade, em comparação com a fotografia.”

Amanda também reflete sobre os temas abordados no livro. “Não acho que são temas novos, nem que eles estejam ‘mais urgentes’. Sempre foram urgentes. O racismo está presente no Brasil desde sua fundação, questões de gênero nunca foram superadas, ambientalistas suplicam por atenção para a pauta desde os anos 50, corrupção sempre esteve presente e, o que poderia ser indicado como um novo fenômeno, o extremismo de direita, são táticas que já existem há muito tempo, só que agora estão adaptadas às novas ferramentas de disseminação que a internet, megaempresas de tecnologia e comunicação instantânea proporcionaram.”

Além das ilustrações e textos jornalísticos, Descida aos Infernos traz uma entrevista entre Amanda e o designer gráfico Rodrigo Bento. “O posfácio com o Bento foi uma escolha pensando em trazer uma parte do processo de criação, tanto o meu quanto o de quem faz a curadoria e direção nesses veículos. É um tipo de trabalho muito diferente da direção de arte e ilustração comum, com preocupações distintas.”

Com 128 páginas, o livro está em pré-venda por R$ 60,00 na loja online da Revista O Grito!. A publicação integra um projeto maior que inclui uma série de exposições em Santa Bárbara d’Oeste, cidade de origem da artista, com atividades em escolas e espaços culturais locais. “O intuito era de criar um livro que pudesse servir como ferramenta para levantar debates e discussões”, conclui Amanda.

Serviço:
Lançamento do livro Descida aos Infernos – A arte gráfica de Amanda Miranda
Data: Quinta-feira, 19 de junho
Horário: A partir das 18h
Local: Ugra Press – Rua Augusta, 1371, loja 116, São Paulo – SP
Atividade: Bate-papo com a autora, mediado por Ing Lee

Participação na Poc Con:
Amanda Miranda também participa da Poc Con, feira de quadrinhos e artes LGBTQIAPN+, nos dias 20 e 21 de junho
Local: Centro de Eventos São Luís, localizado na Rua Luís Coelho, 323 – Consolação, São Paulo – SP
Sexta-feira: 15h às 21h
Sábado: 13h às 19h
Entrada gratuita