93060 CLOUD Actor Masaki Suda 1 H 2024
Foto: Divulgação.

“Cloud – Nuvem de Vingança”: suspense inusitado de Kiyoshi Kurosawa

Cineasta japonês utiliza mercancia online ilegal como pano de fundo em filme que não economiza nos tiroteios

“Cloud – Nuvem de Vingança”: suspense inusitado de Kiyoshi Kurosawa
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Cloud – Nuvem de Vingança
Kiyoshi Kurosawa
JAP, 2025. 2h03. Suspense. Distribuição: O2 Filmes
Com Masaki Suda, Kotone Furukawa

Um rato morto, embalado em jornal esvoaçante, largado no meio da calçada. A cena, ainda no primeiro terço de Cloud – Nuvem de Vingança (2024), contém em si o simbolismo narrativo predominante do suspense japonês que abriu a 14ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba. O longa de Kiyoshi Kurosawa é um curioso thriller cat-and-mouse que, para o bem e para o mal, subverte a expectativa do espectador aos padrões do cinema de gênero. A produção foi a escolhida pelo Japão para concorrer a uma vaga no Oscar 2025.

Yoshii (Masaki Suda) trabalha numa fábrica, mas é seu emprego informal que lhe garante maior renda: ele compra e revende produtos – majoritariamente falsificados – na internet a preços bem acima da média. A prática acaba por provocar uma série de clientes indignados que, ao decorrer da projeção, se articulam para liquidar o comerciante. Em sua primeira metade, o filme de Kurosawa se revela quase como uma reflexão social sobre o e-commerce alternativo – entenda-se ilegal – no Japão. Ainda que foque no cotidiano particular e nas relações do protagonista com a namorad Akiko (Kotone Furukawa), a sensibilidade e a autoralidade do cineasta costuram um retrato eficiente de como a facilidade tecnológica e o anseio por fazer dinheiro podem desembocar em perigosos cenários.

Extremamente habilidoso na composição estética e narrativa dos seus filmes, Kurosawa recria a atmosfera de crescente tensão que se tornou marca de obras anteriores como Creepy (2016) e o genial A Cura (1997). Mergulhando os personagens em sombras permanentes, a fotografia é grande aliada para a sensação de iminente violência prestes a acometer o protagonista. Igualmente eficiente, a banda sonora crua é belamente trabalhada, como na cena no ônibus onde há um corte brusco do som ambiente no momento no qual um personagem misterioso aparece em tela. 

Agrada-me como, mais uma vez nos detalhes, o diretor pontua que aquele é um retrato do mundo moderno, apesar do recorte geográfico no Japão contemporâneo. Nas caixas dos produtos comercializados por Yoshii, os dizeres made in france ou a marca da Pegasus Global Express reforçam tal panorama. Entretanto, como explicitado nas próprias palavras do diretor em vídeo exibido antes da sessão, Cloud se propõe um filme de entretenimento. Com isso, a segunda parte do filme é uma mixórdia de perseguições, tiros sem fim; a caça de gato ao rato mencionada no início deste texto. Extingue-se, assim, a sutileza de questões minimamente mais complexas sobre a economia global para, em contrapartida, adentrarmos em um universo atabalhoado de homens em busca de vingança. 

Há um senso cômico inusitado no filme e me questiono se parte das risadas provocadas na plateia são fruto das estratégias narrativas conscientes do diretor. Os personagens, desastrosos e desastrados, estão longe de nos lembrar os gângsteres sangues-frios de produções que abordam a Yakuza – e isso não é necessariamente um ponto negativo. A problemática reside na dificuldade do filme em abraçar o gênero de forma satisfatória; são sequências de ação estranhas, mortes suprimíveis e sem impacto; em suma, decisões de roteiro que pouco acrescentam à trama. Em uma obra essencialmente masculina, a construção da personagem de Akiko, cujo arco dramático é quase ridículo de tão absurdo, me soa inconsistente e questionável.

No mesmo ano em que lançou o excelente média-metragem Chime e a nova versão – francesa – de Caminho da Serpente (26 anos depois do original dirigido pelo próprio Kurosawa), Cloud – Nuvem de Vingança situa-se entre as obras medianas do experiente cineasta japonês. Inegavelmente singular, a produção peca ao depreender demasiado tempo em sequências de tiros ensurdecedores, numa conclusão rasa para uma narrativa que poderia mirar para outros alvos.

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