A Verdadeira Dor
Jesse Eisenberg
A Real Pain, EUA, 2024. Comédia/Drama. 1h24. Distribuição: Disney
Com Jesse Eisenberg, Kieran Culkin
Prêmios nos festivais de Sundance, Palm Springs, Globo de Ouro. Na última semana, duas indicações ao Oscar 2025. Tem sido bastante favorável a carreira de A Verdadeira Dor (2024) nesta temporada de condecorações cinematográficas. O longa de Jesse Eisenberg – segunda experiência do ator de 42 anos enquanto diretor – parece cativar público e crítica ao mesclar melancolia e tiradas cômicas para refletir sobre luto e traumas difíceis de desatar. Inegavelmente sensível, a tragicomédia pincela existencialismo e nonsense numa diretriz bem woodyalleniana, mas que se apequena ao incitar reflexões tão rasas quanto seus personagens principais.
Após a morte da avó, os primos David (Eisenberg) e Benji (Kieran Culkin) decidem homenageá-la: embarcam numa viagem à Polônia para conhecer o país de origem dos familiares judeus. A jornada íntima dos personagens é atravessada pelas chagas do holocausto; enquanto participam de um tour por Varsóvia e cidades contíguas, antigas tensões vêm à tona e a relação dos dois se desestabiliza. Essencial para o andamento da narrativa, a dinâmica entre os dois atores – alicerce de toda a obra – é edificada com desenvoltura pelo cineasta. Desde a primeira interação entre David e Benji, o espectador compreende a dessintonia entre ambos, ainda que haja muito afeto e pontos de convergência.
David é esquadrinhado como o pai de família afetuoso, mais retraído, repleto de inseguranças, sempre pisando em ovos. Por outro lado, Benji detém a instabilidade dos impulsivos; inteligente e sarcástico, apresenta uma postura dúbia que deixa o espectador na dúvida se ele está sendo sincero ou apenas representando. Indignado com as injustiças do mundo, ele problematiza, por exemplo, o fato de estarem todos viajando num trem de primeira classe, rumo ao campo de concentração de Majdanek, quando seus antepassados fizeram trajetos semelhantes jogados aos vagões, em circunstâncias absolutamente desumanas. Emocionalmente à flor da pele, Benji critica o primo por este “não sentir como antigamente” e ter perdido a sensibilidade de outrora – “você chorava tanto!”, lamenta com saudosismo.
Responsável pelo viés espirituoso – às vezes engraçado – do filme, o personagem de Kieran Culkin é o tipo de pessoa que confunde espontaneidade com falta de respeito. Perdoem-me os fãs do personagem, mas arrotar alto na mesa enquanto janta em um restaurante não é nada subversivo; o comportamento “anti-etiqueta social” é imaturo, grosseiro. Ao descrevê-lo como descolado e charmoso, o roteiro de A Verdadeira Dor deliberadamente força o fascínio pelo sujeito, numa tentativa talvez de emular o espírito livre e problemático de um Dean Moriarty, o magnético amigo de Sal Paradise em On The Road – Pé na Estrada, de Jack Kerouac. O resultado é lastimável, pois mesmo com a ótima performance de Culkin, o personagem em questão é bobo, fastidioso.
Quando inserta discussões sobre saúde mental, o filme de Jesse Eisenberg beira o desserviço. Ao relembrar a tentativa de suicídio do primo, David questiona como Benji havia sido capaz de fazer algo desse tipo, uma perspectiva inacreditavelmente superficial acerca das complexidades que levam uma pessoa a querer desistir da própria vida. Talvez pelo forte vínculo à cultura judaica, a narrativa se deixe levar pelo olhar discriminatório tão arraigado em diferentes denominações religiosas. De qualquer forma, ao invés de complexificar a temática, Eisenberg prefere construir uma visão limitante para os seus personagens e, consequentemente, para o seu filme.
Por outro lado, é difícil não adorar a trilha sonora conduzida por clássicas peças em piano do divino Frédéric Chopin. Um dos artistas poloneses mais celebrados da história, Chopin também dá nome ao aeroporto de Varsóvia, local de encontro e despedida dos primos durante o filme. Outro ponto de destaque é a espécie de topografia que a câmera de Eisenberg realiza nas cidades visitadas (similar ao que Woody Allen fez em Meia Noite em Paris e Para Roma, Com Amor, este último uma das colaborações de Jesse Eisenberg com o longevo diretor norte-americano).
Interessante retrato da relação familiar assombrada pelas cicatrizes do genocídio dos judeus, A Verdadeira Dor me envolveu até a segunda página, por assim dizer. Beneficiado pela robusta atuação de Kieran Culkin, o longa, infelizmente, se encolhe ao decorrer da projeção, diante de diálogos e acontecimentos insignificantes que acreditam dizer algo maior, bem maior do que realmente dizem.
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