Rotting In the Sun
Sebastián Silva
EUA, 2023, 1h43
Com Sebastián Silva, Pedro Peirano
Rotting in the Sun (Apodrecendo no Sol) é um filme interessante. Seu enredo tem como protagonistas centrais três personagens: um artista multimídia depressivo, um influenciador digital aloprado e uma senhora suburbana de meia idade que trabalha como faxineira no edifício onde o artista tem seu ateliê. No início da trama o cruzamento dessas criaturas parece não ser nada demais, servindo apenas para gerar risadas e estranhamentos no espectador. Com o decorrer da narrativa, todavia, o que parecia ser uma comédia irreverente e amalucada se transforma numa inusitada mistura de suspense policial e comédia de horror com desfecho imprevisível.
O filme, dirigido e escrito pelo chileno Sebastián Silva, foi exibido no Festival de Sundance onde recebeu muitos elogios e ganhou o prêmio do júri no Outfest, uma prestigiada mostra americana dedicada ao cinema queer. Ele agora estreou na plataforma de streaming MUBI e vem despertando a curiosidade, sobretudo, pelas cenas de nudez e sexo explícito mostradas sem o menor recato.
O desfile de pênis em diversos estágios de animação e de corpos masculinos nus flagrados em plena gandaia, no entanto, está longe de ser algo gratuito e de soar como um elemento meramente pornográfico. Essas imagens, simplesmente, estão no contexto da trama, pois ela tem como ponto de partida o fato de Sebastián, por estar vivendo uma crise criativa e obcecado por ideias de suicídio, seguir o conselho de um amigo para passar um fim de semana numa praia de nudismo frequentada por gays que vão para lá em busca de aventuras sexuais.
A diferença entre Rotting in the Sun e outros filmes onde o erotismo é um elemento inerente ao que está sendo contado é que a direção encarou os atos sexuais como algo natural no universo da obra, ou seja, não ficou com falsos pudores ou fingindo que isso não existe para não melindrar esse pessoal que se choca com tudo. Inclusive, as cenas de sexo que acontecem na praia não foram encenadas. Elas são protagonizadas por frequentadores que concordaram em serem filmados enquanto faziam pegação ou transavam.
E essa escolha se torna ainda mais legítima quando Jordan Firstman, o influenciador digital, entra em cena. Ao conhecer Sebastián, Jordan se declara apaixonado por e passa a persegui-lo, criando imediatamente uma narrativa para seus seguidores da internet a partir de imagens que faz com seu smartphone. O rapaz, nada mais é do que a representação do que existe de mais usual no mundo contemporâneo das redes sociais, onde exibir-se e conquistar qualquer tipo de fama, sem se importar como, para muita gente, é a coisa mais relevante que existe.
A princípio, Sebastián recusa o assédio de Jordan e reclama das postagens feitas pelo influenciador, pois até um vídeo dele cheirando cocaína vai parar no Instagram. Mas, depois de certo tempo, ele acaba cedendo às investidas pela possibilidade de criar um programa para uma rede de televisão baseado nessa sua experiência. Sob esse pretexto, Sebastián convida Jordan para ir passar uns dias no seu ateliê na Cidade do México. Quando o rapaz chega, no entanto, ele só encontra Vero, a faxineira. A procura pelo artista desaparecido e a suspeita de que Vero está envolvida no sumiço assinalam a virada da trama, cujos desdobramentos não podem ser contados para não virar spoiler.
Uma das coisas bacanas de Rotting in the Sun, além da forma despojada com que o sexo é tratado, é a diversidade de jogos dramatúrgicos que ele evoca. O primeiro é o fato do diretor Sebastián Silva interpretar ele próprio, assim como o influenciador, que se chama mesmo Jordan Firstman e tem o mesmo perfil nas redes sociais mostrado no filme. Junte-se a isso a forma como a câmera se movimenta em locações reais, como se fosse um smartphone flagrando tudo o que acontece ao seu redor, algo que realmente é vivenciado pelo personagem do influenciador e que aproxima o filme ao modo como hoje acessamos a realidade de maneira fragmentas e caótica.
Uma outra sacada do roteiro é a construção da personagem Veronica, vivida pela atriz Catalina Saavedra. Nas primeiras sequencias ela parece ser apenas uma mulher tímida e meio desastrada, mas na medida que a história avança seu protagonismo cresce e estabelece uma curiosa relação com o enredo. A compreensão dos seus movimentos e atitudes vai sendo montada a partir do conhecimento do seu universo suburbano que, à primeira vista, parece puro e ingênuo, mas é tão complexo quanto o espaço onde os descolados circulam.
Portanto, prepare-se. Se você foi atraído pelo filme pelas histórias picantes que fizeram sua fama, logo vai se dar conta que as cenas quentes são até interessantes, mas são apenas pano de fundo para uma obra muito legal que nos leva a refletir sobre o mundo contemporâneo de uma forma divertida e inteligente.
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Consuella, o filme que lançamos em 2023
2023 foi bem especial pra gente! Lançamos o curta Consuella, dirigido por Alexandre Figueirôa, editor-executivo da Revista O Grito!. O filme resgata a história de uma importante personalidade artística do Recife, que viveu seu auge nos anos 1970-80 e que abriu portas para diferentes artistas LGBTQIA+. O curta percorreu o circuito de festivais e teve uma première concorrida no Teatro do Parque, com a presença de pessoas que conviveram com Consuella, além da equipe que produziu a obra. Trata-se de uma importante memória da excelência trans, de alguém que ousou peitar as convenções tradicionais e conservadoras de sua época.