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“Nadando no Escuro” evidencia o amor romântico para falar da repressão gay na Polônia comunista

Estreia do autor Tomaz Jedrowski trata de perseguição e opressão aos LGBTQIA+, mas opta por trabalhar o amor e compaixão como forma de curar feridas

Nadando no Escuro
Tomaz Jedrowski
Astral Cultural, 240 páginas, 2024, R$ 59,90
Tradução: Luiza Marcondes


Histórias de amor são histórias de amor. Tem que ter paixões avassaladoras, separações, reconciliações, ciúme, risos, lágrimas e finais… bem… às vezes, felizes e, às vezes, tristes. Nadando no Escuro, de Tomaz Jedrowski, é uma delas. Ambientada na Polônia, nas décadas de 1970 e 1980, ainda nos anos em que o país tinha o comunismo como forma de governo, ela traz a história de Ludwik, um jovem estudante que se apaixona perdidamente por outro jovem, Janusz, e vai enfrentar os dilemas e agruras de uma relação que não podia ganhar a luz do dia. 

Nadando no Escuro é um livro de formação. Tem início quando Ludwik descobre seu interesse por meninos ainda em idade escolar e passa a esconder seus sentimentos e desejos. Anos depois, ao conhecer Janusz e viver intensamente essa relação, ele mergulha em um mundo ao qual sempre relutou pertencer, mas finalmente acredita estar feliz com sua condição de homem gay, embora só seu amante dela compartilhe. A realidade do entorno em que vivem, no entanto, vai interferir na conduta de ambos e Ludwik descobre que só o amor não é o suficiente para que eles possam seguir juntos.

À primeira vista, o romance de Jedrowski, soa datado se o compararmos com obras contemporâneas com personagens LGBTQIA+.  Afinal, as questões que emergem na sua trama – principalmente relacionadas a autocensura e o preconceito – nos dias de hoje são encaradas em outra chave. Ou seja, temas como esses, mesmo em obras ficcionais, se pautam muito mais por abordagens afirmativas pela igualdade social, aumento da representatividade e conscientização contra homofobia do que pelo ressentimento.

nadando

Todavia, se encararmos a validade de Nadando no Escuro pelo fundo histórico que ele apresenta iremos absorver melhor a narrativa de Jedrowski. Basta lembrarmos que a Polônia foi fustigada no século 20 por eventos traumáticos e situações opressivas como a invasão alemã nazista na Segunda Guerra Mundial e o posterior alinhamento com a União Soviética, com o país integrando os países da então Cortina de Ferro. E, hoje, mesmo em um contexto bem diferente, com um regime republicano democrático vigente, há retrocessos, medo, ignorância e violência contra a comunidade LGBTQIA+.

Não podemos esquecer também que a sociedade polonesa desde sempre foi dominada pelo catolicismo e, mesmo durante o regime marxista-leninista do pós-guerra, a Igreja Católica permaneceu influente, reforçando o seu conservadorismo. Dessa forma, apesar de um governo socialista, a perseguição a população LGBTQIA+ era presente e ser abertamente gay era um risco. E é nesse ambiente sombrio, de liberdade cerceada e de crise política e econômica que a trama de Nadando no Escuro se desenrola. 

Esta é a primeira novela de Tomasz Jedrowski, autor nascido na Alemanha, filho de pais poloneses e com formação acadêmica pelas universidades de Cambridge e Paris. Atualmente com 39 anos, Jedrowski, que morou em diversos países incluindo a Polônia, elegeu o amor como tema de sua primeira obra por acreditar, segundo suas próprias palavras, que escrever sobre o amor romântico ou a compaixão é uma forma de curar as feridas que esse sentimento provoca, seja ele oriundo das relações interpessoais ou sociais.

A narrativa elaborada pelo autor deixa clara essa escolha. Desde os primeiros parágrafos, ao adentrarmos no mundo do protagonista, não há dúvidas que os sentimentos que brotam do coração de Ludwik estão mesclados ao cenário social e político por onde ele circula. E é esse mundo hostil e repressivo que vai afetando suas escolhas, decisões e formas de amar. 

Lendo Nadando no Escuro salta aos olhos como a repressão, o medo de ser descoberto, julgado e excluído impunha aos gays poloneses um estado permanente de vigilância interna que, em geral, transformava-se em vergonha e tendência ao auto-desprezo e autocensura.  Sabendo que a Polônia ainda conserva muito desse passado traumático em suas entranhas, não é difícil imaginar que mesmo as gerações recentes ainda temam uma exposição mais franca de seus desejos, o que talvez, acabe dando ao livro de Jedrowski um sentido político. Isto é, revisitar um passado triste e sofrido para se evitar que a ele se retorne.

À parte essas implicações sociopolíticas, a maneira como a trama é desenvolvida e a forma de contá-la revela um autor sensível capaz de nos envolver e nos contagiar ao desenhar seu personagem, um jovem delicado e angustiado diante da impossibilidade de expressar os seus anseios. Uma das fontes de inspiração para a novela é o livro O Quarto de Giovanni, do escritor gay estadunidense James Baldwin. A obra de Baldwin tem, inclusive, uma presença relevante na composição do jovem Ludwik. E esta boa companhia literária é mais um motivo para sugerirmos a leitura de Nadando no Escuro.

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