Marcelo Pedroso lança nova versão de documentário sobre o Batalhão de Choque: “O filme nasce da improbabilidade”

Longa ganha nova montagem após ter sido retirado de circulação pela equipe realizadora em 2017, quando estreou nos festivais de cinema de Cachoeira (BA) e Brasília (DF)

Still Por tras da linha de escudos Credito Reproducao Simio Filmes e Vilarejo Filmes
O longa-metragem foi filmado entre agosto e setembro de 2016 dentro do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco. (Foto: Divulgação/Símio Filmes e Vilarejo Filmes).

“A minha sensação é de que esse período, que começa agora em 2023, é muito oportuno para que a sociedade brasileira tenha um debate efetivo e socialmente responsável sobre segurança pública. Um debate que seja movido por uma ética de responsabilidade social e não por afetos revanchistas ou de justiçamento que pregam o aniquilamento do outro e a privação de direitos. Então, eu acho que o atual governo tem a responsabilidade histórica de encampar esse debate.”

A fala acima é do cineasta pernambucano Marcelo Pedroso. Ele estreia no circuito comercial o documentário Por Trás da Linha de Escudos, longa-metragem que debate a segurança pública no Brasil sob a ótica da desmilitarização da polícia. A produção está em cartaz no Cinema Dragão do Mar, em Fortaleza, e no Cinema da Fundação Joaquim Nabuco, em Recife, desde quinta-feira (29).

Gravado de dentro do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco, o filme fornece registros do interior da corporação e revela como a doutrina militar é capaz de atuar no cerceamento do senso crítico e até mesmo da empatia entre seus integrantes. No entanto, a versão que chega às salas hoje é um relançamento, com uma nova montagem, diferente da edição original.

Lançado em 2017, nos festivais de cinema de Cachoeira (BA) e Brasília (DF), o documentário não foi bem recebido pelo público na época, o que levou a equipe realizadora a retirar o título de circulação. “Diante do momento histórico que estávamos vivendo, nos pareceu impossível continuar veiculando aquele filme”, anuncia o diretor e roteirista em narração no início da versão inédita, trabalhada nos últimos anos.

“Eu sentia que as críticas à primeira versão apontavam para uma certa sensação de ambiguidade que o filme trazia, onde o gesto crítico dele não era notado. A partir disso, eu fui levado a reconsiderar a estrutura narrativa para instituir um ponto de vista meu que fosse mais demarcado”, confessou Pedroso em entrevista à Revista O Grito!.

Segundo o cineasta, o trabalho de reavaliação da montagem, empenhado por ele ao lado da produtora Livia de Melo e do montador Ernesto de Carvalho, ao passo que oferece uma perspectiva crítica mais incisiva, também preserva a possibilidade de algum diálogo e interlocução com os policiais retratados no longa.

“Era importante que a gente pudesse continuar ecoando, ou vir a ecoar, [a crítica] junto aos policiais, no sentido de interpelá-los, de fazê-los refletir sobre o lugar deles a partir do nosso ponto de vista sobre eles também, mas não um ponto de vista acusatório que os faça se blindar à crítica e sim algo que os provoque no sentido de pensar o seu próprio lugar e sua participação nessa engrenagem social toda”, contou.

Por Trás da Linha de Escudos apresenta como ponto de partida a violenta repressão da PM de Pernambuco contra os manifestantes do Ocupe Estelita durante a reintegração de posse do terreno em 2014. Naquela ocasião, os ativistas do direito à cidade ocupavam o espaço em oposição ao Novo Recife, projeto imobiliário liderado por consorcio de empreiteiras, cuja aquisição do terreno foi posteriormente comprovada fraudulenta.

Por ser um dos militantes da causa, Pedroso relata que encontrou dificuldades para acessar os policiais durante a condução das entrevistas, uma vez que persistia o clima de desconfiança. “Havia um desconforto da parte deles em relação à nossa presença e isso nos colocava numa situação de negociação permanente sobre o que dizer, como dizer, como se relacionar com eles”, revelou ele, que filmou entre agosto e setembro de 2016.

“Então, foi um momento de muita dificuldade desse plano de conseguir estabelecer e preservar essa relação. Foi algo que demandou um estado de espírito da gente, que teve que mobilizar para estar ali, e deles para acabar aceitando a gente. Então, é dessa improbabilidade que nasce o filme”, finalizou.

Na próxima quinta (6), o longa também deve chegar ao Centro Cultural Arte Pajuçara, em Maceió. Nesta sexta-feira (30), a equipe do filme participaria de uma sessão debate no Cinema da Fundaj, no Museu, com mediação do coordenador da sala Luiz Joaquim. No entanto, a exibição foi cancelada devido às fortes chuvas que atingem a capital pernambucana e realocada para este sábado (1º), às 17h50.