DOCE FELINA DO FUNK
Prestes a sair em turnê pela Europa, Deize Tigrona retoma carreira, mas não perde a ternura
Por Lidianne Andrade
Para muitos ela é conhecida como a rainha do “esculhacho”. Fala o que quer e com muita autonomia, sem medo de ser criticada, assim simples, do seu jeitinho. Sem pudor de falar de tudo o que acha “legal”, “divertido”, a ex-empregada doméstica Deize Tigrona, de 28 anos, esposa, mãe e funkeira assumida, está partindo para novos ares este ano: carreira internacional, na Europa, com direito a turnê e tudo. Leva na mala a persona doce que se esconde atrás das batidas e da presença de palco.
A percussora do estilo funk sensual não foi ela, mas Deize seguiu a risca. Tudo começou com Tati Quebra-Barraco, nome recorrente quando se fala do boom que o funk carioca teve no início da década. Tati protagonizou um polêmico episódio quando esteve no Recife, em 2005. Em um programa ao vivo da TV Tribuna, a funkeira deixou o palco porque tinha sido chamada “apenas para cantar duas músicas”, e a próxima já seria a terceira. Episódios como esses nunca seriam vivenciados por Deize Tigrona. Humilde, Deize entende que faz música do público para o público, lembra o tempo todo de sua origem e sabe que as pessoas que lotam seus shows vieram também “de baixo”, como ela. “Faço música para divertir a galera, para o povão como eu, que curte um baile funk no fim de semana depois de ralar o dia todo”, comenta.
O funk sensual começou como brincadeira. Mulheres que curtiam o estilo, freqüentavam os bailes e conviviam diariamente com letras como as do rapper MV Bill, começaram a participar dos duelos de rimas. “A gente subia no palco para tirar onda e falar o contrário daquelas letras falando de mulher, começou assim, brincando”, conta Deize. A brincadeira ficou cada vez mais freqüente e hoje, com mais de três shows por semana, Deize Tigrona deixou de brincar de fazer rima. O impulso para se tornar uma profissional ficou por conta de uns olheiros como seu padrinho de sucesso, DJ Malboro, que enxergou na moça uma carreira promissora e tratou de mostrá-la ao mundo. Na maré alta do funk, chegou a fazer sete shows por semana e não parava de freqüentar programas de TV. Em uma rápida busca na internet, nota-se a citação à cantora em mais de 50 jornais em 2006.
Nem de longe ficou a sombra da empregada doméstica no bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro e moradora da Cidade de Deus que “ralava” oito horas por dia para ganhar um salário mínimo. Hoje, o cachê rasteja pelos R$ 5.000. “Era difícil, ralava muito para sustentar minha família e ajudar todo mundo, agora posso fazer isso e agradeço a Deus”, fala Deize. Totalmente desengonçada e despida de timidez, é difícil achar nela um pouco dos tempos difíceis e sem escolaridade. Por sinal, estudou muito pouco, mal terminou o ensino fundamental, mas ainda pretende voltar aos estudos. Conta ler Jorge Amado, escritor de cabeceira. Fala muito bem e sempre muito atenciosa, atributo ganho nas diversas viagens para o exterior. Londres, Alemanha e Paris foram lugares onde a cantora se apresentou, e para onde volta em maio, para shows pela Europa, numa turnê que ainda incluirá países de língua alemã e Portugal. Sobre o sucesso, a cantora comenta: “gringo gosta de novidade, estilo novo, e eu dou isso a eles”.
“Tá ardendo mas tô agüentando”: Hit “Injenção” revelou Deize ao mundo
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Diário de rimas
O estilo da rima de Deize merece uma olhadinha cautelosa. Alvo das criticas, suas rimas foram muito comentadas pelo estilo escrachado. A resposta é a mesma proferida por qualquer “rimador” dos bailes funks cariocas: retratam a realidade, com muita simplicidade e sem nenhum pudor. “Injeção”, seu primeiro e maior sucesso, foi alvo em massa das críticas musicais no lançamento. “Quando eu vô ao médico, sinto uma dor, quer me dar injeção, olha o papo do doutor! / Tá ardendo mas tô agüentando, arranhando mais tô aguentando”, diz a letra. “Injeção” fala do período de sua gravidez, quando precisava tomar injeções anti-tetânica todos os dias.
As inspirações de Tigrona vem de todo lugar. Casa, comida, tudo pode virar rima e matéria para música. Como ela soube que sabia rimar? “Com 12 anos, depois de limpar a casa da patroa, ia pra cama escrever no meu diário, e tudo saía em rima”, explica. Seus sucessos já rodaram o mundo na voz da cantora M.I.A., que mexeu um pouquinho no refrão e fez de “Injeção” o hit “Bucky Done Gun”, (do disco Arular). Já dividiu até o palco com a rapper internacinal no Tim Festival, em 2005. Mesmo sem pudor, fez participações ilustres como no Skol Beats, em 2007, onde, mesmo com apenas 30 minutos de apresentação, discursou vastamente sobre sexo, falou abertamente sobre os órgãos masculino e feminino e ainda encontrou tempo para criticar o presidente.
A comparação entre Tati Quebra-Barraco e Deize Tigrona é inevitável. As duas são até protagonistas do mesmo documentário, o Sou Feia Mas Tô na Moda, da diretora Denise Garcia, exibido até mesmo pela rede árabe Al Jazeera. Por aqui, esteve presente na programação da Expectativa 2006, do Cinema da Fundação Joaquim Nabuco. Fora dos palcos as personalidades se chocam. Deize é conhecida pela simpatia e amizade, sem nunca negar-se a dar entrevista.
Hoje com sucesso e dinheiro no bolso, Deize apenas comemora e espalha os lucros, que atingiram até o marido, ex-motoboy e porteiro e atualmente o DJ de Deise. Infelizmente, a fama trouxe sacrifícios para a MC, como a filha de cinco anos que vive com os avós paternos. A filha, aliás, acompanhou sua carreira desde o início, já que com nove meses de gravidez, Deize ainda cantava nos bailes. Para ela, a volta pra casa é a melhor parte da turnê. Com oito irmãos, dois em orfanatos, não conheceu os pais e por isso valoriza muito a família. Sempre que pode volta pra casa para curtir o trio (o marido e a filha). Quando questionada se o dinheiro mudou sua vida: “O dinheiro compra um bom carro, uma boa casa. Para aquelas mulheres que não são casadas e querem um homem daquele tipo, compra um homem e vice-versa, né? Compra tudo”, declarou. Pelo menos Deize comprou tudo o que queria.
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