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Foto: Catalina Bartolome/Divulgação.

Camila Sosa Villada entrelaça identidade e laços familiares em “Tese Sobre Uma Domesticação”

Baseado na dualidade de ocultação e revelação, novo livro da autora argentina discute novas configurações de família em uma narrativa pouco convencional

Tese Sobre Uma Domesticação
Camila Sosa Villada
Companhia das Letras, 239 páginas, 2024. R$ 54,75
Tradução de Silvia Massimini Félix


“Meu primeiro ato de travestismo foi pela escrita”. É como Camila Sosa Villada, em entrevista para Adriana Ferreira Silva, compara a profunda relação que tem com a escrita e o início da sua transição; longe dos olhos vigilantes dos pais, escondida em seu quarto ou escapando pela janela à noite. Essa dualidade de ocultação e revelação, de viver várias camadas de identidade, é um dos pilares que sustentam sua obra mais recente.

No romance Tese Sobre Uma Domesticação, Camila continua a expandir os limites da narrativa tradicional, explorando temas de identidade, marginalização e os complexos laços familiares. A obra, que marca a estreia da autora argentina pela Companhia das Letras, reafirma seu talento em contar histórias que desafiam as expectativas.

O livro apresenta a vida de uma atriz de teatro, envolvida na montagem de A Voz Humana, de Jean Cocteau. Essa peça — inclusive adaptada recentemente para o cinema por Pedro Almodóvar — é o projeto de vida pessoal da protagonista trans, que se entrelaça com os desafios de um casamento não convencional com um homem gay e a adoção de uma criança soropositiva.

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Camila monta a estrutura dessa história a partir do presente e do passado em uma sutileza de coisas não-ditas. A princípio, o que poderia ser apenas uma nova configuração de família — e, de fato é —, a autora subverte e mostra que “todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira”, como na frase que abre Anna Karenina, de Tolstói. Afinal, família é família, e fica evidente que, no fundo, todo mundo compartilha das mesmas experiências quando o assunto é esse.

A relação da protagonista com seus pais é especialmente delicada, já que cada um deles tem um capítulo próprio. Em Monólogo da mãe, ela diz, “Eu, que nunca soube amá-la, sabia que ela se normalizava para tranquilizar seu pai e a mim. […] Nunca soube que tipo de amor eu deveria dar a ela. Nunca pude com seu corpo”. As palavras da mãe, marcadas pela ambivalência e pelo esforço contínuo de compreensão e aceitação, destacam um dos momentos mais poderosos do livro, afinal, até que ponto é possível domesticar um corpo?

Um dos aspectos curiosos do livro é a narração. A narrativa em terceira pessoa, sem revelar os nomes dos personagens, é uma escolha ousada que acentua a universalidade das experiências. É quase como uma peça teatral, onde diálogos rápidos e ação se alternam com questões mais profundas trazidas por essa voz de fora.

Camila Sosa Villada parece ainda mais madura do que nos livros que antecedem Tese sobre uma domesticação. Existe, na obra, uma voz mais firme, não que nos outros não tivesse, mas essa especificidade da narrativa que inquieta e incomoda em alguns momentos constrói um romance onde nada falta e tudo se encaixa perfeitamente. 

É completamente possível entender porque ela própria considera este seu melhor livro. Tese Sobre Uma Domesticação é uma obra imprevisivelmente profunda, onde a autora explora novas formas de pertencimento e reitera todo o reconhecimento que conquistou em O Parque das Irmãs Magníficas.

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