Resenha: Língua Franca traz Emicida, Rael, Capicua e Valete na união de rimas Brasil-Portugal

Língua Franca
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Isolados, mas unidos historicamente, realidades lusófonas se unem em disco de rap de diferentes sotaques, mas mesmo objetivo

O disco Língua Franca mostra o quanto o Brasil é um país isolado, seja em nossas raízes lusitanas e africanas, seja em relação aos nossos vizinhos latinos com os quais compartilhamos lutas e exploração. Praticamente não conhecemos a música pop de Portugal (a África, então, nem se fala), mesmo compartilhando o mesmo idioma. O novo projeto de Emicida, Rael e os portugueses Capicua e Valete, quer mudar isso.

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Língua Franca é um disco que mostra as diferenças e semelhanças compartilhadas entre o hip hop feito aqui no Brasil e em Portugal. A produção é de Kassin, Fred Ferreira e NAVE Beatz. Nas rimas podemos ver que as histórias mais aproximam que afastam esses rappers, ainda que as realidades de cada um tenham suas particularidades. O verso de Rael em “Vivendo com a Morte”, “Parece que a morte gosta mais de preto e de favela”, vale para São Paulo e para a perifa de Lisboa.

Emicida e Rael chegam de discos aclamados e são hoje parte da mais prolífica e famosa geração de rappers que o Brasil produziu. Do outro lado do Atlântico, Capicua e Valete estão em momento de ascenção na carreira. A primeira tem três discos oficiais lançados após vários mixtapes e tem cantado para públicos cada vez maiores. É interessante conhecer Mão Verde, de 2016, seu melhor trabalho. Valete é lenda do rap em Portugal com discos como Educação Visual (2002). Agora tem sido redescoberto, via streaming, e este ano lançou o single “Rap Consciente”.

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O álbum não chega ao melhor de nenhum dos rappers isoladamente, mas o trabalho de unificação que promovem é importantíssimo para o movimento hip hop lusófono. O momento é de união frente a uma alienação histórica que, sabemos, atende a interesses do capital. Mas o caminho é longo. O disco traz como temas a exploração do trabalhador e a batalha que é nascer em um mundo sem oportunidades. “A Chapa é Quente” é a melhor faixa dessa união por reunir ideias compartilhadas pelos quatro (ainda que seja cantada por Emicida e Rael, apenas). “Gênios Invisíveis” traz rimas dos quatro rappers, o mesmo tema, mas um tom de esperança. No bojo de referências estão o funk brasileiro, o soul, mas também os cantos africanos.

Há também uma atenção à importância de discutir questões do feminino no rap, como em “AFROdite” e “Ela”, que tinha sido lançado como single.

Com um tom que clama por uma unificação, solidariedade e senso de comunidade, Língua Franca não se furta em falar de política e fazer críticas sociais. É um trabalho forte que vai de encontro a um paradigma histórico de isolamento.

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