A arte de rua dos anos 2000 ganha os merecidos holofotes no novo livro do jornalista e editor Luiz Navarro. Em Pele de Propaganda, ele analisou a produção de lambes (cartazes) e adesivos (os chamados stickers) de Belo Horizonte.
Derivados da linguagem do grafite, lambes e stickers são suportes em papel de tamanhos variados, cartazes afixados com grude ou adesivos autocolantes feitos para serem espalhados pela rua, em muros ou mobiliários urbanos. Assim como outras metrópoles globais, Belo Horizonte viveu uma intensificação dessa prática na primeira década dos anos 2000. Navarro, coeditor da revista “A Zica”, também atuou como artista neste período. Sob a alcunha de Culundria Armada, ao lado de João Perdigão, ele colou lambes e stickers na capital mineira nesse período
Foi essa experiência pessoal que o levou a documentar e estudar essa produção. Ele entrou reuniu todo o material em Pele de Propaganda: Lambes e Stickers em Belo Horizonte [2000-2010]. O livro será lançado em 7 de abril, quinta-feira, às 20h30, no Sesc Palladium (avenida Augusto de Lima, 420, centro), em Belo Horizonte. O lançamento será precedido de um bate-papo, a partir das 19h, com a participação do autor e dos artistas Comum, Davaca, Desali e Xerelll, quatro dos criadores relacionados na obra. O evento tem entrada gratuita e exemplares estarão à venda por R$20 cada – disponíveis também por meio do site, a partir de 8 de abril.
Uma cidade oculta
Pele de Propaganda é resultado da pesquisa desenvolvida por Navarro para a especialização em Artes Plásticas e Contemporaneidade da Escola Guignard da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), com orientação da professora, arquiteta e artista plástica Louise Ganz.
O prefácio é da professora associada da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na área de Artes Maria Angélica Melendi, que situa a prática como uma manifestação local, mas em sintonia com o que era realizado em outros países: “Uma cidade oculta dentro da cidade modernista proliferava em stickers, lambes, grafites e outras produções imagéticas que se disseminavam sobre os muros, os viadutos, as placas de trânsito, o mobiliário urbano e exibiam uma identidade cultural singular que surgira de maneira espontânea, radical e potente, mas, sobretudo, em diálogo com as cidades do continente sul-americano”.
O livro organiza-se em duas partes: uma análise no contexto da teoria e da história da arte e um glossário com termos e conceitos, técnicas e procedimentos, relação dos principais artistas e grupos, espaços, fatos e eventos que tiveram importância simbólica. Estão lá locais como o Ystilingue, espaço autônomo no edifício Maletta que reunia diferentes grupos de discussão, ao lado de ações como o happening Vacas Magras – paródia da Cow Parade.
A obra é ilustrada por fotografias feitas pelos próprios artistas, a maioria disponibilizada em sites como Flickr e Fotolog, este recentemente desativado, plataformas utilizadas para divulgarem seu trabalho e conhecerem seus pares. “O livro surge como uma possibilidade de valorizar, difundir e dar alguns parâmetros para o conhecimento dessa produção que, apesar de efêmera por essência e muitas vezes anônima, não precisa e não deve ser esquecida”, diz o autor.
Além da efemeridade – diante da ação do tempo, da publicidade e de pessoas que podem rasgar ou cobrir lambes e stickers – e do anonimato – na recusa em assinar os trabalhos, outra característica criativa apontada e analisada por Navarro é a experiência enquanto criação, considerando-se o desafio de encarar o agressivo ambiente público da cidade como uma ação performática e corporal, seja de artistas ou de passantes.
O autor também destaca duas características socioculturais: o uso das novas mídias e da internet e a formação de uma identidade cultural jovem, urbana e idealista, fazendo do livro também um pequeno manual para quem queira se iniciar em ou se inteirar dessa prática, como professores.
Navarro ainda aproxima os lambes e stickers belo-horizontinos da década de 2000 a referências que abrangem Dadaísmo, Pop Art, Novo Realismo, Fluxus; os artistas brasileiros Flávio de Carvalho (1899-1973), Hélio Oiticica (1937-1980) e o luso-brasileiro Artur Barrio (1945-); a arte pública do escultor norte-americano Richard Serra (1939-); o conceito de arte contextual do crítico francês Paul Ardenne (1956-); e a arte política, tanto na noção de desestetização do crítico norte-americano Harold Rosenberg (1906-1978), quanto no Situacionismo de pensadores como o francês Guy Debord (1931-1994). “Hoje, os artistas de rua nem sempre têm consciência de como seu processo criativo pode estar relacionado com estilos e processos já há muito explorados na história da arte. Mesmo assim, é fácil perceber como percorrem processos e conceitos semelhantes, muitas vezes potencializando-os, mesmo que por outros caminhos e suportes”, conclui o autor.
O livro, na íntegra, estará disponível on-line a partir de 8 de abril, no site www.peledepropaganda.com.br.
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