desculpas não aceitas
Por Joana Coccarelli
freqüentemente vemos a culpa judaico-cristã permear o showbizz estadunidense, especialmente a música. em geral os homens se submetem a uma puxada de orelha no programa da oprah por ter abusado do sexo e das drogas – uma falta de dignidade ainda pior do que ter comido milhões de groupies ou injetado seis seringas ao mesmo tempo. é sofrível. mas ainda assim não me provoca tanta vergonha alheia como o que as cantoras fazem, que normalmente é gravar uma música se desculpando por ter agido mal e explicando como agora ela é uma mulher mais forte e transformada.
o mais clássico exemplo é mad.onna em drowned world (substitute for love). após uma década e meia de escândalos – muitos dos quais influenciaram maravilhosamente as mulheres e a cultura pop – uma mad.onna então mãe e amante da espiritualidade hindu (ela ainda não conhecia a cabala) canta:
i traded fame for love/ without a second thought/ it all became a silly game/ some things cannot be bought/ i got exactly what i asked for/ wanted it so badly/ running, rushing back for more/ i suffered fools so gladly/ and now i find/ i´ve changed my mind
não entendo a redenção que existe em flagelar-se publicamente. e, no caso de mad.onna, acho ainda pior porque, passada a fase “ray of light”, ela ressurge irreverente como sempre em “music”, seguido de episódios verdadeiramente humilhantes como beijar britney spears na boca em apresentação ao vivo. de modo que soma-se ao constrangimento um punhado de transgressões mal-feitas, hipocrisia, e eu fico muito, muito confusa.
é mais ou menos como o duplo choque que seria se dercy gonçalves virasse crente e, meses depois, pagasse novo peitinho na sapucaí.
mas na maior parte das vezes as cantoras se endireitam (o que equivale a perder toda a potência artística) e assim permanecem. foi o caso da hoje semi-gospel mary j. blige e trata-se da atual campanha de ressurgimento da musa da crackolândia withney houston na faixa i didn´t know my own strength.
estou sensível à necessidade que temos de nos expressar acerca das mancadas que damos. o que me frustra em mad.onna é que, antes de drowned world, ela na verdade estava sendo brilhante; e o que me aniquila em relação a todas as outras é que música de madalena arrependida e volta por cima é muito vergonha alheia! não é a mesma coisa que escrever uma crônica ou fazer um filme. é um pedido de desculpas direto, íntimo e pessoal para pessoas que estão afim de dançar! e que fica muito pior com performance diva, bate-cabelo e vozeirão cheio de falsete.
artistas não deveriam se retratar sobre nada, muito menos sobre a vida pessoal. artistas são arteiros; retratação, só dos paparazzi! e aqui, quem diria, britney sai vitoriosa: depois da série de baixarias dignas de vera fisher, seu come back atende pelo debochado título “circus”, cuja faixa kill the lights deixa claro que ela não deve nada a seu público:
mr. photographer/ i think i’m ready for my close-up (tonight)/ make sure you catch me from my good side (pick one!)/ these other (ha!) just wanna be me/ is that money in your pocket?/ or you happy to see me?
fuck the world!