Resenha: Migos celebra a vitória pelo poder e dinheiro no celebrado “Culture”

culture

Ao aceitar o prêmio de melhor série de TV de comédia no Globo de Ouro por Atlanta o ator Donald Glover agradeceu o apoio da banda Migos, segundo ele, “os Beatles dessa geração”. Sem dúvida, o segundo trabalho do grupo, Culture, é de longe o mais aguardado disco de rap de 2017, mas o que os torna tão importantes na cena atual, tão diversa e inovadora como nunca antes?

Leia Mais
HQ épica sobre hip hop chega ao Brasil
Ghetto Brothers narra a gênese do hip hop através das gangues

Como outros rappers antes deles a banda de Atlanta Migos trouxe o discurso e estilo das ruas como matéria-prima para suas rimas. E como outros rappers desde o surgimento do gênero nos anos 1970 eles ocupam espaços privilegiados antes reservados aos brancos e usam isso como uma crítica ao sistema. A injustiça social, no caso deles e de muitos outros, é vencida com a mesma moeda de poder e dinheiro. A exuberância é uma provocação – como fizeram diversos outros rappers, de Notorious BIG a Dre, etc. Então, o que fez dos Migos o nome mais comentado no rap hoje a ponto de serem considerados um fenômeno cultural muito além do entorno do hip hop?

Cantando sobre traficantes, vida de luxo, distopias, mansões, Game Of Thrones e juventude Migos trazem um flow intenso, direto, consistente e que fazem dessa coleção de 12 músicas praticamente irrepreensíveis. Bem que todas poderiam virar single. Há Auto-Tune a rodo, além de muita repetição, firulas de produção e frases de efeito. A sonoridade é polirrítmica, nervosa e com bases funkeadas que tem apelo certeiro para festas (“Kelly Price” e “Brown Paper Bag” são os melhores exemplos). Temos aqui música pop pura e simples e uma ligação muito estreita com um público ávido pela exultação de quem venceu no jogo do capitalismo: viemos do nada e agora nadamos na porra de uma piscina de dólares.

Os Migos Quavo, Offset e Takeoff definitivamente estão colocando o rap do Sul dos EUA no mapa novamente, revitalizando uma tradição que tem nomes como Ludacris e Outkast. Mas estão na contramão de um rap mais inovador, em sua maioria vindo da costa leste, da Califórnia, com nomes como Kendrick Lamar, SchoolBoy Q, entre outros, que promovem uma fusão com o jazz e letras mais engajadas politicamente. Já o Migos, apesar do trap delicioso de ouvir, trazem letras que não escapam de uma misoginia aqui e ali, o que é uma pena.

Depois de Yung Rich Nation, um disco de estreia irregular, mas de singles viciantes, além de diversas mixtapes, Migos chegam mais consistentes para sua conquista de uma audiência pop bem heterogênea. A ambição deles já surte efeito: chegaram ao primeiro lugar da parada de discos e de singles com a ótima “Bad and Boujee”. Se se tornarão os Beatles de sua geração, ainda é cedo em dizer, mas esperamos que não demorem para soltar um clássico tipo Rubber Soul ou Sgt. Peppers logo. Como o fab four eles ainda estão curtindo a diletante fase da histeria, hype e hits.

migos23