Memórias de um Esclerosado
Rafael Corrêa e Thais Fernandes
Brasil, 1h12. Gênero: Documentário. Distribuição: Vulcana Cinema.
A curiosidade inerente ao raciocínio infantil é um tema peculiar. Um garoto pode atirar uma pedra em um sapo apenas por diversão, esmagando seu lado esquerdo e aguardando a aprovação dos amigos, sem qualquer motivação ou questionamento. Este ato, aparentemente pouco significativo, pode se transformar em uma lembrança persistente que persegue a consciência ao longo da vida. Uma visitação imaginária que reitera que, sim, aquilo aconteceu.
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Este sapo, singular em sua insignificância, desempenha um papel crucial no documentário Memórias de um Esclerosado. A obra explora a vida do cartunista Rafael Corrêa, diagnosticado com esclerose múltipla em 2010, e é dirigida por ele em parceria com Thais Fernandes.
Após uma introdução com imagens de arquivo, o documentário desenvolve uma visão íntima da rotina de Rafael, utilizando planos fechados que capturam os desafios diários. Observamos o cartunista enfrentando dificuldades para entrar no chuveiro, um espaço que futuramente será reformado, e esse momento nos convida a adentrar sua realidade. A narrativa não linear é enriquecida por antigas filmagens que evocam uma juventude vibrante e repleta de amigos, construindo um panorama de sua jornada.
Eu lido como se fosse um envelhecimento acelerado.
Longe de ser um lamento impregnado de angústia e arrependimentos, Memórias de um Esclerosado é, acima de tudo, humano e leve. Os momentos de introspecção são expressos através de animações e quadrinhos, uma forma de expressão escolhida pelo próprio Rafael. A montagem e a edição do documentário são extremamente eficazes. A harmonização do presente com vídeos antigos e obras humorísticas confere ao filme uma assinatura única, repleta de personalidade e carisma. O foco não está apenas nas dificuldades enfrentadas por Rafael, mas também em sua perspectiva sobre o mundo ao seu redor.
Memórias de um Esclerosado transcende a descrição da luta contra a esclerose múltipla, celebrando também a vida e a arte do artista. O documentário apresenta suas tirinhas e ilustrações, frequentemente inspiradas em sua infância e amigos dos anos 80, oferecendo um vislumbre de suas raízes criativas.
A mesclagem de sons com memórias é outro recurso habilmente utilizado no documentário. As animações e a narração desempenham um papel central na narrativa, oferecendo uma forma criativa de explorar os pensamentos e sentimentos de Rafael. A trilha sonora desempenha um papel crucial em estabelecer o ritmo e o tom do documentário. Em momentos de pesquisa sobre a doença, a música se torna intensa, sublinhando a intensidade e a urgência da situação. O uso do jogo de luz e sombras é outro aspecto visualmente marcante do longa.
Memórias de um Esclerosado é divertido, inteligente e criativo. A linguagem utilizada traz um caráter interessante e torna a narrativa dinâmica e curiosa. É um retrato íntimo e pessoal. No entanto, sabe bem como chegar próximo ao espectador e convidá-lo para refletir o caminho percorrido.
Confira o trailer: