Teatro do Parque, Recife (PE)
Quando o diretor do Animage, Antônio Gutierrez, e o curador Julio Cavani recomendaram logo na noite de abertura que os interessados na Mostra Erótica chegassem cedo ao Teatro do Parque para garantir os ingressos, houve quem achou que fosse exagero, um leve terrorismo psicológico para atiçar o público. Mas nem mesmo quem já sabia da demanda deixou de se surpreender com a fila que dava duas voltas no interior do cineteatro.
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A mais antecipada do festival, a seleção de curtas-metragens eróticos foi a atração principal da quinta-feira (5), última noite do Teatro do Parque no Animage – que continua normalmente no cinema da UFPE e na sala da Fundação Joaquim Nabuco do Derby. Marcada para começar às 21h, já se ouvia cinéfilos preocupados na bilheteria às 18h ao ver que seus ingressos eram referentes ao longa-metragem Os Demônios do Meu Avô (2022), estreia que antecedeu a mostra e acabou se beneficiando com a presença de um público maior.
O filme português iniciou a exibição sem grandes introduções, e os primeiros minutos já entregavam que esta era uma obra mais narrativa e menos experimental que os dois outros longas apresentados no festival até então. Conhecemos Rosa, uma profissional produtiva do ramo empresarial sobrevivendo ao cotidiano de metas e demandas, e dispondo do linguajar típico corporativo que incorpora expressões em inglês ao idioma nativo.
Após receber a notícia do falecimento de seu avô – com quem havia perdido a proximidade – Rosa tem uma crise de estresse que causa sua demissão. Repensando as escolhas que fez ao longo dos anos, ela retorna à casa do avô para se reconectar com suas origens, apenas para descobrir que herdou não somente suas terras, mas também os seus demônios – todas as pessoas da comunidade que ele feriu ao longo de sua extensa vida miserável, incluindo ele próprio, implorando por resoluções.
Em escolha audaciosa do diretor Nuno Beato, a animação 3D se transforma em stop-motion quando Rosa deixa para trás o mundo corporativo em busca de redescoberta na comunidade rural, e retoma o estilo anterior quando a protagonista é exposta a pessoas e elementos de sua antiga vida, uma perfeita harmonia entre estética, criatividade e narrativa – algo que os outros longas apresentados no festival nem sempre encontraram. Ainda assim, o stop-motion é a identidade predominante da obra, que criou toda a cidade, sua cultura e elementos místicos detalhadamente no estilo artístico determinado.
Com sua premissa em ação, era fácil demais para o filme cair nos clichês de histórias sobre os males da fixação pela produtividade profissional – o “final feliz” de Rosa poderia muito bem ser resumido em “deixou a vida para trás ao descobrir o amor pelo ruralismo”. Logo, chega a ser louvável a obra levar até o fim a ideia de que sua protagonista não quer abandonar a vida que construiu na cidade grande.
Sua jornada não ser sobre encontrar um novo lugar e se tornar uma outra pessoa para se livrar das garras do capitalismo, mas sobre corrigir erros e viver pelo que realmente importa dentro das nossas próprias realidades inescapáveis acaba sendo uma mensagem igualmente realista e idealista, otimista porém melancólica.
Mostra Erótica: Diversidade de toques e corpos
O retorno à sala do cineteatro foi carregado por um ar de impaciência, seja pela empolgação, pelo cansaço da enorme fila ou temor pelo passar da hora em plena quinta-feira. Mas apesar dos distantes comentários sobre a demora, a pontualidade da organização do Animage seguiu invicta.
O apagar das luzes foi precedido por uma breve introdução da curadora pernambucana Nara Aragão, que assina a seleção dos curtas eróticos, comentando que buscou trazer diversidade de expressões, corpos e histórias, numa celebração do sexo e sua multitude de compreensões.
Dezesseis curtas foram exibidos em sequência, um mais diferente que o anterior, seja em seus estilos artísticos, técnicas de animação e escolhas narrativas ou nos aspectos da relação entre corpo, toque, desejo e prazer que optaram por explorar.
O sul-coreano Eyes and Horns (2021), o alemão Fulfillmenot (2021), o taiwanês Adorable (2019) e os cinco capítulos do francês Les Garçons Bleus (2021) – cada um dedicado a uma figura masculina – navegaram pelos mistérios de corpo e gênero, seja revertendo à gênese artística e mitológica, reafirmando sua identidade e autoestima, ou se entregando à fluidez na busca pela compreensão – ou ausência dela. O francês utilizou de rotoscopia e realismo para documentar noções sólidas de masculinidade moderna, enquanto os demais apostaram no abstrato e na psicodelia para transpassar conflito e transformação.
O taiwanês Phinn-phang (2023), o francês Wet (2021), o britânico Clotilde (2023) e o alemão Pussy Love (2023) brincaram com as diferentes noções de prazer e fetiche. Os estilos de arte bem definidos agregam à imersão na experiência sensorial almejada. O primeiro traz linhas grossas e tons de cinza como se admitisse que sapatos e seus odores não são o estímulo sexual mais comum do mundo, apenas para contrastar com o inevitável psicodelismo. Já os demais apostam na fixação pelas diversas formas de corpos e seus toques como referência de prazer.
Os britânicos Come the Sun (2023) e Achilles (1995), o croata Y (2023), o franco-húngaro 27 (2023) apostaram no erotismo como fio condutor narrativo. Enquanto o primeiro desenvolveu um épico entre deuses que criam vida através do prazer e o segundo adaptou a tragédia grega de Aquiles e Pátroclo na Guerra de Tróia, os dois seguintes optaram por manter os pés no chão, e usaram da sexualidade como motor para auto-descoberta, maturidade e resolução.