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Mostra de stop-motion agradou a plateia. (Victor Jucá/Divulgação).

Animage 2023: stop-motions argentinos roubam holofote das marionetes biográficas de Katrin Rothe

Longa-metragem Johnny & Me e mostra argentina dividiram noite da última quarta (4) no Teatro do Parque

Os stop-motions tomaram conta do Teatro do Parque na noite da última quarta (4). A programação do 13º Animage uniu a estreia nacional do longa-metragem Johnny & Me e a exibição da mostra Argentina Our Fest para entregar ao público o mais próximo de uma experiência temática que um festival tão extenso e eclético consegue ter, e sem deixar a diversidade visual e narrativa de lado.

Como era de se esperar, o teatro não viu tanta movimentação em seu segundo dia comparado à noite de abertura. Uma programação nichada durante a semana útil nem sempre vai ser a mais procurada pelo público, ainda mais com a semana cheia de mostras e lançamentos para acompanhar. Ainda assim, um bom número de cinéfilos ocupou as poltronas para apreciar o trabalho dos argentinos na primeira hora da grade.

Cobertura Animage 2023
Noite de abertura traz retorno de Lula Gonzaga e estreia de Marão

O trabalho dos vizinhos latino-americanos veio parar no Recife com uma mostra dedicada a eles através de uma parceria do Animage com um festival argentino de nome semelhante: o Stop Motion Our Fest – sanando qualquer possível questionamento sobre a predominância desse estilo de animação entre os selecionados. A curadoria, por sinal, foi feita pela própria diretora do evento original, Paola Becco, à convite dos pernambucanos.

Ao longo de pouco menos de uma hora, seis obras foram projetadas na tela. O primeiro, Pasajero (2022), de Juan Pablo Zaramella, se utilizou de modelos e cenários feitos de papel para retratar a experiência universal do transporte público através de um homem sucumbindo à própria ansiedade ao interagir com pessoas que não dialogam com seus limites sociais, e os conflitos gerados da convivência no microcosmo criado no metrô.

Em seguida, Las Peripecias de Sir Percival (2022), do trio Becho Lo Bianco, Javier Mrad e Mariano Bergara, ressignificou utensílios e objetos cotidianos como um mundo e criaturas em uma narrativa de videogame centrada na figura do cavaleiro que empresta seu nome ao título. Sir Percival está focado em um único objetivo: destruir os itens do cenário e coletar moedas e troféus que o ajudem a “subir de nível” e melhorar seu equipamento, até que suas habilidades eventualmente o deixam na mão e ele se vê forçado a valorizar a fragilidade e o companheirismo.

Pisando no freio da hiperatividade, o diretor Agustín Touriño traz o melancólico e inusitadamente divertido Cucaracha (2020). O primeiro stop-motion mais “tradicional” no quesito modelagem se destaca justamente pelo design único com toque grotesco de seus personagens e na atmosfera de depressão proletária. A história acompanha Gregório e seu dia a dia miserável que consiste em escovar os dentes, ir e voltar da fábrica e ficar bêbado em frente à TV. Em meio à bagunça de seu apartamento, uma barata errante se torna seu bicho de estimação suscetível a treinamento.

As duas obras mais curtas da mostra – ambas com apenas quatro minutos – foram também as mais distintas. Pájaro (2023), de Carlos Montoya, se dedica mais a um conceito artístico do que à narrativa tradicional. A animação aplica as técnicas de stop-motion ao desenho 2D no papel. A temática de transformação é compreendida até mesmo pela arte, que brinca com as formas criadas pelo traço e o vazio encontrado entre cada risco para gerar novas formas. Em uma história sobre um homem que se torna um pássaro, o autor aproveita a ausência de um cenário concreto em sua tela para manipular a perspectiva e transpassar a libertação.

Tenemos Voz (2019), de Juan Manuel Costa, é mais videoclipe do que filme. Logo de cara, o público é exposto à inusitada tela em que a história é pintada: as paredes de uma sala. O cenário existe, mas cada detalhe é mudado conforme as batidas da música. A jornada pelos quatro cantos do cenário seguem Ella, uma jovem mulher enfrentando o patriarcado e a sociedade hostil à existência feminina.

A diretora Bea R. Blankenhorst fecha a mostra com seu Después del Eclipse (2020), uma história de amor ambientada na véspera de um grande baile numa cidadezinha da Argentina de 1920. Tanto a moça quanto o rapaz utilizam próteses para substituir membros perdidos, e precisam enfrentar os preconceitos de sua vizinhança para dançarem juntos e se entregarem ao romance. O curta é o mais “dentro da caixa” da noite, dos visuais à narrativa, mas nem por isso deixa de emocionar.

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O longa alemão misturou stop-motion com live-action. (Divulgação).

John Heartfield e Katrin Rothe

Um breve intervalo separou a mostra argentina da estreia do longa alemão/austríaco/suiço Johnny & Me (2023), e foi o momento de escapada de parte da sala que preferiu não desafiar o horário. Um público mais enxuto ficou para ouvir as palavras da diretora Katrin Rothe, que veio da Alemanha ao Recife para introduzir seu filme, acompanhar o festival e participar de um masterclass na sexta-feira (6), com comentários de bastidores da sua obra.

Falando baixo e misturando inglês com alemão (com tradução simultânea proporcionada pelo festival), a cineasta demonstrou sua empolgação em acompanhar o Animage e conhecer uma sala bela e histórica como o Teatro do Parque, mas poupou palavras ao falar de seu trabalho. “Tudo o que eu tenho a dizer, está dito no filme”, adiantou.

Para quem estava diante da tela sem saber qualquer coisa sobre o longa, há um choque inicial ao ver um rosto humano em live-action protagonizar os primeiros minutos da experiência. E a surpresa aumenta ao perceber que, na realidade, essa pessoa não está indo a lugar nenhum. A designer gráfica Stefanie é a guia do público na jornada metalinguística pela vida e obra de John Heartfield – seu icônico colega de profissão, mais conhecido pelas suas fotomontagens satíricas contra o regime nazista.

Stefanie está numa crise profissional e criativa, e vê em John uma fonte de inspiração. Sua fixação a faz viajar pela sua biografia de forma teatral, criando um cut-out do artista – que ganha vida – para acompanhá-la. Apenas Roche saberia dizer o que veio primeiro: a ideia ou a necessidade de contornar os desafios de produção e orçamento, pois as escolhas do filme se completam e são coerentes no universo de sua criação.

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A diretora alemã Katrin Rothe. (Victor Jucá/Divulgação).

A produção é esperta. Uma cinebiografia animada de um artista reconhecível e criativo pode ser um projeto ambicioso até demais para uma autora independente, e as sequências passadas numa única locação – o estúdio de Stefanie – no mundo real, onde a maior carga de trabalho está em animar as feições do mini John Heartfield, preservam custos e esforços direcionados para pontos mais instigantes. E é justamente nessas passagens que o filme alcança o seu auge.

Utilizando técnicas de stop-motion e cut-outs, Roche emula um teatro de marionetes para encenar momentos-chave da vida de Heartfield, com outros estilos de animação dando as caras em passagens específicas, especialmente nos cenários. Uma maravilha visual que infelizmente não detém a maioria do tempo de tela. No mundo real, nos limitamos a ver Stefanie andar de lá para cá em seu estúdio recitando exposições junto a um Johnny expressivo porém um tanto estático.

Independente da motivação por trás da escolha, a esperteza no malabarismo dos núcleos acabou custando a sagacidade narrativa do filme. Inicialmente uma ideia interessante, os diálogos expositivos e artificiais entre os artistas eram dignos da novelização de uma página da wikipédia, e se tornaram gradativamente cansativos ao longo dos cerca de 100 minutos de duração. Ainda assim, foi refrescante assistir a uma cinebiografia que não segue a fórmula hollywoodiana e ainda preza por uma mensagem.