A Vida Invisível traz drama das mulheres anuladas pelo machismo e conservadorismo da sociedade brasileira

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Eu gosto de melodramas. Não resisto a um filme de Douglas Sirk ou de Pedro Almodóvar. Portanto, A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, em parte me agrada. A história de duas irmãs que, ainda jovens, perdem o contato uma da outra e seguem suas existências mergulhadas na dor e na melancolia provocada por essa separação é um potente argumento para nos fazer refletir sobre como a ignorância, o machismo e a falta de piedade dos homens podem dilacerar vidas. Mas, quem tem o choro frouxo não esqueça o lenço. Motivos para derramar lágrimas não faltarão.

Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Julia Stockler) são filhas de imigrantes portugueses, moram no Rio de Janeiro na virada da década de 1940 para 1950 e compartilham os sonhos da adolescência. Eurídice é meiga e tímida e tem como motor para suportar a mesmice suburbana o desejo de entrar para o conservatório de música e aprimorar seu talento no piano, instrumento que toca com virtuosismo. Já Guida é altiva, aventureira, desafia o conservadorismo dos pais e, impelida pela paixão, joga-se nos braços de um marinheiro grego, ponto de partida para os infortúnios que marcarão o resto de seus dias e da irmã.

Aïnouz teve como motivo para empreender o projeto de A Vida Invisível, obra que foi exibida e premiada na Mostra Um Certain Regard, do Festival de Cannes desse ano, o romance da escritora pernambucana Martha Batalha, A Vida Invisível de Eurídice Gusmão. O cineasta, ao adaptar o livro para as telas, imprimiu diversas mudanças, sobretudo nas tramas paralelas, e concentrou seu olhar no desvelamento de como as mulheres do período em que se desenvolve a trama foram sufocadas pelos papéis a elas atribuídos pela sociedade.

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Carol Duarte e Julia Stocklos estão primorosas e conduzem a evolução das personagens com maestria. (Divulgação).

Embora separadas e cada uma delas seguindo caminhos completamente opostos, Eurídice e Guida, por mais que lutem contra os destinos projetados para elas, acabam, de alguma forma, sendo oprimidas pelas circunstâncias. Guida enfrentará o fato de ser mãe solteira, um estigma que a obrigará a se submeter a violações constantes de sua condição feminina, para sobreviver e criar o filho; enquanto Eurídice acabará casando com um funcionário público incapaz de perceber e apreciar nela suas qualidades e inteligência.

Para retratar a vida das duas mulheres, Aïnouz contou com a diretora de fotografia Hélene Louvart, que conseguiu de forma magnífica criar um ambiente capaz de nos permitir um mergulho no universo das personagens, revelando-nos suas inquietações íntimas e, ao mesmo tempo, nos dando a percepção exata do mundo que as cercam. Mesmo concentrado no drama familiar, sentimos em todo decorrer da narrativa que o conservadorismo e o patriarcalismo não é um capricho do pai bronco das moças, mas uma imposição de uma sociedade tradicionalista.

Esta forte impressão é fruto também da boa atuação do elenco. Carol Duarte e Julia Stocklos estão primorosas, a interpretação de ambas acompanha a evolução do arco das personagens e consegue até acobertar os inúmeros senões do roteiro, talvez a nota mais destoante de A Vida Invisível.

Vários episódios no decorrer da trama apresentam furos e incoerências que não resistem a um olhar mais atento e podem atrapalhar a fruição se o espectador for um pouco mais exigente. A viagem súbita de Guida com o marinheiro, a cena em que ela tenta tirar um passaporte para ela e para o filho, a sequência da revelação para Eurídice de onde estaria Guida, ainda na metade do filme, são bem problemáticas.

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O filme sucumbe aos clichês dos filmes de época. (Divulgação).

A direção, também, às vezes, sucumbiu aos clichês, muito comuns em filmes de época feitos no Brasil , quando claramente se percebe a encenação da sequência e temos a impressão de estarmos vendo cartões postais e não uma ação inserida de forma verossímil na trama. Essas escorregadelas poderiam ter sido evitadas, pois o filme tem momentos muito emocionantes, favorecidos pela montagem de Heike Parpiles, seguríssimo na construção das elipses temporais e espaciais, e da atuação de outros integrantes do elenco como Gregório Duvivier, no papel do patético marido de Eurídice, e Fernanda Montenegro, cuja participação nos momentos finais do filme é tão forte que parece que ela esteve o tempo inteiro na tela.

Indicado como representante do Brasil na disputa para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, A Vida Invisível agradou a crítica internacional com seu melodrama de época e é uma das apostas para a temporada de premiações.

A VIDA INVISÍVEL
De Karim Aïnouz
[BRA, 2019 / Vitrine Filmes]
Com Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier
Fotografia de Hélène Louvart
Produção de Rodrigo Teixeira