Win Wenders

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WENDERS NÃO É MAIS O MESMO
O fim da linha para o velho lobo do cinema que já não consegue mais articular utopias e o desejo de futuro de uma nova geração de realizadores e espectadores
Por Fernando de Albuquerque

Se levarmos em conta que Asas Do Desejo é um filme que levou plateias à euforia nos idos de 1987 e que Paris, Texas decretou o cinema enquanto sofrimento três anos antes disso, saberemos exatamente o porque da discreta cobertura dada a passagem do cineasta alemão Win Wenders pelo Brasil – isso se compararmos ao pandemônio informativo causado em torno de David Lynch. Este último é dono de obras muito mais contemporâneas e que angariou uma leva de fãs empedernidos para descortinar os segredos por trás de narrativas propositadamente incompletas e que deixam o espectador em suspensão. Mas nem de perto o querido alemão Wenders merece ter a obra cinematográfica diminuída – boa parte de suas produções já encorpam a prateleira dos clássicos.

Essa bola murcha em torno de Wenders se deve a necessidade quase que onipresente em suas obras de filmar e investigar as terras estrangeiras. A obsessão do alemão, pela América, por exemplo, é algo que, em suas últimas produções está se tornando obsessivo e compulsivo demais. O mundo globalizado já não se contenta com a própria aldeia. A aldeia alheia é o foco ótico do espectador que, inebriado de si mesmo e da própria realidade já não sente tesão por filmes que versam sobre seu entorno.

Se radiografarmos a obra de Wenders, desde O Amigo Americano e O Estado das Coisas à fase atual com O Fim da Violência veremos que quase tudo versa sobre uma única aldeia repleta de medo, obsessão e de morte ao subtexto no cinema. E para fazer isso, ele tem sido um homem sem pátria, sem lugar próprio e que se apega muito mais aos espaços urbanos e circundantes que aos próprios personagens que cria. Por isso costuma se ligar a lugares e não a contextos fazendo com que seja cineasta incapaz de articular-se dentro de um panorama político próprio fazendo com que ele sempre pareça alguém que vê os personagens como algo menor na enunciação. Filmando, assim, apenas certezas e não possibilidades e dúvidas. E essas certezas, nos dias atuais, parecem um tanto covardes.

Há espaço de sobra em seus filmes para personagens abaixarem a cabeça e zero de interesse de se pensar uma mudança. Enquanto Michelle Williams (a jovem de Medo e Obsessão) se surpreende com a quantidade de pessoas que passam dificuldades nos EUA, John Diehl (o tio paranóico), se perde pela cidade com seu veículo-tanque, na busca de reencontrar as glórias de seu país. Assim, o filme é uma assustadora realidade que se prende pela forma como mostra as escolhas que impõe às pessoas que retrata.

O discurso do cineasta nesse filme chega ao cúmulo em três momentos terríveis: John Diehl entrando numa lixeira para buscar provas de uma de suas paranóias e sendo interrompido pelo toque de seu celular (o hino americano); tio e sobrinha se reconciliando, enfim, e para tal tendo que relatar o dia de seus horrores, ele na guerra do Vietnã, ela no dia dos atentados de 11 de setembro; e acima de tudo, a cena em que Diehl, perseguindo um grupo de suspeitos, acaba na casa de uma velha que lhe pede que troque o canal da TV, pois já não pode mais suportar aquilo: um discurso de Bush. Os heróis de Wenders são pessoas que, ao verem uma notícia ruim na TV, trocam de canal. O que nos leva mais uma vez, então, à falência cinematográfica de Wenders: incapaz de articular em cena seu discurso sem que este soe grosseiro, ele quase chega ao fim de linha.

A ferocidade de Wenders com o capitalismo já soa como falsária tendo em vista a euforia de seus personagens como consumidores de jogos eletrônicos, coca-cola e rock. E a crítica ao sistema apare como o enfrentamento de uma terrível solidão e vazio existencial enfatizada pelo movimento lento da câmera, em imagens de personagens localizados em diversos lugares do mundo.

A narrativa dos vencidos, tema predileto de Wenders, causa mais um movimento inevitável em direção à catástrofe de público do que evidencia a desgraça humana. Seus personagens, no comparativo com a cinematografia atual, tratam mais do passado do que uma perspectiva de futuro. E esses ritos são tão gagás quanto a própria ideologia que subjaz.