ESTAR SOZINHO
Cantor Cícero ganha destaque na cena independente e elogios da crítica com seu trabalho altamente intimista
Por Renata Arruda
Há três anos, o carioca Cícero Lins, 25, saiu do longínquo bairro de Santa Cruz, no subúrbio do Rio, onde morava com seus pais e se instalou em um pequeno apartamento de 25m2 em Botafogo, a três horas de casa. Durante este tempo, Cícero se formou em direito, fritou hambúrguer nos Estados Unidos, produziu festas lotadas onde toca de música brasileira a rock indie e viu desfeita sua antiga banda de adolescência, Alice, bem quando havia comprado os equipamentos necessários para montar um home studio onde gravariam seu terceiro CD.
De todas essas experiências e da sensação de sentir-se sozinho em um universo repleto de gente, nasceu seu primeiro álbum solo, Canções de Apartamento (2011, Independente), escrito e gravado artesanalmente no mesmo apartamento de 25m2 onde o compositor vivia até um mês atrás. Disponibilizado de graça há menos de oito meses na internet, sem o apoio de gravadora, assessoria de imprensa ou produtora, Cícero contou com a ajuda de amigos, blogs e sites independentes para a divulgação e logo o disco se tornou um sucesso através da rede, conquistou posições privilegiadas em diversas listas de melhores de 2011 (umas o consideram o álbum mais importante do ano passado e outras chegam a equiparar ao Transa (1972,Polygram) de Caetano Veloso) e Cícero se transformou em uma espécie de fenômeno, com shows lotados em todos os lugares por onde passou e a repentina alcunha de ídolo de adolescentes ao mesmo tempo em que agrada à crítica especializada.
Tendo como referências músicas de Tom Jobim, Radiohead e Caetano (que muitas vezes funcionam como citações) Cícero compôs um álbum sensível que, de tão pessoal, torna-se universal ao procurar lidar com temas tão íntimos de todos nós: a solidão, a ilusão dos finais de semana, o estresse das grandes cidades, os não-relacionamentos e o fracasso amoroso; capazes de dar nós na garganta em músicas como “Eu Não Tenho Um Barco, Disse a Árvore”, cujo título faz referência direta ao conto de Shel Silvertein (A Árvore Generosa, Cia. Das Letras) – onde uma árvore apaixona-se por um menino a tal ponto de permitir-se tornar um toco pela felicidade dele – ou oferecer uma alternativa de refúgio à correria moderna, quando o cantor convida para “ver um filme, ter dois filhos, ir ao parque discutir Caetano, planejar bobagens e morrer de rir” (“Vagalumes Cegos”), ironicamente, tudo que sua recente rotina não tem permitido: “meus planos andam sendo colocar uma prateleira lá em casa!”, conta na entrevista que concedeu em meio a turnê:
Quando surgiu o seu envolvimento com música?
Me envolvo com música desde que me entendo por gente. Lembro que com uns 10 anos roubei um gravador do meu pai e cantei e gravei uma música, só cantando. Desde sempre vi que música era meu lance. Nunca senti por nada o que sinto pela música e isso vem desde sempre. A composição veio um pouco depois, com uns 15 anos, quando comecei a arranhar o violão. Mas com os três primeiros acordes que aprendi a dar, já fiz minha primeira música.
Existe uma história que você viu alguns músicos em Nova Iorque tocando na rua e, de certa forma, aquilo te inspirou. Pode falar sobre isso?
Sobre NY, o que me inspirou foi ver os músicos independentes, sejam os de rua ou de bares, vivendo daquilo, acreditando e fazendo aquilo com orgulho. Nas ruas, praças, metrô, botecos. Aquilo mexeu comigo. Me estimulou a pular de cabeça também.
Eu vejo o “Canções” como um álbum que fala sobre se sentir solitário em um universo de muita pressa, estresse, muitos contatos e poucos relacionamentos de verdade. Em entrevista, você disse que as pessoas procuram a solução do vazio existencial em drogas, deus, yoga, mas a solução não está nisso. E você, qual a sua válvula de escape? Esta questão da solidão já está resolvida pra você?
Minha válvula de escape pra tudo é a arte. Música e literatura principalmente. É o que me mantém são, operando. A questão da solidão é mais uma das muitas que temos hoje em dia, e talvez sempre tivemos e sempre teremos. Acho que essas coisas a gente não resolve, a gente entende. Mesmo assim, um pouco, o que dá.
Teme que a fama te faça sentir isolado?
Não acho que a fama vá piorar ou melhorar isso. Acho que isso vem de dentro mais do que de fora.
Shows lotados, pessoas chorando, fãs leais, alguns beirando a histeria. Como você tem recebido a repercussão do “Canções”? Dá pra enlouquecer?
Pra mim é tudo carinho. São níveis de carinho. Cada um lida com esse sentimento de uma forma. Tudo pode te enlouquecer se você deixar. O lance é entender que somos todos pessoas iguais, capazes de sentir.
E a experiência de ir pra estrada?
Cansa. Não vou negar. Mas eu quero ir onde querem me ouvir. É minha forma de retribuir esse carinho todo. Eu quero e vou aonde der.
Ao mesmo tempo em que agrada um público adulto, se vê muitos adolescentes nos seus shows e nas suas páginas em uma mistura de públicos que nem sempre é comum. Quando as músicas ficaram prontas, você achava que elas atingiriam um público específico? Esperava por isso?
Não fazia ideia de nada. Mesmo. Não esperava nada, só queria que ouvissem e gostassem. Não imaginei que tudo ia acontecer tão rápido como tá acontecendo. Mas acho lindo que as músicas tenham se mostrado livres!
Eu tenho visto mais elogios que críticas ao seu trabalho. Como você lida com isso; tem receio de uma crítica mais incisiva? Gosta de acompanhar o que sai sobre você?
No começo eu conseguia acompanhar tudo, depois ficou impossível. É muita, muita coisa mesmo. Não consegui acompanhar. Quase tudo que eu li até agora foi elogioso, respeitoso. Acho que até quem não gostou do disco respeitou que foi algo feito de coração aberto. Gostar ou não é muito individual, nada nunca vai ser unânime, mas o Canções foi recebido com muito carinho por todo mundo. Medo de críticas eu tenho. Me expus demais no disco, tudo que falarem dele, estão falando de mim. Então eu tenho medo sim!
Como tem sido manter a carreira completamente independente de gravadora, produtora, assessoria? Está em seus planos permanecer assim?
Pesado. Não tenho como continuar totalmente independente mais. É muita coisa pra resolver o tempo todo. Vários assuntos ao mesmo tempo, vários deles eu não sei administrar. Vou acabar virando um empresário de mim mesmo e vou me distanciar de compor, escrever, viver. Além de ficar completamente surtado. Vou precisar de parceiros pra me ajudar a tocar o barco. Mas não abro mão do idealismo, não importa o que aconteça, vai ser dentro dos valores que me trouxeram até aqui.
Você declarou que não costuma “viver no futuro”, e que sempre pode fazer outra coisa como “vender sanduíche na praia”. Mas não assustam declarações como a do Wado, que recentemente disse estar pensando em prestar concurso público porque tinha uma família e não estava conseguindo sustentá-la com a música?
Sustentar uma família é uma responsabilidade enorme. Não é só você com você mesmo. Não faço ideia do que pode passar pela cabeça de alguém que precisa cuidar da vida de outra pessoa. É outra história. Eu não sei o que é isso, não posso nem opinar. Mas eu comigo mesmo tenho um trato: Enquanto formos só nós dois, vai ser assim.
Ainda sobre ser um artista independente, você disse que o Rio não tem a mesma cultura de SP de ir a shows de artistas novos no meio da semana. Já Romulo Fróes reclamou que falta “apoio” entre os próprios artistas, que não vão muito aos shows uns dos outros. Como você vê tudo isso?
Não sei. Paguei minha língua. Fiz três shows seguidos no Rio, os três em intervalos de poucos dias, os três em dias de semana, os três cheios. Talvez os tempos estejam mudando. Você não pode culpar o “público” por não haver “público”. Se as pessoas se sentem cativadas a sair de casa, elas saem. Se não sentem, não saem. Acho que falta um pouco de carinho no “lidar” com essas coisas.
Você se sente parte desta nova geração da MPB?
Não sei do que faço parte! Mas até pouco tempo atrás não ouvia muita coisa da dita Nova MPB não, assumo. Comecei a ouvir quando começaram a me relacionar com esse estilo, daí fui me inteirar. Mas conheço pouco ainda.
Você declarou querer ajudar a movimentar uma cena underground no Rio. Como você avalia o cenário artístico carioca em geral?
Tem uma galera nova com muita vontade e talento. O Rio tem um jeito de sentir, logo de fazer música, bem particular. Tem arte em tudo que é canto na cidade, a coisa só não é bem organizada. Mas não só artisticamente falando.
Ainda nessa questão, um grande problema do Rio é que tudo fica muito concentrada no Centro/Zona Sul, e quem mora em bairros mais afastados precisa cruzar a cidade pra ir a um show, assistir um filme fora do circuito, e etc. Acha que seria possível movimentar essa cena pra cá? Já pensou em trazer o show do “Canções” para as lonas culturais?
Eu sou de bem longe da Zona Sul. Sou de Santa Cruz, o último Bairro da Avenida Brasil. Nasci, cresci e vivi nele até os 22 anos. Até hoje não tem cinema, teatro ou livraria no bairro. Tive que me deslocar 3 horas pra longe da minha família pra poder fazer e mostrar minha música. Isso é um problema. Mas é um problema de Estado, é um problema político. Acredito na arte como uma célula livre que se espalha e muda de uma forma muito profunda as pessoas. Assim as pessoas mudam seus meios. E seus meios mudam o todo. Assim funcionou comigo, só posso acreditar naquilo que aconteceu comigo.
E quais os seus planos para este ano? Planeja lançar outra música? Com toda a correria, será que consegue uma pausa para colocar em prática o projeto do livro?
Meus planos andam sendo colocar uma prateleira lá em casa! Tô morando no aeroporto, sem tempo pra nada. Uma correria absurda. Mas livro, clipe, música nova, tudo isso são planos pra esse ano sim! Vou fazendo conforme for tendo tempo, prometo!
“Ensaio Sobre Ela”
“Pelo Interfone”
_
* Renata Arruda é jornalista. Colabora na Revista Cultural Novitas, no Scream & Yell e assina o blog Escrevedora.