Com Cinema São Luiz lotado, Walter Salles exibe “Ainda Estou Aqui” no Festival Janela de Cinema

Premiado internacionalmente e indicado para representar o Brasil no Oscar, o filme de Salles foi ovacionado pelo público ao final da sessão

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Walter Salles na sala de exibição do Cinema São Luiz (Foto: Clara Lucena/ Divulgação)
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A terceira noite do Festival Janela Internacional de Cinema era uma das mais aguardadas na programação inteira. Neste domingo (03) o Festival exibiu Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, um dos filmes mais populares deste ano no Brasil e no mundo, ovacionado nos festivais de Cannes, Veneza – onde também levou o prêmio de Melhor Roteiro -, e recentemente escolhido para representar o Brasil na disputa a uma indicação a Melhor Filme Internacional no Oscar 2025, com Fernanda Torres recebendo elogios da crítica mundial e sendo considerada uma das melhores atuações do ano.

Além de toda a expectativa construída pela boa recepção da crítica, a presença do próprio diretor na sessão também despertou mais vontade no público, que já estava posicionado em uma fila que passava da porta de saída da sala de exibição, na rua ao lado do Cinema São Luiz.

Já do lado de dentro, os assentos não foram suficientes e parte dos espectadores excedentes decidiu assistir ao filme em pé, nos corredores laterais e na parte de trás da sala, enquanto outros sentaram no chão, aos pés da tela de projeção.

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Terceira noite do Festival teve sala lotada (Foto: Clara Lucena/ Divulgação)

Sessão apresentada: Ainda Estou Aqui, de Walter Salles

Com todas nuances históricas e reflexões políticas que possam ser tiradas de Ainda Estou Aqui, o filme ganha uma camada a mais de relevância quando pensamos que neste completam-se 60 anos do Golpe Militar de 1964 em um Brasil que ainda vive uma crise de polarização política, de uma forma que apresenta semelhanças à época da Ditadura. Neste caso, obras como o filme de Salles se tornam objetos de rememoração das barbaridades sofridas durante o período do Regime.

“O Marcelo Paiva, na verdade, ao retraçar a sua memória ao longo de 40 anos, ele oferece um reflexo do que foram aqueles anos da ditadura militar dentro do microcosmo familiar e desloca o eixo narrativo pra dentro de sua família e você sente o que foi a perda, o que foi a violência do Estado. Isso, evidentemente, reabre cicatrizes e a gente soube que várias questões estão sendo novamente consideradas, casos eventualmente abertos. Se o livro e o filme puderem fazer isso, eu acho que a gente já terá avançado um pouco. Acho que a Eunice sempre lutou para a responsabilização desses crimes e eles não podem ser varridos por baixo do tapete, como a gente fez durante tantos anos”, afirmou o cineasta à Revista O Grito!.

A atriz Helena Albergaria, que interpreta a militante de direitos humanos e amiga de Eunice Paiva, Beatriz Ryff, também comentou o impacto político do longa-metragem. “Eu acho que é cada vez mais importante a gente ter memória, justiça e reparação. Agora a gente teve o julgamento dos assassinos da Marielle Franco e Anderson Gomes, e tudo isso faz parte do escopo de violência e esquecimento que o Brasil produz cada dia com mais velocidade. Na mesma medida que produz muita violência, o Brasil produz esquecimento porque são dois lados da mesma moeda. Para que a violência se perpetue é preciso que se esqueça.”

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Da esquerda para a direta: Kleber Mendonça Filho, a preparadora de elenco Amanda Gabriel, o ator Humberto Carrão, a atriz Helena Albergaria e Walter Salles (Foto: Clara Lucena/ Divulgação)

Ambos também comentaram o retorno do Cinema São Luiz. O diretor apelidou a sala de exibição como “a mais bonita do país” e ressaltou o caráter coletivo do funcionamento do cinema. “É lindo isso, é uma sala recriada coletivamente e com uma fruição coletiva”.

Helena Albergaria, que já esteve no cinema em 2008, ressaltou o papel que os cinemas de rua têm nos esforços para fazer com que as pessoas voltem a circular nas ruas. “Eu acho que é muito importante, em todos os sentidos, recuperar a rua, né? Recuperar a rua para a gente, para as pessoas caminharem, conversarem, discutirem, verem coisas bonitas e importantes e conversarem sobre o que viram. Ocupar as ruas.”, afirmou.

Em seu discurso de agradecimentos antes da exibição do filme, Walter Salles se referiu aos cinemas de rua como um “lugar mítico do cinema” e agradeceu ao realizadores do festival pelo convite e ao público pela presença. “Um filme não está pronto nunca, ele se completa sempre no olhar do outro, então hoje vocês vão completar o filme que a gente fez, e poder fazer isso nessa sala é muito emocionante para a equipe inteira.” Ao final da sessão, o filme foi ovacionado pelo público de pé.

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Cineastas conversando durante debate pós-exibição (Clara Lucena/ Divulgação)

Debate

Um debate rápido foi realizado após o filme com a presença de Walter Salles e mediado por Kleber Mendonça Filho, que dividiu o microfone com algumas pessoas do público. Durante a conversa, Salles falou sobre o paralelo que ele traçou entre a tragédia da família Paiva e o momento histórico no Brasil.

“Eu acho que na casa dos Paiva pulsava ainda outro Brasil possível, onde pulsavam ainda os ideais da Tropicália, do Cinema Novo, da arquitetura de Niemeyer, onde as ideias eram livres e abertas para todos, sem diferença de gerações, e na minha casa era o oposto disso que acontecia, então sempre me senti abrigado naquela casa e tenho memórias de lá muito vivas. Essa família foi privada de um futuro possível no mesmo momento em que o Brasil foi privado de um futuro possível.”, disse o diretor.

O cineasta também foi perguntando sobre relação com as atrizes Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, ambas protagonistas em dois de seus maiores sucessos. “Eu sou constantemente salvo por essa família, como vocês pode ver.”, brincou o diretor. “Aqui, Fernanda [Torres] fez a mesma coisa que dona Fernanda [Montenegro] fez em Central do Brasil, ela elevou o filme como um todo e nos fez sermos melhores do que nós somos, como dona Fernanda fez com Central.”.

Por fim, o diretor respondeu a uma pergunta sobre as diferenças entre o livro e o filme, que acabou deixando alguns lados da narrativa no processo de adaptação, mas que estão contidas em uma versão maior do filme. “Uma coisa que a gente não desenvolveu no filme é toda a progressão do Alzheimer [de Eunice], no livro isso é muito presente […] O cinema tem essa capacidade de transmutação, essa capacidade de te levar para um lugar onde se entende muita coisa em pouco tempo, então tem coisas que a gente resolveu não seguir exatamente como no livro porque podia haver uma tradução cinematográfica […] A gente até tem uma versão mais longa do filme, que eu gosto, que tem um pouco mais disso e acho que essa versão um dia vai sair, mas não agora.”

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