Neste sábado (02), o Maloca Espaço Cultural (Mercado da Ribeira, Rua Bernardo Vieira de Melo, 79B) recebe a exposição individual Sentinelas das memórias esquecidas, do artista plástico pernambucano, Romulo Barros. A mostra, que teve incentivo da Lei Paulo Gustavo, é um aprofundamento na subjetividade do artista – enquanto um homem preto, periférico, nordestino e latino-americano – ao mesmo tempo que liga a identidade Romulo ao processo de formação da identidade cultural brasileira através de sete esculturas totêmicas que expressam elementos do imaginário da nossa formação social. A exposição fica aberta até o dia 30 de novembro.
“Então, não é necessariamente sobre uma identidade brasileira, mas é também sobre uma identidade brasileira. Acaba sendo sobre porque eu fui inserido nesse contexto. Mas inicialmente é algo muito mais subjetivo do que um plano geral, um manifesto político, por assim dizer. É um, digamos, um modo de me situar dentro do campo da arte, dentro do campo das minhas reflexões”, afirma Romulo, que é historiador por formação, com pesquisas focadas em Cultura e Memória.
A primeira sentinela da exposição é a de Ifé, cuja composição visual remete diretamente à ancestralidade afro-brasileira, sendo uma representação de Exu, orixá mensageiro, quem fecha ou abre trilhas encruzilhadas. A segunda é a Sentinela de Pindorama, uma representação feminina de matriz indígena. A Sentinela de Cocorobó, representa o sertanejo evocando a figura identitária de Antônio Conselheiro.
A Sentinela da Fartura é a Vênus de São Saruê, que traz uma livre inspiração nas primeiras esculturas produzidas pela humanidade. A Sentinela da Fome é intitulada Maria do Finado Zacarias, que traz a representação de uma mulher e seu filho em desespero. O Sentinela do Tempo é O Relojoeiro, que tem formato de torre, lembrando carrilhões ou outros tantos monumentos ao tempo espalhados por diversas cidades do mundo.
Com relação ao tom religioso de algumas das sentinelas presentes na exposição, Romulo fala que a espiritualidade evocada pelas figuras existe para ele como uma possibilidade de religar com sua ancestralidade, uma relação de intimidade profunda.
“A de Pindorama, eu carinhosamente chamo ela de ‘Ju’, que vem de Jurema. Não é o nome dela, não aparece em nenhum texto, mas eu me refiro a ela assim ultimamente. Do mesmo jeito que eu só me refiro ao Conselheiro, de Cocorobó, como ‘Velho’, porque são pessoas, porque, enfim, eles têm personalidades distintas. Então tem tudo a ver com a questão dessa espiritualidade, e como eu falei, muito mais da espiritualidade popular, porque isso foi apropriado, ressignificado”, diz o artista.
Neste universo montado por Romulo para falar dos agentes da colonização é possível perceber a ausência de um elemento que quase sempre está em primeiro plano, o colonizador, que foi ocultado pelo artista de maneira consciente.
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“Eu me identifico com um artista decolonial, com um sentimento decolonial. Eu projeto minha narrativa artística, minha poética para essa direção, então eu acredito que ser decolonial não é ignorar que o componente europeu fez e faz parte de quem nós somos, através da violência, isso é fato, mas faz e a gente não pode negar o passado violento sobre a pena da gente de repetir”, reflete.
A última peça é a Sentinela da Solidão, que retrata o Coronel Aureliano Buendía, personagem do romance Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. Com altura de quase um metro, ela apresenta um homem com olhos vendados, representando aquele que não venceu nenhuma batalha em suas 32 expedições revolucionárias populares, e que sobreviveu a 73 atentados e um pelotão de fuzilamento.
Essa figura surge da perspectiva de aproximação que Romulo tem em relação aos povos da América Latina, com a intenção de abordar o distanciamento cultural que existe entre o Brasil e os demais países.
“Apesar de se dizer que o Brasil, identitariamente, vira as costas para o resto da América Latina, eu enxergo mais semelhanças do que diferenças. A trajetória de colonização que esses povos tiveram é semelhante, a mesma escravidão que acometeu brasileiros também acometeu mexicanos, peruanos e chilenos. A nossa bagagem africana é exatamente a mesma porque nossos ascendentes vieram da mesma costa, então são os mesmos povos. Nós temos o componente indígena, também, muito presente e muito evidente. Então, eu creio que a Sentinela fala sobre mim e sobre as minhas experiências, mas fala sobre irmãos [latinos], de quem talvez estejamos nos afastando, quando poderíamos estar nos aproximando”, conclui.