São Luiz reabre com o Janela e retoma o seu lugar na cultura cinematográfica do Recife

Após anos de espera, um dos mais antigos cinemas de rua do país retorna com a programação do Janela Internacional de Cinema

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Foto: Eduardo Cunha (Secult - PE)/Divulgação.

Após mais de dois anos de fechamento e uma série de reformas significativas, o Cinema São Luiz, um dos ícones culturais de Pernambuco, reabre suas portas ao público nesta sexta-feira (1º), em celebração à 15ª edição do Festival Janela Internacional de Cinema do Recife. Situado no coração do bairro da Boa Vista, o cinema é um marco da história cinematográfica do estado, inaugurado na década de 1950 e reconhecido por sua contribuição vital à cultura local.

As obras de revitalização foram realizadas sob a supervisão da Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Juliana Salvador, assessora de imprensa da Fundarpe, destacou a importância das reformas para garantir a segurança do espaço e sua preservação como patrimônio cultural. “Após chuvas torrenciais ocorridas no Recife em fevereiro de 2023, o Cinema São Luiz precisou ser totalmente interditado. A primeira etapa das ações para reabertura do cinema, tratado com prioridade e responsabilidade pelo Governo de Pernambuco, contemplou a execução de serviços emergenciais no sistema de esgotamento de águas pluviais do equipamento cultural”, explicou.

Restauração do forro e melhorias estruturais

Uma das etapas mais complexas do restauro do Cinema São Luiz foi a reconstituição do forro decorativo, realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo. Juliana detalhou essa fase, ressaltando o valor histórico das intervenções no cinema, inaugurado na década de 1950. “Em fevereiro de 2024 houve o início do restauro do forro de gesso decorado do Cinema São Luiz, com o mapeamento e reprodução das placas ornamentais, a limpeza e higienização das pinturas que permaneceram. As obras contemplaram ainda a reintegração das camadas pictóricas do forro, pintura, retoques e revisão do acabamento”, afirmou. Ela explicou que, embora houvesse um prazo inicial de seis meses para o restauro, as atividades foram temporariamente suspensas durante as filmagens de O Agente Secreto, de Kleber Mendonça Filho.

A assessora também informou que essa etapa do restauro foi concluída em outubro, e o espaço agora estará parcialmente acessível ao público, marcando o início de uma nova fase da requalificação. “Após o restauro, a sala será reaberta, parcialmente, para o público. Será dado início então à fase de requalificação do cinema, que prevê obras nas marquises – estas as de maior relevância, pois apresentam problemas estruturais –, no sistema de prevenção de incêndio, nos banheiros (com recursos de acessibilidade), além da implantação de um elevador e a recuperação de danos mapeados em pisos, tetos, portas, luminárias e no icônico letreiro”, destacou Juliana.

Um espaço de resistência cultural

A reabertura do Cinema São Luiz foi amplamente aguardada pela comunidade cultural e pela população do Recife. As reformas, que incluíram um investimento adicional de R$ 1,9 milhão na fase atual, também priorizaram melhorias no sistema de prevenção de incêndio, acessibilidade e na infraestrutura de elevadores, promovendo uma renovação estrutural que busca garantir maior segurança e conforto aos frequentadores do espaço.

Kléber Mendonça Filho, responsável pela direção artística do Festival Janela de Cinema do Recife, comentou sobre a relevância do Cinema São Luiz para Recife. “Não são todas as cidades grandes e importantes que têm a manutenção e a preservação de uma sala de cinema como o São Luiz. Nós não temos apenas o São Luiz, mas também o Teatro do Parque, onde, durante muitos anos e algumas gerações, existiu o Cinema do Parque. Portanto, o São Luiz e o Teatro do Parque são dois tesouros que temos em Pernambuco e no Recife, e isso não é pouca coisa”, destacou.

O cineasta enfatizou o papel do cinema na democratização do acesso à cultura. “O retorno do São Luiz, agora, é muito natural. Ele ocupa e deve ocupar um espaço democrático, com preços populares e acessíveis, mas, ao mesmo tempo, com valores de ingresso que permitam que ele faça parte da cadeia produtiva e do próprio mercado de distribuição”. Ele acrescentou que o São Luiz “cumpre muito bem sua função de oferecer uma programação de excelente qualidade, com projeção e som que, na verdade, podem ser melhores do que muitas salas que cobram três ou quatro vezes o valor do ingresso, e que tem uma programação totalmente democrática e diversa”.

[O São Luiz] ocupa e deve ocupar um espaço democrático, com preços populares e acessíveis, mas, ao mesmo tempo, com valores de ingresso que permitam que ele faça parte da cadeia produtiva e do próprio mercado de distribuição

Kléber Mendonça Filho

O Cinema São Luiz, que tem como gestor Gustavo Coimbra e o jornalista Luís Fernando Moura como curador, terá a programação do 15º Festival Janela Internacional de Cinema do Recife como seu evento de reabertura, com filmes, homenagens e oficinas. Este é um passo importante para a valorização da produção cinematográfica local e internacional, abrindo novamente as portas do São Luiz para o público pernambucano. Após o festival, a programação regular do cinema será anunciada, ainda sem data ou preços divulgados.

O Festival Janela e o senso de pertencimento

Kleber também falou sobre a importância do Festival Janela ao longo de seus 15 anos de história. “Para mim, o cinema é uma forma de você enxergar o mundo, de se expressar, de fazer observações sobre a vida, sobre o mundo, sobre a cidade, sobre o país e sobre determinados temas que podem ser frutos de um incômodo, de uma paixão, de um amor, de uma raiva. Se você é um artista, os filmes têm uma tendência de ter um teor muito pessoal, e são esses filmes que, muito naturalmente, a Janela sempre teve uma atração muito grande. Acreditamos que ninguém mais poderia ter feito aquele filme, e isso é muito importante em um momento em que a ideia da indústria não necessariamente significa que os filmes não sejam pessoais”.

Um festival como a Janela de Cinema se torna muito importante no sentido de estabelecer essa linha de trabalho relacionada à ida ao cinema, que tem sido enfraquecida nos últimos anos

Kléber Mendonça Filho

Ele também abordou a questão da produção cinematográfica contemporânea. “Vivemos um tempo em que a tendência de um cinema que é feito de maneira enlatada tem se intensificado. Isso não se aplica apenas aos filmes da indústria; vejo que muitos filmes, mesmo fora da lógica industrial, têm sido produzidos dessa maneira. Nossa defesa como festival sempre foi a de apoiar e promover filmes que acreditamos, começando por curtas-metragens de jovens cineastas que, muitas vezes, nunca foram exibidos em lugar nenhum, até clássicos que fazem parte da história do cinema e da nossa própria trajetória”.

Kleber Mendonça também enfatizou a importância do Cinema São Luiz como um espaço que promove a coletividade e a sociabilidade. “Um festival como a Janela se torna muito importante no sentido de estabelecer essa linha de trabalho relacionada à ida ao cinema, que tem sido enfraquecida nos últimos anos, não só pelo surgimento do streaming e pelo fortalecimento desse mercado, mas também por causa da pandemia. Essa valorização do centro através da Janela e da presença do São Luiz é algo realmente muito especial e que me dá uma energia muito grande para continuar fazendo esse festival”.