antes do orgulho

Antes do Orgulho: Terreiros em conflito

No início da década de 1970, acusação de que muitos pais de santo eram homossexuais e maconheiros foi endossada pelo Diario de Pernambuco

Esta reportagem faz parte da série “Antes do Orgulho“, que aborda a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife. Acompanhe as outras reportagens da série:

+ Antes do Orgulho: Entre o ódio e o medo: a vigilância da homossexualidade pautou o discurso da imprensa recifense nos anos 1960-70
+ O caso do congresso de cura gay que virou caso de polícia
+ A paranoia estava por toda parte
+ O candidato dos “frangos”

Parte 1: + “Anormais” – a homofobia na crônica policial do Recife
Parte 2: + “Bonecas não têm vez no Carnaval”:  duas décadas de hostilidades e intolerância na cobertura dos jornais

As religiões afro-brasileiras, conhecidas por serem mais tolerantes com relação a presença de homossexuais em suas casas de culto e nas cerimônias, também foram vítimas da caça às pessoas de gênero desviante. Em outubro de 1971, um conflito entre as entidades que representavam os terreiros pernambucanos foi origem de uma reportagem no Diario de Pernambuco e, como de hábito, respingou nos homossexuais uma parcela de culpa pelo que estava acontecendo.

O mote da reportagem, intitulada “20 mil terreiros em guerra pela moralização do xangô” e assinada pelo repórter Ricardo Carvalho, seria o fato de os terreiros de candomblé serem grandes redutos eleitorais com deputados e vereadores destinando verbas públicas a esses locais.  A matéria, no entanto, questionava esse apoio, pois, segundo o repórter, enormes somas de dinheiro eram aplicadas em “baixos xangôs” onde ocorreriam assassinatos e a prática de lenocínio. 

O dito conflito ocorria porque o sargento da Marinha José de Oliveira Paiva (babalorixá Paiva), presidente da Federação dos Cultos Africanos de Pernambuco, desejava a moralização dos terreiros, tendo, no entanto, que travar “combate com as sete outras federações e uniões umbandistas e de xangô”, que lhes eram adversárias. Cerca de 1.200 terreiros estavam registrados na entidade dirigida por Pai Paiva.

Segundo o repórter, durante as campanhas eleitorais raro era o candidato que não se apegava “aos pais de santo (babalorixás), para garantir sua eleição com os votos dos filiados e simpatizantes, ou evitar ‘maus fluidos’, lançados por seus adversários”.  Informava ainda que, além dos políticos, esses terreiros seriam garantidos por autoridades policiais, comissários e delegados que os frequentavam para terem os corpos fechados contra os ataques dos marginais. 

A pretendida moralização dos terreiros era justificada na reportagem pelo fato de que “a maioria dos Pais de Santo são homossexuais, maconheiros e exploradores do credo. Um grande número deles, inclusive, é fichado como pederasta na Secretaria de Segurança”. Os argumentos apresentados tinham ainda o reforço do jornalista Paulo Viana. Apresentado como estudioso dos cultos africanos, além de afirmar que policiais fechavam os olhos para que marginais criassem e mantivessem terreiros, Viana pregava até mesmo “o exame de sanidade mental para a maioria dos Pais de Santo”.

Antes do orgulho: a complexa representação LGBTQIA+ nos jornais do Recife
Reportagem: Alexandre Figueirôa
Edição e revisão: Paulo Floro
Artes: Felipe Dário