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Coringa, um filme com vergonha de si mesmo? (Foto: Divulgação/Warner. )

“Coringa: Delírio a Dois”: Todd Phillips cria musical acanhado que parece ter vergonha da própria proposta

Apesar da ousadia ao apostar em sequências cantadas, filme tem narrativa preguiçosa e sequer desenvolve novos personagens

“Coringa: Delírio a Dois”: Todd Phillips cria musical acanhado que parece ter vergonha da própria proposta
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Coringa: Delírio a Dois
Todd Phillips
EUA, 2024. Drama/Musical, 2h19. Distribuição: Warner
Com Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Catherine Keener, Zazie Beetz


Homenagear obras e gêneros cinematográficos clássicos tem sido uma constante nas produções hollywoodianas dos últimos anos. O leitor me corrigirá: todo filme é atravessado por referências, obviamente. Entretanto, aqui refiro-me às narrativas que celebram, de forma explícita, padrões artísticos (ou filmes específicos) do passado, como La La Land – Cantando Estações (2016) o fez em relação aos musicais. E como o próprio Coringa (2019) não deixa de ser, indiretamente, um tributo a O Rei da Comédia (1982) de Martin Scorsese. 

Mais uma vez, o diretor Todd Phillips decide fazer um filme-reverência ao cinema de outrora: Coringa: Delírio a Dois é uma tentativa inicialmente ousada de subverter a expectativa do que um filme baseado em história de quadrinhos deve ser. Inserir cenas cantadas em um filme de super herói? No mínimo, corajoso. Infelizmente, a obra se sabota em uma narrativa acanhada que parece ter vergonha da própria proposta, jamais abraçando o musical como sua linguagem principal. 

A gaveta de referências é aberta pelo cineasta logo na sequência inicial: uma animação aos moldes de Looney Tunes. Gosto da brincadeira e como Phillips já prenuncia algumas homenagens (nas paredes, cartazes de filmes de Charles Chaplin e destaque para Charity, Meu Amor (1969), de Bob Fosse). A transição de desenho animado para live action é admirável: o sangue jorrado na tela transforma-se nas cortinas vermelhas que se abrem para começar o espetáculo, o filme propriamente dito. Vemos um Joaquin Phoenix raquítico, com ossos protuberantes, e nos recordamos como o ator fez um trabalho primoroso de construção da figura de Arthur Fleck/Joker no filme anterior (que, apesar de pontos altamente criticáveis, é um estudo de personagem muito eficiente). 

Coringa.
Mesmo com a grande diva pop no elenco, filme tem cenas musicais sem qualquer magnitude. (Divulgação).

No primeiro filme, o espectador acompanha o desenvolvimento do protagonista, compreende suas angústias e vai sendo levado, gradualmente, a uma escalada de tensão que culmina no clímax sangrento. Aqui não há cadência e o roteiro se atropela, intercalando cenas musicadas cujas letras recaem num didatismo frouxo, óbvio demais. A Harley Quinn de Lady Gaga é apresentada de modo esquemático, com soluções narrativas apressadas de um cineasta pouco preocupado com as camadas de sua personagem. Mesmo com a grande diva pop no elenco, Todd Phillips se limita a propor cenas musicais sem qualquer magnitude. 

E talvez o maior pecado ou atestado de covardia do filme seja este: os principais números musicais (aqueles onde há uma mínima coreografia ou pouco mais de exigência aos atores, como respingos de violência, por exemplo) fazem parte da fantasia mental ou dos sonhos de Arthur Fleck. Ou seja, as cenas entravam a narrativa, pois jamais servem como andamento à história. São como pausas ou interrupções. A sensação é de uma espécie de trapaça narrativa por parte do realizador. Optando por utilizar músicas clássicas famosas, Coringa: Delírio a Dois não tem sequer a possibilidade (ou capacidade) de emplacar hits potentes e originais, como foi o caso de “Shallow” em Nasce Uma Estrela (2018), para citar uma música que envolve a mesma Lady Gaga.

Para complicar ainda mais a situação, o roteiro leva a obra para um filme-de-tribunal aborrecidíssimo, cuja intenção é clara: desvencilhar-se da polêmica identificação causada pelo primeiro filme nos “incels”. O resultado, sem entrar em detalhes, é uma involução dramática do personagem de Joaquin Phoenix, cujo desfecho é, no mínimo, impertinente. Os lampejos de esmero estético do diretor (planos-sequência um pouco mais elaborados, rimas visuais como a com uma gota de sangue) são insuficientes para salvar a produção do fiasco. 

A ausência de sequências de ação – argumento que deve ser muito usado por quem não suporta filme de herói sem tiro, porrada e bomba – não seria um problema se a nova roupagem experimentada por Todd Phillips funcionasse. Não é o caso. Sem identidade, Coringa: Delírio a Dois soa como uma metanoia de um diretor que parece querer se desculpar pelo primeiro filme e até mesmo pelo personagem (!), um anti-herói anárquico que ridiculariza e ataca as estruturas morais e éticas da sociedade. Uma produção medrosa que desmorona irreversivelmente. 

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