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Harmonias e dissonâncias no retrato da convivência familiar em “Até Que a Música Pare”

O longa, de Cristiane Oliveira, sugere uma reflexão sensível sobre as complexidades das relações familiares

Harmonias e dissonâncias no retrato da convivência familiar em “Até Que a Música Pare”
3.5

Até Que a Música Pare
Cristiane Oliveira
BRA, 2024. 1h37. Gênero: Drama. Distribuição: Pandora Filmes.


A diretora gaúcha Cristiane Oliveira, reconhecida por suas incursões sensíveis e na complexidade das relações familiares, apresenta ao público Até Que a Música Pare. Este terceiro longa-metragem, na esteira de obras como A Primeira Morte de Joana e Mulher do Pai, adentra a intricada trama dos laços familiares, provocando uma reflexão sobre os limites da tolerância em uma era marcada pela polarização ideológica.

A narrativa centra-se na figura de Chiara (Cibele Tedesco), uma matriarca determinada a preservar a unidade familiar em meio ao luto e aos conflitos políticos que ameaçam desgastar as relações interpessoais. A saída dos filhos de casa torna-se um marco que impulsiona a personagem a acompanhar seu esposo, Alfredo (Hugo Lorensatti), em suas incursões como vendedor pelos botecos da Serra Gaúcha.

Inicialmente, essa jornada parece revestida de leveza e esperança, mas, à medida que Chiara se aprofunda na vida de seu marido, revelações sobre seu passado e suas convicções emergem, levantando questões pertinentes acerca da verdade, do silêncio e da falta de comunicação que corroem o âmago do relacionamento.

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Foto: Divulgação.

A obra, falada predominantemente em Talian — um dialeto que emerge da mistura do português com as línguas dos imigrantes italianos no século XIX — serve como um eficaz pano de fundo para discutir os impactos das divisões políticas nas relações familiares. Contudo, a proposta narrativa, que busca explorar as tensões contemporâneas e suas consequências, em determinadas passagens, revela-se excessivamente didática, com diálogos que, embora reflexivos, por vezes ressoam de forma um tanto forçada em suas críticas sociais.

Cristiane Oliveira é hábil no desenvolvimento de personagens complexos; no entanto, a empatia em relação a Alfredo transforma-se em um desafio. Seu discurso conservador e suas posturas moralistas não apenas afastam a audiência, mas também carecem de um contraponto que permita uma discussão mais rica sobre as divergências ideológicas presentes na trama. Embora a interpretação de Cibele Tedesco se destaque pela sutileza, a falta de profundidade no desenvolvimento do personagem masculino compromete o equilíbrio emocional da narrativa.

A música, elemento crucial na narrativa, parece não ocupar o espaço que o título sugere. A trilha sonora, apesar de melodiosa, não se impõe como um componente central na trama, e o desfecho — que busca trazer uma reconciliação — recorre a uma canção tradicional que não ressoa com a intensidade esperada. Tal escolha evidencia uma falta de sintonia entre o cerne emocional da história e a expressão musical, o que poderia ter enriquecido a experiência estética do filme.

A fotografia de Até Que a Música Pare, sob a direção de Julia Zakia, destaca-se como um elemento essencial e eficaz na construção da narrativa. Com uma paleta de cores que alterna entre tons quentes e frios, a composição visual não apenas embeleza a tela, mas também confere uma profundidade emocional que complementa as tensões familiares exploradas na trama. À medida que a narrativa se desenrola, a atmosfera visual torna-se um reflexo das interações humanas, intensificando a experiência do espectador.

“Até Que a Música Pare” se revela, portanto, como uma proposta que busca abordar questões familiares profundas em um contexto contemporâneo, mas que, em sua ambição de relevância, acaba por se perder em alguns de seus próprios dilemas narrativos. A luta de Chiara por uma nova definição de família se configura como um convite à reflexão sobre os laços que nos unem e nos separam, mas poderia ter sido mais eficaz em sua totalidade, ressoando de maneira mais impactante na psique do espectador.