Mal-Estar
Antoine Maillard
Darkside Books, 160 páginas, R$ 99,90 / 2023
Tradução: Maria Clara Carneiro
Cidades pequenas, bucólicas e aparentemente acolhedoras podem esconder coisas tenebrosas. Essa é a sensação que fica ao lermos a HQ Mal-Estar, do francês Antoine Maillard, que saiu pela Darkside no final do ano passado. Ela ganhou o prêmio de melhor história de crime no Festival de Quadrinhos de Angoulême de 2023 ao colocar nas mesmas páginas uma galeria de personagens perturbadores com os quais você não desejaria cruzar no caminho.
A trama começa com o assassinato de duas estudantes por um serial killer. Mas esse acontecimento é apenas o ponto de partida para descobrirmos que na singela Playa Falsa, uma típica cidadezinha balneária estadunidense, existem muito mais gente esquisita do que podemos imaginar, com destaque para os estudantes Daniel e Pola. Ambos enfrentam problemas e traumas familiares e acabam estabelecendo uma cumplicidade marcada por um certo fascínio pela morte. Para completar o cenário de sordidez, fatos envolvendo traficantes de drogas e estupros tornam o ambiente ainda mais propício para uma sucessão de eventos trágicos.
O clima da história é marcado por uma tensão constante e, como todo bom romance noir, por reviravoltas surpreendentes no enredo. Maillard, contudo, vai além dos clichês do gênero. Sua narrativa investiga as angústias da passagem da adolescência para a vida adulta e como situações extremas, como as que ele introduz na trama, podem abrir caminho até mesmo para a loucura. A HQ é um antigo projeto do autor, desde o tempo em que ele fazia o mestrado em história em quadrinhos na Escola Europeia Superior da Imagem de Angoulême, mas o trabalho como ilustrador de revistas francesas e americanas fez com que Mal-Estar só agora viesse a luz.
Apesar da temática violenta, Maillard não investiu num visual carregado e sensacionalista. Em vez de explorar aspectos físicos e efeitos espetaculares, ele optou por um traço clássico e sóbrio de modo que o terror seja pressentido pela atmosfera e pelo arcabouço dramático dos personagens. Arriscamos mesmo afirmar, pela forma como o enredo se desenrola, que o quadrinista está mais interessado em mostrar os efeitos que os trágicos acontecimentos desencadeiam nos solitários protagonistas que veem neles uma maneira de preencher a falta de afeto em suas vidas.
Um elemento que chama a atenção em Mal-Estar são os diálogos reduzidos e os inúmeros quadros sem balões, permitindo que o leitor entre na história como se estivesse caminhando junto com os personagens, algo reforçado ainda pelo tom cinza dos desenhos feitos em crayon sobre papel. O apuro gráfico se traduz nas nuances de intensidade do cinza de acordo com o ambiente e o acontecimento descrito e o traço do rosto dos personagens, simples e econômicos, mas de forte expressividade. Sabe aquela HQ que você lê a primeira vez vidrado na trama e depois quer reler para observar os detalhes de cada desenho? Essa é uma delas.
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