Blur
The Ballad of Darren
Parlophone/EMI, 2023. Gênero: Rock
Uma hipótese, para olharmos de volta para a música pop dos anos 1990, é a de pensarmos nela como um grande arquivo das ideias sobre o fim do mundo. Não apenas aquele da chapa quente do desastre climático (como agora vivemos). Não, não era exatamente sobre isso. Tinha mais a ver com um gosto por quebra de valores, a busca por algum tipo de ruptura de estimação, em meio a um sentimento constante entre o êxtase e o dia (final) de fúria.
Escrevo isso e penso logo em alguns exemplos: na moda de clipes com pessoas vagando solitárias pelas ruas (“Bittersweet symphony”, do Verve, e “Unfinished sympathy”, do Massive Attack); no desejo sem troca de fluidos do livro Sex, da Madonna; na capa insular do álbum Earthling, de David Bowie, em que o ET era não mais um popstar e sim um expatriado; e no exílio emocional da Björk, tão bem refletido nas canções de Homogenic (capítulo final de uma espécie de trilogia sobre estar só, e não apenas solo, que a cantora lançou naquela década, após deixar o Sugarcubes).
Claro que é possível encontrar imagens bem mais festivas do apocalipse, como a contagem para a meia-noite final de Jennifer Lopez, no clipe de “Waiting for tonight” (a trilha sonora perfeita do big bang do milênio, quando enfim brincamos seriamente de Jetsons), ou na catatonia dos amantes, expressa na letra de “Say you’ll be there”, das Spice Girls… Nem precisava procurar muito, porque os sinais estavam em todos os lugares, como se estivéssemos vivendo em meio a uma seita maluca.
O cantor Tricky até lançou um álbum que trazia no título uma aposta de descrição do sentimento comum: Pre millenium tension. Tensão pré-milênio. É, os anos 1990 foram mesmo a nossa década do pensamento mágico.
Os ingleses do Blur compreenderam bem essa sensação de olhar para um abismo com, algumas vezes, fundo falso, pela meia dúzia de álbuns que lançaram entre 1991 e 1999. Dois deles, inclusive, deram no título a pista de que formariam uma espécie de trilogia sobre a vida inglesa da época, que até hoje não se completou: Modern life is rubbish e o magistral Parklife.
A Grande Ilha vivia então uma obsessão por Londres como (outra vez) a capital do mundo, o centro de todas as coisas. De lá saíam as melhores músicas, as grandes festas, os filmes de ponta, que ninguém podia perder, e por algum tempo a Princesa Diana esteve viva e livre.
Havia até uma expressão bregosa que tentava definir aqueles anos, cool Britannia, como se o primeiro-ministro Tony Blair fosse uma espécie de nova Jane Austen. Era uma retomada histriônica do orgulho da década de 1960, antes que as luzes do século se apagassem de vez. Mas a história só se repete como farsa. “É o fim do século e não há nada de especial nisso”, alertava sorumbático o Blur, numa das faixas do Parklife.
É intrigante (e ao mesmo tempo ideal) o grupo voltar agora com um novo álbum, The ballad of Darren, quando ninguém necessariamente parecia esperar por mais nada deles. E sobretudo quando a Grande Ilha vive o colapso depois do Brexit, depois de outro primeiro-ministro estrela e após uma pandemia devastadora, que só inflou a sua xenofobia. Literalmente, the queen is dead. É quase impraticável hoje pensarmos que houve uma sensação chamada cool Britannia, e há tão pouco tempo.
E não há nada de irônico em tudo isso; é só triste mesmo. Tal e qual a sensação que atravessa as 12 faixas do disco novo, que abre com uma canção de amor, que tanto pode ser sobre a relação entre duas pessoas, entre alguém e sua terra natal já perdida ou sobre retomar uma banda dos anos 1990 de volta, da noite para o dia. É 2023, e o Blur voltou com uma surda canção de exílio.
Não esqueço a surpresa que tive quando ouvi o primeiro single de The Ballad of Darren, “The narcissist”, talvez a coisa mais direta, sem as camadas de ironia a embrulhar/proteger tudo ao redor, que eles já lançaram. É chocante ouvir a voz meio quebrada de Damon Albarn em paz por agora poder cantar versos pop tão simples, e eficientes, como o do refrão que diz– “I’m shine a light in your eyes/ You’ll probably shine it back on me”. Ouvimos essa música e parece que algo não está mais engasgado.
Muitas das primeiras críticas sobre o retorno do Blur deram conta de uma suposta temática da maturidade e sobre a reflexão do processo de envelhecimento, a unir o álbum. Mas eu prefiro olhar a beleza monocromática das novas músicas como o momento em que alguém se sente à vontade para simplesmente parar, respirar e não precisar salvar o mundo com uma frase de efeito. Se isso tem a ver com maturidade, já não sei…
É curioso que a melancolia reflexiva do novo álbum, explícita na paisagem de infinito céu nublado da capa de The ballad of Darren, não dê as caras no tom da turnê atual do Blur. O grupo parece não só feliz com as músicas novas, mas também sem o constrangimento de abraçar o passado – talvez porque os anos 1990 não soem mais tão próximos, ainda que matematicamente não possamos pensar assim.
Talvez seja por isso que a antiga “There’s no other way” esteja tão bem posicionada no setlist: depois de duas músicas novas e antes da fila de sucessos começar. De fato, não há outro caminho a seguir! E que Damon Albarn use novamente aquela jaqueta da Fila, que um dia foi uma das vestimentas icônicas do estranho fim de século que ele protagonizou.
Assisti a um dos shows da nova turnê do Blur e, em meio ao êxtase que o grupo agora transmitia, voltei para casa pensando numa ausência estratégica no repertório. Pensei na falta daquela música que virou um dos símbolos de 1999, ao dizer “It’s over, you dont need to tell me”. De fato, algo acabou, e não precisamos ser lembrados disso outra vez.
Ouça Blur – The Ballad of Darren
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