Cães
Keum Suk Gendry-Kim
Pipoca e Nanquim, 244 páginas, R$ 79,90 / 2023
Tradução de Yun Jung Im
Expectativa: Yuna é uma mulher de 45 anos que nunca pensou em ter um cachorro. Realidade: ela e seu marido, Hun, adotam um corgi macho de 2 anos, Cenourinha. Em seguida se mudam da capital Seul para uma vila no interior, onde adotam mais dois cachorros, um vira-lata filhote, Batata e, mais tarde, um border-collie adulto, Chocolate. O novo manhwa (quadrinho sul-coreano) de Keum Suk Gendry-Kim, autora da aclamada Grama e de A Espera, mostra a relação semi-biográfica da autora com os cachorros.
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A HQ é um relato sensível da relação da protagonista com seus cães de estimação, mas à medida em que a narrativa avança outros doguinhos vão aparecendo e se somando à trama. E eles não aparecem à toa: cada capítulo é batizado com o nome desses animais, sejam pets ou vira-latas, com histórias comoventes que nos ajudam a compreender a nossa relação próxima com esses animais. Do início temos a crescente relação de Yun com seu cãozinho, cheia de preocupações e descobertas, para em seguida se configurar em bastante dedicação e amor recíproco.
Ao se mudar para o interior, o casal se depara com uma realidade da Coreia que é pouco conhecida: o costume de consumir carne de cachorro. Há diversos pratos tradicionais e costumes ligados às crenças populares, como a ideia de que a carne e a sopa desses bichos são revigorantes ou ajudam a curar doenças. O tema do consumo animal é intenso no país e tornou-se pauta das eleições de 2022, com defensores e opositores aguerridos.
A protagonista Yun é aterrorizada por um furgão que circula pelo bairro comprando cães e por vizinhos que não mostram nenhuma reticência em matar os cães para comer ou mesmo se livrar deles sem remorso.
Keum Suk Gendry-Kim é habilidosa em registrar cenas tensas sem deslanchar para o sentimentalismo, como já ficou claro em trabalhos como Grama, que aborda a história de escravizadas sexuais da Segunda Guerra Mundial e A Espera, sobre familiares que foram separados à força durante a Guerra da Coreia. Sua narrativa é sóbria mesmo em momentos de alta tensão ou de forte comoção. Ela faz uso de uma técnica eficaz de prolongar cenas silenciosas, quase sempre de paisagem, que passam um sentimento de desolação. A autora é habilidosa também nos cortes bruscos, que servem para transferir ao leitor a emoção trazidas nas páginas, sem necessariamente, “mostrá-lo”, de maneira óbvia, nas imagens.
É bem angustiante a história da “Cachorra Preta (ou Pretinha)”, criada presa a uma coleira, à mercê das mudanças do tempo, como tufões. Ou da cadela Chocolate, que foi criada presa em uma gaiola minúscula e que demorou a se acostumar à vida em liberdade. Para os pais de pet, a leitura será ainda mais comovente. Apesar de estar distante de seus outros dois trabalhos já publicados por aqui, Cães é mais uma boa obra de Keum Suk Gendry-Kim, autora que vem construindo um público-leitor fiel em terras brasileiras, graças ao trabalho cuidadoso da editora Pipoca e Nanquim, que apostou no apelo da autora em nosso mercado.
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