Ilustração: Rogi Silva.
Edição: Paulo Floro e Alexandre Figueirôa.
As tensões políticas da última década provocaram no audiovisual uma necessidade de ilustrar em seus produtos os conflitos sociais. As narrativas fazem de seus personagens alegorias que representam os percalços de certa subjetividade e, no seu microcosmo dramático, ampliam situações comuns a qualquer. Nossa lista de melhores séries de 2023 percebe neste tipo de narrativa a importância da capacidade de conscientizar, empoderar e fazer refletir, onde as comédias, dramas, ficção e não-ficção contribuem com suas particularidades.
Heartstopper, fenômeno mundial baseado nas HQs de Alice Oseman, é uma aquarela das descobertas de uma juventude queer. Na mesma leva, Scott Pilgrim: Takes Off segue a linha das histórias transpostas em diferentes formatos, dessa vez numa animação explosiva, afinada na comédia e reformulando personagens de uma maneira representativa. Nas ficções científicas, os mundos pós-apocalípticos ganham profundidade e exploram problemas que não podem ser mais atuais – um sinal preocupante. The Last Of Us e Silo foram títulos certeiros nas indagações propostas aos espectadores e puseram em questão o que consideramos verdade e quais as medidas de nossa régua moral.
No panorama nacional, títulos cirúrgicos que mergulharam em alguns dos muitos problemas do Brasil. Adaptações que expuseram o ciclo de violência e pobreza, confrontando e desenterrando casos ainda escondidos do conhecimento público. Do documentário no Rio de Janeiro à ficção no interior do sertão cearense, nossos produtos mostram a sofisticação e a força do audiovisual brasileiro.
Observação: Consideramos aqui séries e minisséries como o mesmo produto audiovisual. Já os filmes feitos exclusivamente para TV/Streaming foram considerados elegíveis para a lista de Melhores Filmes.
Acompanhe nosso especial de Melhores de 2023
Os 30 Melhores Quadrinhos
As 50 Melhores Músicas
Os 30 Melhores Discos
Os 30 Melhores Filmes
15
Treta (Netflix/A24)
Uma briga dentro de um estacionamento leva dois motoristas a iniciarem uma perseguição em alta velocidade pelas ruas de Los Angeles. Isso é o que basta para que Treta, série original da Netflix produzida pela A24, nos lance em uma torrente de sentimentos sombrios e explosivos. Aumentando a pressão a cada episódio, a série surpreende pelo olhar aguçado e perspicaz que lança sobre a raiva e o desespero existencial que toma conta dos nossos tempos. Uma das estreias mais surpreendentes deste ano. – Gabriela Agra.
14
Scott Pilgrim: Takes Off (Netflix)
E se Scott Pilgrim não sobrevivesse à luta contra o primeiro dos sete ex-namorados malvados de Ramona Flowers? Este é o ponto de partida para que o recém-lançado anime da Netflix proponha uma reimaginação completa da série de HQs de Bryan Lee O’Malley, já adaptada para o cinema por Edgar Wright. Por isso mesmo, agora é Ramona quem assume os rumos e o protagonismo dessa história. Um remix espetacular, que brinca com viagem no tempo e revitaliza uma franquia já tão consolidada na cultura pop mais de dez anos depois. – Gabriela Agra.
13
Primeiros Amores (Netflix)
A minissérie polonesa produzida e exibida pela Netflix é uma grata surpresa. Histórias de iniciação juvenil no amor e no sexo existem por aí aos montes, mas poucas com a delicadeza e ao mesmo tempo ousadia em termos de construção dramatúrgica. Os personagens são bem desenhados e aprofundados e encontra no trio de jovens atores uma interpretação à altura. A cinematografia é criativa e fotografia e edição acompanham o clima e frescor da trama. Uma delícia. – Alexandre Figueirôa.
12
Os Outros (Globoplay)
Os Outros é uma representação inteligente da epidemia de violência no Brasil dos últimos anos. A série explora relações complexas por elementos simples como as relações familiares, condominiais até níveis extremos como milícias e casos de corrupção. Com cenas fortes e um elenco afiado, a série consegue explorar com excelência os elementos que compõem o ciclo de violência. – Antonio Lira.
11
Heartstopper – Temporada 2 (Netflix)
Desde a primeira temporada que a série inspirada na HQ de mesmo nome nos deixa embevecidos. O drama juvenil dos dois rapazes enamorados é muito fofo, não dá para dizer outra coisa. Uma fofura bem construída, com uma narrativa fluida e envolvente, onde nada soa excessivo. As bossas visuais, a mise-en-scène fortemente ancorada nos quadrinhos e o desempenho do elenco, reforçando a pureza e ingenuidade das personagens para exaltar o tom de uma fábula que inclui as relações LGBTQIA+ são a receita do sucesso. – Alexandre Figueirôa.
10
Império da Dor (Netflix)
As indústrias farmacêuticas ao mesmo tempo em que salvam vidas, para obter lucros exorbitantes, são capazes também de fazer mal e até matar as pessoas. Bom, o que esperar do capitalismo? A série Império da Dor destrincha o que se passou com o medicamento OxyContim feito para tirar a dor, mas tão forte e causador de dependência quanto a heroína. Mesmo se sabendo dos efeitos nocivos, ele foi comercializado e as mortes e sequelas deixadas na sociedade foram incalculáveis. Prepare-se para ficar com muita raiva. – Alexandre Figueirôa.
09
Notícias Populares (Globoplay)
A série foi exibida pelo Canal Brasil e é uma criação do jornalista André Barcinski e do cineasta Marcelo Caetano. Ela conta, de forma divertida, histórias inspiradas em fatos noticiados pelo jornal Notícias Populares que circulou em São Paulo por 38 anos, entre 1963 e 2001. Caetano reconstituiu com precisão o ambiente real do jornal, o clima meio caótico, as situações bizarras e as figuras esquisitas transitando entre birôs e máquinas de escrever. Engraçada e envolvente, tomara que tenha mais uma temporada. – Alexandre Figueirôa.
08
Jury Duty (Prime Video/Freevee)
Uma das ótimas surpresas deste ano foi Jury Duty, série que acompanha os bastidores de um júri norte-americano. Dos mesmos produtores de The Office, o programa adota o formato de pseudodocumentário (ou mockumentary) pelo qual a premiada comédia sobre ambiente de trabalho se destacou, mas vai além. Na verdade, fica até difícil resumir a produção em poucas palavras, já que sua premissa desafia as fronteiras do gênero ao incorporar o modelo de experimento social. Afinal, o protagonista Ronald Gladden não tem ideia que todos ao seu redor são atores. O resultado é uma comédia fascinante, que explora o absurdo e a todo tempo joga com a improvisação. – Gabriela Agra.
07
Companheiros de Viagem (Paramount+)
A nova série política do mesmo roteirista de Homeland Ron Nyswaner vai fundo em uma parte da história pouco debatida nas telas: a perseguição do McCarthismo à comunidade LGBTQIA+ durante a Guerra Fria e a “caça aos comunistas”. Com uma narrativa tensa, personagens complexos e cheios de nuance e reviravoltas na medida certa, a série mostra como gays e lésbicas sobreviveram a esse período nefasto. As interpretações de Matt Bomer e Jonathan Bailey também estão primorosas, talvez o ponto alto da carreira de ambos até aqui. – Paulo Floro.
06
The Bear (Star+)
Depois de conquistar o público com uma temporada de estreia espetacular e se tornar uma das séries mais celebradas do ano passado, The Bear retornou ainda mais à flor da pele para uma segunda parte em 2023. Agora o chef Carmen Berzatto, vivido por Jeremy Allen White, precisa trabalhar para transformar o antigo The Beef em um restaurante de alta gastronomia. Enquanto isso, ele e sua equipe embarcam em jornadas particulares de transformação e dificuldades pessoais, elevando as camadas de emoção e intensidade da trama. – Gabriela Agra.
05
Silo (Apple TV+)
Silo oferece uma narrativa distópica envolvente que ressoa com temas contemporâneos com uma trama intrincada e personagens complexos, a série explora verdades ocultas através dos desafios angustiantes e perigosos vividos pelos personagens. Uma ficção científica distópica de alta qualidade, com um elenco afinado, roteiros envolventes e elementos artísticos que criam um ambiente imersivo e convincente. A série da Apple TV é uma experiência cativante para os fãs do gênero, proporcionando uma reflexão sobre o poder da informação e a busca pela verdade em um mundo apocalíptico. – Antonio Lira.
04
Vale O Escrito: A Guerra do Jogo do Bicho (Globoplay)
A série documental sobre o Jogo do Bicho do Rio de Janeiro ganhou muitas comparações com Succession pelas reviravoltas familiares, traições e artimanhas empresariais dos seus personagens. Narrada como um thriller político e com excelentes depoimentos, a série tornou-se um sucesso viral por relevar os bastidores do crime e pelo absurdo de sua história, mas também por ser precisa na arte de segurar a atenção do espectador. – Paulo Floro.
03
Succession – Temporada 3 (HBO)
O encerramento de Succession evidenciou que o modo tradicional de fazer e ver TV – encabeçado pela HBO/HBO Max – ainda dá muito certo. A cada domingo, a internet parava para assistir e comentar as agruras da derrocada da família Roy e seu império midiático. O roteiro foi construído de maneira precisa para destacar todos os personagens e finalizar seus arcos de maneira concatenada e, por vezes, dilacerante. A narrativa sempre tensa, as câmeras tremidas que pareciam perseguir seus personagens de maneira trôpega, os cortes bruscos, as interpretações afiadas, quase sempre baseadas no improviso, fazem de Succession um caso raro na TV. – Paulo Floro.
02
The Last of Us (HBO Max)
Adaptar um jogo para a dramaturgia não é tarefa fácil. As chances da narrativa se perder ou não honrar com a proposta original são grandes – e lançamentos recentes atestam isso. Mas este não foi o caso de The Last of Us, da HBO, que atingiu recordes de público no início deste ano. Abraçando o drama, em detrimento da ação, a série conseguiu elevar e expandir ainda mais a jornada emocional dos protagonistas Joel e Ellie. Sem sombra de dúvidas, o maior mérito foi não ter perdido de vista a humanidade dos seus personagens, o que foi fortalecido também pelas atuações excepcionais do elenco. – Gabriela Agra.
01
Cangaço Novo (PrimeVideo)
A série brasileira original produzida pela O2 e Prime Vídeo foi uma das grandes surpresas do ano. Ela conta a história de Ubaldo, um bancário que vive em São Paulo e retorna ao interior do Nordeste para resolver questões de herança com a família. Precisando de dinheiro para ajudar o pai adotivo, ele acaba se envolvendo com um grupo de assaltantes de banco e sua vida sofre uma grande reviravolta. Cangaço Novo tem raízes em um dos gêneros cinematográficos brasileiros mais originais: os filmes de cangaço. A paisagem árida, as relações sociais e políticas ligadas a questões da terra, a religiosidade e a violência se transmutam para o presente, ganhando as cores da modernidade distópica que também chegou ao sertão nordestino. Como série de ação, ela não fica nada a dever às produções estrangeiras, prendendo a atenção do espectador pelo ritmo intenso e poderoso da narrativa. Ao mesmo tempo, a trama tem uma forte carga dramática muito bem urdida e conduzida de forma primorosa pelo elenco formado predominantemente por atores nordestinos. Imperdível. – Alexandre Figueirôa.