Rob Laughter @roblaughter
Foto: Rob Laughter/Unsplash.

Quando as cortinas se fecham: artistas denunciam abandono do teatro pernambucano

Profissionais da área denunciam um cenário de escassez de pautas nos teatros públicos e ausência de incentivos

O recifense Clecio Melo, de 24 anos, sempre teve uma veia artística muito aflorada. A dança, o desenho e o canto lhe fizeram desistir de prestar o vestibular de Direito para ingressar em Artes Cênicas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2017. A jornada como ator começava ali, porém, até antes da primeira aula, alguns contextos já ficavam evidentes: viver de Teatro em Pernambuco não é fácil.

“O aluno consegue entender as dificuldades antes de ingressar no curso, mas é dentro da área que dá para saber de fato, presenciar e experimentar na pele as complexidades que cercam a graduação em Artes Cênicas”, relata. O jovem ator em formação compreende que este cenário é um reflexo da vida profissional. Cursando a licenciatura, com previsão de finalizar neste ano, Melo é ciente dos desafios para se estabilizar na função. Ser professor de teatro ou de artes é a possibilidade mais plausível para atuar profissionalmente. 

Ter o ensino e não a atuação como principal meio de sobrevivência ilustra as condições em que se sustenta a classe teatral em Pernambuco. “É um longo processo de esvaziamento. Esse processo é político. Passa pelas políticas públicas, sobretudo. Pelo cuidado que o poder público deveria ter e não tem”, denuncia o ator, dramaturgo, produtor e professor de Teatro da UFPE Rodrigo Dourado. Incansável batalhador pelo fortalecimento da cena teatral pernambucana, Dourado revelou sua indignação na noite da sexta-feira de 14 de julho último em uma postagem no Instagram, ao indagar os motivos de não haver sequer um espetáculo profissional de teatro adulto em cartaz no Recife.

Screenshot 20230808 154244 Instagram
Clecio Melo em espetáculo no Teatro Luiz Mendonça em 2022. Foto: Fernando Azevedo.

Segundo o professor, essa realidade já foi outra. Por volta das décadas de 1940 a 1960, tanto Recife, como Pernambuco, viveram um período áureo. A companhia Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP) (1941) criada por Valdemar de Oliveira (1900 – 1977), o Teatro do Estudante de Pernambuco (1946), impulsionado por Hermilo Borba Filho (1917 – 1976), além de Ariano Suassuna (1927 – 2014) , colocando em prática suas primeiras montagens por volta de 1950 com o Teatro Adolescente do Recife, e Luiz Mendonça (1931 – 1995), responsável pelo setor no Movimento de Cultura Popular do governo Miguel Arraes são exemplos da intensa movimentação que levou o Recife ser considerado o terceiro polo teatral do país, atrás apenas do Rio e São Paulo.

Faz-se importante destacar, que tal época de ouro se refere a produção teatral inspirada nos moldes europeus, no espaço com palco, plateia, e etc. Esse cenário, embora em um molde mais comercial, prosseguiu nas décadas seguintes quando surgiram companhias como a Práxis Dramática, a Aquarius Produções, a Companhia Teatro de Serafim e grupos alternativos a exemplo do Vivencial, cujas montagens atravessaram as fronteiras do estado.

Nos dias atuais, porém, um padrão se estabelece. A cena teatral pernambucana se depara com diversos percalços em todas as regiões do estado. Cada localidade, cidade e grupo com suas especificidades, mas que juntos comprovam um panorama de abandono e descaso. 

Antes que as cortinas se fechem, as portas já estão fechadas

Samuel Santos está à frente de O Poste Soluções Luminosas desde 2008. O coletivo nasceu em 2004 e tinha como propósito a criação de iluminação cênica para outros espetáculos, mas a partir da chegada de Santos, além da produção de montagens, passou a atuar no fomento dessa arte. O propósito é ser um grupo de pesquisa dentro da ancestralidade afro-indígena que trabalha na perspectiva da descolonização da formação de atores, da dramaturgia e da encenação.

O produtor assume que é um trabalho que não se encerra após as apresentações. O Poste se mobiliza na realização de oficinas, formações e intercâmbios, oferecendo um ambiente de fruição. Entretanto, enfrenta desafios para desenvolver o trabalho da melhor forma.

É preciso que o poder público se responsabilize pela manutenção de uma temporada regular de espetáculos adultos de teatro no Recife. É preciso que a cada final de semana, pelo menos três espetáculos em cartaz na cidade. Não existe crescimento do teatro se o espetáculo não se apresenta e não amadurece

Rodrigo Dourado

“A gente tem o nosso espaço. É um espaço intimista, onde fazemos alguns dos nossos espetáculos. Mas por exemplo, nesse novo, O Irôko, A Pedra e O Sol, onde reunimos uma equipe maior e um cenário maior, precisamos recorrer aos teatros públicos”, pontua Samuel Santos, abrindo caminhos para o grande embate não só para o grupo O Poste, mas para toda a classe artística: “As pautas estão escassas”, delata.

E continua: “Está faltando transparência. É preciso que os teatros públicos pensem uma política pública para temporada de espetáculos. Às vezes não conseguimos fazer uma temporada de pelo menos um mês. Hoje, dadas as circunstâncias, não conseguimos fazer sequer uma temporada de sexta a domingo num teatro público. Como vamos criar um público cativo aos nossos espetáculos se não conseguimos ter uma continuidade?”

Screenshot 20230808 155117 Instagram
Samuel Santos em leitura coletiva em O Poste. Foto: @domarrrrrrr.

“Nosso principal circuito teatral em Recife é público”, explica Rodrigo Dourado. Os principais teatros da cidade geridos pela Prefeitura do Recife são o complexo Teatro Apolo/Hermilo Borba Filho, Teatro do Parque, Teatro de Santa Isabel, Teatro Barreto Júnior e Teatro Luiz Mendonça. “Esses são os principais. E são lugares que foram sucateados, abandonados e fechados para longas reformas, durante longos períodos”, comenta Dourado.

Esse embate se estende à realidade de Mayra Waquim. A atriz compõe o grupo de palhaças Violetas da Aurora, criado há seis anos no Recife. “Temos pouco acesso a esses espaços de apresentação. Nossas produções são feitas de forma independente. Não temos nenhuma subvenção contínua. Não temos sede. Ensaiamos em espaços que alugamos”, elenca. “Quando chegamos nos teatros do Recife, encontramos esses lugares mal equipados. Daí, existe a necessidade de contratar equipamento. Os teatros nunca estão exatamente prontos para nos receber”, relata Waquim.

Além dos estabelecimentos municipais, o Recife possui teatros públicos gerenciados pelo Governo do Estado, a exemplo do Teatro Guararapes no Centro de Convenções de Pernambuco. Segundo o professor Rodrigo Dourado, a lógica de funcionamento desses estabelecimentos vem sofrendo inversões. “O Teatro Guararapes, eu não considero privado, é público, do Centro de Convenções de Pernambuco, mas funciona fundamentalmente como privado. Lá se apresentam grandes artistas da música nacional, espetáculos de teatro comercial. Nenhum artista de teatro de Pernambuco tem condições de pagar uma pauta para se apresentar no Guararapes”, destaca.

Dourado também observa que a ocupação do Guararapes está disponível para eventos de outra natureza, como formaturas e premiações, funcionando como se fosse um auditório. “É preciso parar com essa cultura de achar que esses eventos têm que acontecer dentro do teatro. O que acontece é que muitas vezes as pautas dos espaços municipais e públicos estão ocupados por eventos dessa natureza. Isso é ruim, porque essas realizações são fechadas, não dão acesso à população e criam descontinuidade”, frisa.

Quando os teatros abrem pauta para a gente fica parecendo uma esmola  – Mayra Waquim

“Não há mais licitação de pauta, não há transparência para a ocupação dessas pautas”, revela Samuel Santos. “Quando pedimos está ocupado. Então fica complicado ter uma vida efervescente no teatro. No Rio e em São Paulo, tem espetáculo em cartaz, em temporada, um mês, dois meses. Aqui, vivemos de gatos pingados”, crítica.

“Quando terminamos a temporada de um espetáculo e alguém diz que vai [assistir] quando fizermos de novo, já aviso que não sabemos quando isso vai acontecer”, diz Mayra Waquim. Ela lamenta também o desinteresse do público pelas encenações locais. “Quando vamos apresentar, geralmente a plateia é feita com muita gente da área que quer nos ver, famílias, amigos, ou está vazia. Não é porque as pessoas não gostam de ver teatro, é que não existe uma política de formação de plateia”.

“O que está acontecendo é uma ocupação privada, misteriosa e não transparente”, alerta Rodrigo Dourado. “Tem produtores e artistas que enviam e-mails para as gestões dos teatros solicitando uma pauta. Em geral, os artistas estão recebendo respostas negativas. No meu post apareceu demais isso, as pessoas questionando: ‘Como não existe nada no Apolo e no Hermilo numa sexta-feira, se eu estou solicitando uma pauta para me apresentar e eles respondem que até o fim do ano não tem?'”, rememora.

Um exemplo recente é o fato de O Irôko, A Pedra e O Sol, do grupo O Poste Soluções Luminosas, ter estreado no mês de junho no Teatro Hermilo Borba Filho, e somente ter conseguido pauta no Teatro do Parque em setembro deste ano, mesmo que durante os três dias de apresentação tenha alcançado lotação máxima do espaço. 

Fotos: @domarrrrrrr.

“Para ter casa cheia precisa ter continuidade. Se não tem isso, o teatro vai empobrecendo”, analisa Rodrigo Dourado. “Tem que acabar com a lógica da festividade. A gestão pública acha que os teatros devem estar a disposição de festivais. Só que esses eventos não têm continuidade. Os principais teatros trancam as pautas para os festivais de teatro, dança e circo. Ao longo do ano, você tem as pautas trancadas por isso. Está errado! Está criando uma lógica na população da cidade que deixa para consumir a arte em época de festival. Mas quando não tem, não vai atrás, porque acha que não tem nada para ver, e muitas vezes é verdade. Quando não tem festival, os teatros basicamente não abrem pauta para ninguém mais. Isso cria uma lógica de calendário cheia de buracos”, complementa.

Não há escassez de peças nossas, pelo contrário, não tem é palco para a gente apresentar – Samuel Santos

O professor observa um apelo principalmente comercial sobre a temporada teatral no Recife. Ele visualiza a cidade com um movimento muito forte no teatro comercial para crianças, em trabalhos comerciais vindos de fora (RJ e SP), stand-up comedy, apresentações de humoristas e peças de pessoas da TV. “O Teatro adulto, experimental, de estudo, não tem espaço para se apresentar na cidade. Alguns grupos têm suas próprias sedes, mas a temporada de espetáculos não pode estar restrita a esses espaços alternativos. É preciso que o poder público se responsabilize pela manutenção de uma temporada regular de espetáculos adultos de teatro no Recife. É preciso que a cada final de semana, pelo menos três espetáculos de teatro adulto estejam em cartaz na cidade. Não existe crescimento do teatro se o espetáculo não se apresenta e não amadurece”, pontua.

Não existe Teatro sem política pública 

“A gente vem se mantendo sem apoio. Não há um edital específico para ocupação desses espaços, onde possamos ter um financiamento. Os espaços dos grupos, como é o do grupo Postes, tem fruição, intercâmbio, formação, roda de diálogos, uma série de ações, e viemos fazendo isso com quase nenhum recurso”, confessa Samuel Santos. 

IMG 9557
O professor Rodrigo Dourado visualiza uma invasão comercial da temporada teatral na cidade. Foto: Ricardo Maciel.

“Nossa produção é feita de sangue, suor e lágrimas. É muita luta para produzir teatro em Recife. Os editais de fomento são super concorridos. Observamos alguns mecanismos de avaliação que têm critérios duvidosos. Muitas vezes colocamos no pleito várias vezes um projeto, e nunca é aprovado, enquanto tem artistas que são sempre aprovados”, conta Mayra Waquim que junto com as Violetas da Aurora, partilha da opinião de Samuel.

Sem sede, o grupo conta com estabelecimentos parceiros e privados como o SESC para apresentações pontuais e se empenha nas realizações independentes com busca de patrocinadores e inscrições nos editais. Como uma alternativa para tentar solucionar o pouco acesso aos espaços de apresentação, as Violetas, junto a um coletivo de diversos profissionais independentes da arte, fizeram nascer o Movimento Marsenal.

“É um movimento de artistas independentes que se reúnem para discutir a produção cultural e dar espaço para quem não tem visibilidade, onde apresentar e experimentar suas histórias na arte”, explica Mayra.

Artistas da música, do circo, do teatro, da palhaçaria participam do movimento que ocupa o Bar Teatro Mamulengo, no Recife. As apresentações ocorriam frequentemente antes da pandemia e estão retomando a programação aos poucos. “É ter ambiente também para formação de plateia. Não é falta de espetáculos, muita gente está produzindo, mas não tem onde apresentar. Quando não há uma demanda contínua, não formamos público. Onde o público vai achar a gente sem isso?”, questiona Mayra.

Screenshot 20230808 154440 Instagram
As Violetas da Aurora atuam com a palhaçaria há seis anos no Recife. Foto: Alzyr Brasileiro.

A situação do teatro no interior

Em outras regiões do estado, a ausência de palcos é também uma realidade. Em Serra Talhada, por exemplo, não há teatro. E companhias como a Equipe Teatral de Serra Talhada (ETEAST) precisam buscar outras alternativas. “Costumamos dizer que o nosso teatro é mais um ato de resistência do que algo profissional, por mais que sejamos profissionais”, relata Carlos Sett, ator há 28 anos e líder da Equipe.

A ETEAST nasceu em 1998 como um grupo escolar e, desde então, tem nesse ambiente a maioria das oportunidades viáveis para a realização de suas produções. “Nosso teatro aqui sempre foi feito em espaços alternativos. De forma muito sofrida. Até antes da pandemia tínhamos um projeto escolar, o ‘Minha Escola, Meu Teatro’. Era onde conseguíamos escoar as produções de forma mais positiva, e ganhar algum dinheiro. Vendíamos os espetáculos para as escolas”, conta o ator.

Sobre esses espaços alternativos, Sett elenca como principais o Céu das Artes, da gestão municipal e o Museu do Cangaço, regido pela ONG Fundação Cultural Cabras de Lampião. O ator também compartilha que desde a pandemia, a companhia ainda não conseguiu voltar efetivamente ao mesmo ritmo de espetáculos. O apoio financeiro tímido do comércio e da gestão municipal e o raso acesso aos editais podem ser justificativas. Muitas das vezes, as produções são feitas com desembolso próprio. “Funciona nessa expectativa, de, com o espetáculo pronto, conseguirmos vender, recuperar a grana, ganhar alguma coisa e pagar toda a galera envolvida na direção, na técnica”, revela.

“Fazer um grupo de teatro aqui é nadar muito contra a corrente. Não vemos incentivo de maneira alguma em lugar algum”, deflagra o ator Felipe Espíndola, por sua vez, sobre a cidade de Garanhuns. “Aqui existem dois espaços formais que são dedicados a isso. O Teatro do Centro Cultural, um espaço público que neste momento, está abandonado. Ele geralmente sofre uma reforminha para o FIG, depois volta a ficar às moscas. E o teatro do SESC, que não é público”.

Com 12 anos de experiência e formação nas artes cênicas, Felipe criou no final do ano passado, junto a um grupo de outros profissionais multiáreas, o Casulo Coletivo. O cenário já se coloca problemático. “Produzir na cidade é um lugar de se questionar o porquê de estar fazendo. Não tem sido viável financeiramente. Nosso projeto é gerar renda e produzir cultura na cidade, mas não vemos uma atuação de espaço para isso”, observa.

E continua: “Não temos espaços culturais na cidade que se desenvolvam as artes, no geral. Se você não tem dinheiro para ter um lugar seu, vai ter que ficar pleiteando o tempo inteiro passar em um edital para poder gerar uma grana e fazer o trabalho de uma maneira digna. E quando vai ver o pagamento, depois de tudo isso, de todo o seu esforço, num Funcultura, ou numa Lei Aldir Blanc, é uma coisa muito ínfima”.

Se para grupos recentes como o Casulo Coletivo falta oxigenação, o cenário prova que para projetos mais longevos a situação não é diferente. Fábio Pascoal, filho de Arary Marrocos e Argemiro Pascoal, criadores do Teatro Experimental de Arte (TEA), de Caruaru, um dos grupos mais antigos do Brasil com atividades ininterruptas há 61 anos, é criador do Festival de Teatro do Agreste (FETEAG). Por sua vez, o evento está há 42 anos fomentando a realização teatral na região, abrindo mostras, levando espetáculos internacionais e promovendo formações. 

Na articulação dos dois projetos (TEA e FETEAG), Fábio integra a lista vasta de profissionais com parcelas atrasadas do Funcultura. A petição do recurso é direcionada à reforma do teatro de bolso do TEA, já que neste ano, o FETEAG ( que acontece de 22 de setembro a 8 de outubro) aguarda outra captação de recursos. Sobre isso, a dificuldade financeira dialoga com os desafios de montagem da programação, interferindo na busca por grupos de outras regiões do país e do mundo e os calendários que não funcionam em sintonia. “Esse é o grande impasse, temos que confirmar uma agenda, muito antes de saber se vamos ter dinheiro. Esse ano, não temos Funcultura, temos Rouanet aprovado, estamos tentando captar. A Prefeitura de Caruaru não deu uma posição para nós. Estamos nessa conversa desde março. Existe um risco iminente de não termos uma mostra em Caruaru, depois de muitos anos, justamente pela falta de sensibilidade do poder público”, revela.

Screenshot 20230808 154754 Instagram
Felipe Espíndola no projeto curta-cena-curta. Foto: Roberta Laleska.

Há uma propaganda muito grande de que está se investindo na cultura, isso é uma ladainha muito antiga – Felipe Espíndola

“O grande problema do poder público no geral, é fazer a sua ação e não apoiar quem já faz”, analisa Fábio Pascoal. Ele transita por Caruaru e Recife e traça um panorama sobre os estabelecimentos destinados à realização teatral. “Acho que falta uma política pública. Se formos pensar nos teatros franceses, todo estabelecimento tem sua verba própria. O que vemos nos teatros de Pernambuco é que eles ficam esperando aprovarmos no Funcultura para poder pagar pauta lá. Vivem numa miséria também. O teatro não tem dinheiro para fazer uma programação, manter um grupo, que seria fundamental. Não tem uma política nesse sentido. O teatro (espaço) vai depender de uma pauta a ser paga para poder se manter”, detalha.

Caruaru apresenta um quadro semelhante a Garanhuns, com um teatro privado, do SESC local e um público, o Teatro João Lyra Filho, este construído na gestão do avô da atual governadora Raquel Lyra. “Encontra-se abandonado. Está entregue à Associação de Artistas de Caruaru, mas não recebe absolutamente nada para se manter. Sabemos que não existe teatro sem verba pública. É necessário que houvesse um convênio, que já houve um tempo, entre a Fundação de Cultura de Caruaru e o Teatro para que a gente pudesse fomentar”, conta Fábio Pascoal. 

Em Vitória de Santo Antão, a quantidade de espaços para apresentações também é reduzida. Segundo a atriz, arte-educadora e diretora do Núcleo de Pesquisa Cênica de Pernambuco, Thamiris Mendes, estão disponíveis o Teatro Silogeu, uma extensão do Instituto Histórico e Geográfico da cidade e a Casa Mosaico, estabelecimento alternativo. 

“O apoio sempre é um caso à parte, poucos são os órgãos privados que incentivam a fomentação da cultura”, conta Thamiris, que apesar da questão, compartilha um status um pouco mais otimista de sua região. “Vitória de Santo Antão vem lutando muito para que as políticas públicas funcionem. No momento, nós estamos em uma gestão onde a Secretaria de Cultura do nosso município vem trazendo possibilidades para os artistas de diversas vertentes. Ainda almejamos a construção de espaços públicos como um teatro municipal para que possamos ter mais produções artísticas. Esse sonho tende a ser realizado pelo atual prefeito, Paulo Robert, que colocou esse espaço dentro do seu plano municipal de cultura, e assim esperamos ansiosos por esse momento”.

Esperanças, expectativas e caminhos

A chegada do Governo Raquel Lyra, desde que a Revista O Grito! analisou suas propostas de mandato voltadas para o setor cultural, trouxe expectativas. Entretanto, a má gestão do Festival de Inverno de Garanhuns deste ano comentada em peso pelos artistas durante as entrevistas desta reportagem, os atrasos de pagamento do Funcultura e a saída inesperada de Silvério Pessoa da Secretaria de Cultura estadual, representam ventos que sopram ao desfavor da classe, incluso o setor teatral.

“Não tenho expectativas neste novo governo, chegamos na metade do ano e só vemos desorganização. Tenho expectativas nos editais, na Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc”, confessa Mayra Waquim. “Essa situação de falta de incentivo ao teatro é histórica. Os recursos são poucos. Estamos muito defasados em termos de editais, não só para espetáculos mas também para a manutenção e incentivo aos espaços dos grupos teatrais da cidade”, completa Samuel Santos.

“Esperamos que a nossa governadora possa criar mais possibilidades para que a classe artística de Pernambuco desenvolva seus trabalhos, não só em formas de apresentações, mas na fomentação da arte para pessoas que não tem como pagar para consumir, projetos voltados para as comunidades e escolas dos municípios para que essa linguagem seja disseminada. Sou artista hoje devido a possibilidade de aulas de teatro para crianças de escolas públicas e acho que se temos verba para investir nessa perspectiva seria incrível. Teríamos a formação de novas plateias, crianças que cresceriam com senso crítico e pensamento reflexivo, pois uma sociedade que não investe na cultura e em seus artistas, é uma sociedade morta”, vislumbra Thamiris Mendes. 

Felipe Espíndola também considera importante que as leis de incentivo cheguem no interior do estado com mais força. “Há a necessidade de um fomento na área para que a gente consiga enxergar uma perspectiva mais esperançosa pra nossa categoria, como a implementação de cursos de graduação em artes no interior, cursos técnicos, formações em cenotecnia, iluminação, produção cultural, mostras de artes cênicas, etc. Essas ações de investimento na cultura valorizam não somente a área cênica, mas também todas as modalidades artísticas, trazendo benefícios incomensuráveis para a sociedade”, detalha.

Fábio Pascoal propõe a criação de espaços de formação nas periferias, visando um maior fomento e interesse pela realização artística. “Insisto em política pública. Às vezes as que surgem são muito elitistas, precisamos horizontalizar esse trabalho, que tem que ser de fomento e divulgação. Criar espaços que o teatro possa respirar melhor, formar um novo núcleo, novo público, isso é fundamental”, reforça. 

Perguntados sobre o que continua lhes movendo no fazer teatral, os artistas deixaram a vocação responder: “A vontade de continuar contando histórias. Todo espetáculo é um ato político, de resistência. A arte é sempre transformadora, questionadora, lúdica, fantástica. Num mundo de tanta diversidade, de perspectiva de mudança (que muitas vezes não há), saindo de um período, tanto de Governo Federal que foi complicado em várias esferas, quanto de pandemia, entendemos que foi a arte, no todo, que nos manteve e mantém vivos”. – Carlos Sett.

Outro lado: poder público diz que busca “conciliar demandas”

Procurada pela reportagem, a Prefeitura do Recife, através da Fundação de Cultura da Cidade do Recife, emitiu uma nota respondendo às críticas feitas pelos artistas.

“A Secretaria de Cultura e a Fundação de Cultura Cidade do Recife esclarecem que as pautas dos teatros mantidos pelo poder público municipal, que estão entre os espaços culturais da cidade que apresentam agenda mais intensa e quase que exclusivamente dedicada à produção artística local, são definidas a partir das demandas apresentadas”, diz a nota. “É necessário considerar questões como o prazo da solicitação, demanda de eventos calendarizados, como festivais, além de pautas fixas, que fazem parte da agenda de espetáculos gratuitos da cidade, como os concertos da Orquestra e da Banda sinfônicas (no caso do Santa Isabel e do Parque, teatros onde estão sediadas).”

A nota diz, ainda, que a gestão busca conciliar demandas da cena teatral. “É fato, sim, que os equipamentos culturais municipais registram pautas bastante disputadas, justamente porque atendem a quem as solicita. Há uma grande procura, bem como uma tentativa permanente de conciliação dessas demandas, para que a cidade consiga apresentar sua rica produção cênica, musical, artística, em todas as áreas que demandam um palco, sendo também impactada pela produção de outras praças.”

A reportagem também procurou a secretaria de Cultura do Governo do Estado para comentar as críticas dos entrevistados, mas o órgão não respondeu os questionamentos.

Leia mais reportagens