mateus Foto Jorge Silvestre4

Rec-Beat 2024: Mateus Fazeno Rock traduz vivências faveladas em música 

Banda cearense Mateus Fazeno Rock, que se apresenta no Rec-Beat, contesta uma fórmula tradicional do rock com ritmos afro-diaspóricos, como o funk e o rap

Foto: Jorge Silvestre/Divulgação.

“Hoje eu entendo que tem um lado narrativo, ético, político, que envolve o rock de favela ser um rock proposto por pessoas de periferia. Independente do tema que a música venha falar, seja sobre amor ou seja sobre alguma vivência cotidiana, relacionada à questão racial ou não, essa vivência está atravessada por ser contada por um corpo de favela vivenciando histórias de favela”, descreve Mateus Fazeno Rock, uma das atrações do Rec-Beat, sobre sua musicalidade.

O rock de favela se mescla a ritmos afro-diaspóricos, como o funk, o rap, contesta uma fórmula tradicional do rock, tanto na construção das faixas quanto nas escolhas dos ritmos com as quais a sonoridade se relaciona. Este é o som que vem dando destaque ao cantor e compositor. Aos 29 anos, cria de Sapiranga, em Fortaleza, Mateus Fazeno Rock traz a bagagem do primeiro disco Rolê nas Ruínas (2020) e do mais recente Jesus Ñ Voltará (2023) ao palco do Rec-Beat 2024.

A jornada de um adolescente sempre eclético desde os primeiros contatos com a música, no rock, no reggae, na MPB, aberto aos sons de seu entorno, como o funk, o rap, que vivia na correria para estar envolvido com a arte, fluiu para concretizar este último álbum. Nele, Mateus traz o rock de favela como fundo de experiências faveladas. Histórias suas, de pessoas próximas, refletem corpos negros e periféricos atingidos pelo racismo e pela colonização. Ao mesmo tempo que menciona despedidas, saudade, nostalgia, olha para um futuro mais confortável refletindo sobre a passagem na terra de uma vida como a sua.

Programação do Carnaval 2024
Shows no Marco Zero: Gilberto Gil, Ludmilla, Luísa Sonza, Alceu Valença
Rec-Beat: Letrux, Ana Frango Elétrico, Urias
Praça do Arsenal e Pátio de S. Pedro: Rubel, UANA, Marcelo D2
Olinda, praça do Carmo: Nação Zumbi, MC Tocha, Siba
Olinda, Guadalupe
: Conde Só Brega, Dany Myler, Abulidu

Mateus Fazeno Rock.

No domingo (11), junto ao DJ Viúva Negra, a cantora e backing-vocal mumutante, e ao balé, Mateus Fazeno Rock traduz essas vivências em música. Será a segunda vinda para o Recife (fez sua estreia no Coquetel Molotov), e a primeira vez no Rec-Beat, assim como no Carnaval do Recife. 

A Revista O Grito! conversou com o artista sobre a carreira, processo de produção do novo álbum e as expectativas para essa vinda. Confira:

Como se deu seu contato com a música? Desde quando Mateus faz rock?

Meu contato com a música vem desde a infância. Desde a minha família. Meu avô tinha um violão lá na casa da minha mãe, meu tio tocava violão. Mas eu, principalmente, começo a ter contato, de me interessar, a tocar e me envolver com várias coisas relacionadas a arte quando descobri um Sarau na Sapiranga, por volta dos meus 13/14 anos. É no sarau que eu começo a me desenvolver.

Eu sabia tocar um pouco de violão, comecei a ajudar ativamente, a ter contato com poetas, com a percussão. Lá tinha um projeto chamado “Arte no Beco”. Os mais velhos ensinavam percussão para os mais novos, e assim, ia sucessivamente. Já fui quem aprendeu e fui também quem repassou esses conhecimentos.

Uma vez por mês fazíamos uma apresentação na Praça com músicas da MPB, regionais, Luiz Gonzaga, Alceu Valença. Nesse processo fui me envolvendo bastante com o fazer coletivo da arte.

Quando o Mateus instrumentista também se tornou compositor e cantor?

Desde essa fase eu comecei a escrever algumas coisas. Nessa época, descobri a guitarra. Tive banda cover de hardcore, pelos meus 14/15 anos. Ensaiava compor algumas coisas. Cheguei a compor músicas para outros projetos quando mais novo. Venho começar a compor as músicas que fazem parte desse trabalho ali pelos meus 18/19 anos, onde estão as raízes do que viria a ser o Mateus Fazeno Rock mais a frente.

De qualquer forma, mesmo envolvido nessa forma de arte que também tem muito a ver com a ocupação política dos bairros, favelas, sempre tive muito interesse ligado à linguagem rock. Passei por todas as fases como bom adolescente, do Hard core, do emo, gostava das bandas clássicas de rock também, o grunge, muito influenciado por pessoas mais velhas, o punk.

Tudo isso eu acompanhei, gostei, me envolvi, mergulhei, pesquisei. Muito novo eu era aquela pessoa que ia para a lan house, baixar todas as músicas de uma banda, botava no pen drive e levava para casa. Gravava CD, comprava o CD virgem, levava para o computador de alguém e botava todas as músicas, fazia as pastas para ficar ouvindo em casa.

Seu som vai do funk ao grunge, passeando por uma diversidade de gêneros e contestando a forma de fazer rock. Esses gêneros representam suas referências na música. E pensando em nomes de referência, quais são eles?

Posso dizer de gente e momentos que foram marcantes. No meu trabalho tem um pouco do diálogo com a linguagem do hip-hop e do rap, especificamente. Eu tenho esse contato desde o momento de ter escutado Facção Central. Não diretamente, mas tinha um vizinho que escutava todo santo dia. Ou então Racionais, músicas que tocavam muito. Tinha um colega de sala de aula na sétima série, que ficava cantando a aula inteira, independente do professor que viesse. No rap, quando o Emicida lançou o primeiro disco (Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, até que Eu Cheguei Longe…), em 2009, ouvi nessa época, fiquei muito fascinado. Ao mesmo tempo, ouvi muito meus tios escutarem Raul Seixas.

Acho que indiretamente, tudo ia me fascinando bastante nesse mundo da música. Sempre tive esse gosto eclético. Ao mesmo tempo, estava ali no sarau, tendo contato com Luiz Gonzaga, Alceu Valença, ou com alguém que gostava muito de Los Hermanos, ou alguém que gostava muito de Charlie Brown, ou de Simone, do brega. Fora o rolê que Fortaleza é uma cidade muito reagueira.

Eu era aquele menino roqueiro que ia pro reggae com meus amigos, que de trás da minha casa tinha um campo de futebol, onde no final de semana tinha baile funk. Estava imerso nesse universo sonoro e me permitindo viver minha vida gostando de tudo, sem me fechar na caixinha do gênero, sempre me identificando, independente, do meio que estivesse.

Mateus Fazeno Rock.
Mateus sempre se considerou eclético e inspirado pelos gêneros musicais do seu entorno. Foto: Murilo da Paz. (Divulgação).

Você é um grande representante do rock de favela. O que seria essa vertente em significado e em termos musicais?

Quando eu comecei a falar isso nas músicas, como uma chavinha, na “As Vozes da Cabeça”, acho que, de certa forma, estava tentando mapear o lugar que eu vinha cantando essa música. Eu sempre identifiquei que estava querendo propor um disco de rock quando comecei a organizar o Rolê nas Ruínas. Vem um pouco daí. Eu entendi que era diferente do rock que eu escutava, das histórias que estão nessas músicas. Com o tempo, cada vez que me fazem essa pergunta, vou amadurecendo a resposta.

Hoje eu entendo que tem um lado narrativo, ético, político, que envolve o rock de favela ser um rock proposto por pessoas de periferia. Independente do tema que a música venha falar, seja sobre amor ou seja sobre alguma vivência cotidiana, relacionada à questão racial ou não, essa vivência está atravessada por ser contada por um corpo de favela vivenciando histórias de favela. Pensando no quesito musical, é um rock que se permite se influenciar por ritmos afro-diaspóricos, ritmos que nascem nas favelas do mundo, como é o reggae, o punk, o funk, o rap.

Antes do Rolê nas Ruínas, eu passei muito tempo frequentando a casa de um colega, o Nego Célio, um beatmaker e rapper da cidade, um veterano daqui nessa linguagem. Pude observar e aprender muito como se constrói uma música de rap do zero. Acho que fui traduzindo esse raciocínio para a produção de um álbum de rock. Mesmo as músicas que tem bateria, fomos construindo ela toda no raciocínio da construção de um beat. Essa pesquisa foi se aprofundando ainda mais, tanto que a gente chega no Jesus Ñ Voltará com um álbum com muita influência no hip hop.

De qualquer forma, eu acho que vim defendendo esse meu lugar específico na música, também no sentido de que não estou interessado em parecer com o rock, ou com o referencial que a galera tem de rock. Às vezes, rola essa discussão quando eu chego em algum novo público por algum motivo, um festival maior que eu faça, uma página grande que me cite e aí vai chegando gente nova. Sempre vem um comentário pra dizer que o que eu faço não é rock.

Na real, pouco importa pra mim. Na minha cabeça, eu criei uma subjetividade do que significa esse rock para mim. A partir disso, eu vou criando minha música com mais liberdade. Tava pensando nesses dias, será que essa pergunta sobre ser rock ou não, é mesmo relevante? Será que não é possível escutar e entender se isso afeta, se te faz se identificar, se curte ou não, não seria isso mais relevante na hora de ouvir uma música?

Como foi o processo de criação de Jesus Ñ Voltará

Esse álbum demorou, mais ou menos, três anos para ser produzido. A produção começa ali por 2021, naquele “vai num vai”, abre e fecha do lockdown. Então, a gente passou um tempo produzindo quase que de forma remota. Uma parte reunimos online. Numa primeira fase estávamos eu, Caiô e Agê, um que trabalha mais nessa pegada soul e R&B, e outro que tem uma pesquisa muito voltada para o reggae dub. Juntamos essas três cabecinhas totalmente diferentes para começar esse trabalho.

Fiz uma campanha de financiamento numa parte desse processo. Essas necessidades, de gravar o coro, o arranjos de backing-vocal, a bateria, por exemplo, nos exigiu gravar em estúdio e a campanha de financiamento foi essencial para esse momento. Acaba que, nesses três anos, foi chegando muita gente. Tem os beats do Nego Célio, tem o glhrmee que começou a fazer uma parte de edição e depois foi entrando na produção também. Tem as meninas que fizeram os backs, a mumutante, a Jocasta Britto e a Bugzinha

O álbum tem alguns feats. Três de Fortaleza e dois de fora. Todas são pessoas que eu tenho alguma proximidade ou relação. É um álbum cujo todas as letras estão costuradas por memórias e histórias reais, ao mesmo tempo abre um diálogo sobre a questão racial pensando saúde, processo de vida, de cura, de adoecimento. Um álbum sobre isso, pensando como o racismo e a colonização afetaram e afetam nossas vidas cotidianamente. Esse trabalho é cheio de memórias e histórias reais, da minha vida, de pessoas próximas. As pessoas que entram para os feats, vem trazendo um contraponto, ou aprofundando a história. Entendo que esse álbum é como uma grande conversa que se abre em torno de lembranças.

Assista o clipe de “Jesus Ñ Voltará”:

E por que Jesus Ñ Voltará?

O título vem a partir da própria música. Acho que ela é uma música que consegue explanar sobre o que serão todas as outras histórias em torno do disco. Ela anuncia quais caminhos o álbum vai trilhar. Entendo que para uma visão um pouco mais conservadora, religiosa, pode parecer um pouco chocante, mas com um olhar aberto, carinhoso, vai perceber que a música está falando mais sobre a despedida de alguém, um alguém bem metafórico, do que sobre a própria imagem do Jesus da bíblia.

Pensando que é um álbum que fala sobre despedidas, que é uma palavra presente o tempo todo nas músicas, tem gente pensando em partir, tem sentimento de saudade, nostalgia, pensamentos sobre o futuro, lembranças do passado. É um trabalho que está pensando sobre essa passagem pela vida numa perspectiva favelada, nordestina, a partir das experiências que eu tive até aqui.

Em relação à Rolê nas Ruínas, seu primeiro álbum, que momento da sua jornada como artista ele representa e qual Jesus Ñ Voltará representa agora?

Por incrível que pareça, os dois álbuns nasceram quase juntos. Pelo menos, na minha cabeça. Eu comecei a compor essas músicas meio que misturadas num mesmo período. O desenrolar deles é que teve caminhos diferentes, e eles foram se separando. O Rolê nas Ruínas, de certa forma, representa um Mateus que era um pouco mais jovem, estava muito sem perspectiva de futuro, tava muito na correria, pegava muita traseira de busão para conseguir ensaiar, para poder sair do bairro dele que era lá distante, numa outra ponta da cidade e fazer uns corres numa parte mais central de Fortaleza. Ele representa esse Mateus que ainda era muito inocente mas tinha muita coragem e não sabia bem para onde ir, estava buscando. Era um Mateus da rua, que ainda não pensava “quero ter uma casa”, que ficava pensando

“e aí? O que vai acontecer? Que desgraça é essa de ida e volta que nada acontece? Nenhuma porta se abre. Tento me manter vivo, me sinto vulnerável, tenho medo”. No Jesus Ñ Voltará tem um Mateus que está pensando que quer mais do que sobreviver, quer envelhecer, quer construir raiz. Por isso ele volta tanto no passado, na infância, por isso ele lembra de tantas pessoas que partiram justamente por estar pensando na vida. Tem esses dois Mateus, o mais correria e o mais nostálgico, sonhador.

É sua segunda chegada por Recife. Ano passado você esteve no No Ar Coquetel Molotov. Como você sentiu a recepção do público lá? Te deu um termômetro do público recifense quanto ao seu som?

A primeira vez que fomos a Recife foi no Coquetel Molotov. Está, sem dúvidas, entre os nossos melhores shows do ano passado. Foi muito emocionante. Tinha muita gente cantando junto. Estávamos tendo a primeira experiência de sair do nosso estado, foi uma grande surpresa chegar aí e cada pedacinho, de cada letra, de cada música, ter muita gente cantando. Para mim, isso é forte, me passa a visão de que a mensagem chegou e ficou na cabeça das pessoas. Espero que essa volta seja tão emocionante quanto, estou na expectativa desde já.

@fabianojrphoto
Mateus e a família Fazeno Rock. Foto: Fabiano Jr. (Divulgação).

E sobre o Rec-Beat, como foi receber esse convite e o que você conhece do festival?

Acompanho o festival pela internet há bastante tempo. Vai ser nossa primeira vez tocando no Carnaval. No geral, nos primeiros três meses do ano, é um momento que nunca tem show. Tô sempre ali parado, contando as moedas e pensando ‘passa logo isso para eu poder trabalhar um pouquinho, não aguento mais’. Graças a Deus, a gente começou esse ano já tocando, e agora vai ser no Carnaval, no Rec-Beat, tem toda uma emoção nisso. Esse é um dos palcos que acompanhei pela internet, vi outros artistas tocarem. Vai ser massa estar junto de uma galera, virar a noite com a Ebony, o Rico e com os outros artistas que passei a conhecer que vão tocar lá.

O Rec-Beat tem uma característica democrática, tanto nas atrações, quanto no público por ser um festival gratuito e no fervo do Carnaval recifense. Quais suas expectativas para o show e o que podemos esperar de Mateus no palco?

Minha expectativa é reencontrar as pessoas que vimos em outubro do ano passado, espero que elas estejam lá, vibrando. Sei que vai ter um pessoal de Fortaleza, espero todos lá na grade. Minha expectativa primeira é essa, sentir o povo que já nos conhece chegando junto, e que o show consiga emocionar quem vai nos ver pela primeira também. O que Recife pode esperar é que a gente chega de bonde num show com muita dança, muito plural, onde nem de perto eu sou a imagem central. Um show construído pela família Fazeno Rock. Nos divertimos muito fazendo show, espero que vocês se divirtam também.

Ouça Mateus Fazeno Rock – Jesus Ñ Voltará

Leia mais entrevistas

Programação do Carnaval 2024
Shows no Marco Zero: Gilberto Gil, Ludmilla, Luísa Sonza, Alceu Valença
Rec-Beat: Letrux, Ana Frango Elétrico, Urias
Praça do Arsenal e Pátio de S. Pedro: Rubel, UANA, Marcelo D2
Olinda, praça do Carmo: Nação Zumbi, MC Tocha, Siba
Olinda, Guadalupe
: Conde Só Brega, Dany Myler, Abulidu