Pedacinhos
Shintaro Kago
Darkside Books, 218 páginas, R$ 61,43 / 2024
Tradução: Luis Claudio Bodanese
Shintaro Kago debutou nos mangás em 1988, e ao longo dos quase 40 anos de carreira, o mangaká solidificou seu nome no Ero Guro (Erotique Grotesque), campo artístico japonês que captura a atenção por seu absurdo nas Ilustrações gráficas, com referências violentas, sexuais e escatológicas.
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Pedacinhos, novo trabalho do autor que chega ao Brasil pela Darkside, monta o cenário clássico: um serial killer começa a matar mulheres jovens em uma região de Tóquio e tem como sua “assinatura” deixar suas vítimas cortadas ao meio. Normalmente, o leitor se empenha em descobrir quem é esse assassino – o Maníaco Fatiador – a partir das nuances soltadas pelo autor ao longo da história, e é nesse ponto que o mangá subverte a lógica.
Com uma narrativa paralela que tem o próprio Kago como personagem, o autor fala do caso do Maníaco Fatiador como uma referência para suas obras de mistério e passa a comparar a realidade com a ficção, numa linha de raciocínio que destrincha o estilo das narrativas visuais e distorce tudo que se considera real em um mangá.
Essa discussão metalinguística, que começa vagarosa, depois se prova como a parte mais atraente da obra. Aos poucos, Kago expande os limites de sua criatividade e se desprende da própria lógica para questionar as “certezas” de um conto de mistério, a linguagem visual e as possibilidades de caminhos que existem para se levar qualquer história. Em certo ponto, o mistério do Maníaco Fatiador – que nem chega a ser mistério mais – vira uma narrativa secundária, e o importante é acompanhar as explicações insanas de Kago sobre como brincar a ficção.
Em determinado ponto, Pedacinhos chega no nonsense, e isso acaba não sendo incômodo. Pelo contrário, quanto mais forçam os limites da criatividade, do sentido e quantos mais estranhas as possibilidades, mais interessante fica.
Além do conto principal, que ocupa metade do volume de páginas, o livro Pedacinhos ainda reúne outros quatro contos de Kago, todos mais curtos e mais calmos que a história principal, mas não menos interessantes. As características do Ero Guro permanecem, mas numa linguagem mais subjetiva. O horror visual está alinhado às mentes perturbadas dos personagens, de um jeito que a automutilação e a violência parecem ser a erupção dos desejos e dos traumas.
Assim como os os trabalhos de outros autores que estão no território do horror, a obra de Kago chama atenção, claro, pelos visuais chocantes e pelos enredos repletos de contextos violentos e sexualmente perturbadores, que então abrem espaço para os temas psicológicos. No entanto, é a discussão sobre limites e possibilidades do mangá que destaca Pedacinhos de outras produções, com uma estrutura improvável de reproduzir ou replicar.
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