Chanel é a queridinha do Brasil e segue brilhando no universo de Drag Race Brasil, reality show criado pela drag queen americana RuPaul e famoso no mundo inteiro. A queen de Niterói, no Rio de Janeiro, que conquistou o público com seu carisma e criatividade nos dois primeiros episódios da segunda temporada, agora estreia como apresentadora do “Mostra a Mala”, novo programa derivado da franquia, com lançamento nesta quarta-feira (30), na plataforma WOW Presents Plus.
Na atração, Chanel recebe semanalmente uma eliminada da temporada para um bate-papo exclusivo entre colegas de elenco, uma oportunidade de revisitar os bastidores e, claro, uma vitrine de looks que ficaram guardados na mala. As convidadas mostram figurinos que levaram para a competição, tanto os que foram usados quanto os que não chegaram à passarela. “Não fui escolhida. O Mostra Mala é uma distribuição da WOW, mas é uma produção da minha equipe, que idealizou o projeto”, afirma.
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Mais nova entre as dez concorrentes (22 anos), ao longo da sua trajetória, a rainha já acumula vitórias em duas competições do gênero. A artista iniciou à carreira da arte drag aos 15 anos, enquanto estudava no Colégio Pedro 2º, unidade de Niterói. Foi nesse ambiente escolar, conhecido por suas ações culturais e forte atuação estudantil, que ela encontrou acolhimento. Participou do coletivo LGBTQIAPN+ Retrato Colorido e protagonizou um discurso na aula inaugural que viralizou nas redes sociais.
Em 2018, com 15 anos, apresentou-se pela primeira vez montada em um show de talentos do colégio, com uma performance de Gloria Groove e Pabllo Vittar. Teve uma aclamação absoluta, com toda a plateia gritando “Chanel”. O nome é uma referência à personagem vivida por Emma Roberts na série “Scream Queens”, da qual a artista é fã. “Foi muito divertido e surreal, tanto que foi uma experiência catártica. Foi ali que entendi que eu era Chanel e que entendi o que queria fazer”, relata.
“Não esperava de forma alguma que fosse eliminada naquele episódio”, conta Chanel, em entrevista à Revista O Grito! logo após sua eliminação, e, apontou, ainda que uma das maiores frustrações da saída precoce foi justamente não poder mostrar tudo o que havia preparado para o programa. Confira:
Qual expectativa para o Mostra a Mala e o que público vai poder conferir no programa? Como se sentiu ao ser a escolhida dentre todas as queens para apresentar?
A expectativa é de que o público sinta-se contemplado. Estou muito feliz com a recepção que tenho tido do pessoal desde a minha eliminação e espero que continuem me amando, aproveitando e que a gente siga nessa energia gostosa e que possam ter mais do que eles pediram, mais da Chanel e, acima de tudo, mais dessas outras queens.
É um elenco tão talentoso e potente que a gente tem, então é uma honra muito grande poder dar mais espaço para essas meninas, as minhas irmãs poderem mostrar tudo que elas têm para entregar, porque somos um elenco talentosíssimo, muito capaz. Espero que o público se abra para conhecer mais da gente.
Sobre ser escolhida para apresentar o programa, essa é a parte engraçada. Não fui escolhida. O Mostra Mala é uma distribuição da WOW, mas é uma produção da minha equipe, que idealizou o projeto. Entramos em contato “meio na cara de pau” e, para nossa surpresa, toparam desenvolver.
É uma parceria que estamos tocando juntos, mas é uma ideia que vem da minha equipe, e que a WOW foi maravilhosa em aprovar e topar entrar com a gente nisso. Tem sido um sonho. Para mim tem sido a prova de que o trabalho vence tudo. Não importa de onde você saia ou como que seja a sua trajetória na competição, o que vai definir sua carreira e o rumo das coisas é o seu trabalho, a sua perseverança e, acima de tudo, a sua cara de pau. Cara de pau é fundamental para as coisas andarem nessa vida!
Você é oriunda de Niterói, no Rio de Janeiro. Quais influências da cidade e do estado na sua arte?
Eu acredito que a localidade vai estar presente em tudo que toca o artista, principalmente na arte drag, porque essa é uma das formas de expressão artística que mais bota para fora a nossa visão, uma representação do que a gente tem para jogar para o mundo.
E é uma arte também que é muito pautada nas relações familiares que a vamos formando com a nossa cena, porque drag não se faz sozinha. Até falei no primeiro episódio que “drag é um bando de viado pobre se juntando pra fazer um viado pobre parecer menos pobre”. É isso: drag é muito pautado nas pessoas que têm a nossa volta, porque ninguém consegue fazer drag sozinha. É tudo muito caro, muito difícil e trabalhoso. Enquanto estou aqui dando essa entrevista, meu namorado está colando pedra, meu amigo fazendo a assessoria, estou tendo contato com 60 mil pessoas, tem outro amigo que está fazendo outro look…
Então é uma arte que é muito colaborativa. Apesar de, muitas vezes, ser uma pessoa só que sobe no palco, tem pelo menos umas cinco que compraram o rolê daquela pessoa e que estão ajudando simplesmente porque acreditam que vai dar certo. Isso quando não são outras drag queens também, porque essas pessoas podem ser drag queens ou não.
Na minha equipe tem gente que é drag e tem gente que não é. É muito da colaboração, é muito feito na fé. Não tem como o trabalho dessas pessoas que estão ajudando não reverberarem na sua drag. Por isso, acho drag é um produto altamente regional, altamente cultural. Uma drag representa muito a sua cena, porque leva muitas pessoas junto e ela leva muito da cultura com ela. A drag é um produto de onde ela é feita, e a minha drag é feita no Rio de Janeiro, em Niterói. Aliás, mais no Rio do que em Niterói. Apesar de eu ter nascido em Niterói, apesar de morar em São Gonçalo, os concursos que participei são todos do Rio. As drags com as quais criei relação são todas do Rio. Então, querendo ou não, é o trabalho dessas pessoas que acabam respingando o meu.

De onde vem a escolha do nome da sua drag?
Foi um grande acidente. Se pudesse escolher, com certeza teria escolhido algum nome que não fosse registrado como marca. É ótimo, tem impacto, tudo mais. Agora, vai desenvolver qualquer coisa lucrativa em cima desse nome pra você ver. Adoro, agora que saiu do controle, e é isso. Sou uma pessoa muito de surfar com a vibe. A história por trás do nome é simplesmente complicada, porque eu comecei a estudar no Colégio Dom Pedro 2º, que é uma escola federal aqui de Niterói.
Quando entrei no colégio, não dava para ver o nome verdadeiro da pessoa. Apenas o arroba do WhatsApp. Anos antes de entrar no colégio foi lançada aquela série Scream Queens, da qual eu era muito fã. É uma série de terror, uma sátira, dirigida pelo Ryan Murphy, que tem a Emma Roberts como protagonista. E a personagem era essa patricinha, meio Regina George. E eu estava naquela fase de adolescência em que ser Regina George parecia o máximo.
A bicha na adolescência passa por essa fase, acha que é legal escrotizar os outros. No início, quando era muito fã, coloquei “Chanel nº 1” no arroba do WhatsApp. Quando entrei nos grupos de escola, era tudo que as pessoas viam, porque as pessoas não sabiam meu nome. “Quem é a Chanel? Mas quem é essa Chanel do grupo? É Chanel mesmo o nome?”. E como sou dissimulado, dizia que era o meu nome do meio.
Para quem sabia qual era o meu nome morto na época, eu falava: “Esse é o nome do meio, está na identidade, te mostro…”. Eu nunca mostrava, mas falava com muita convicção, as pessoas acreditaram. No final, acabou pegando no final das contas e todo mundo só me chamava de “Chanel” na escola antes mesmo de ter a drag.
Isso saiu do controle e, quando comecei a me montar, me produzi pela primeira vez para participar do show de talentos da escola. E eu precisava de um nome artístico, Chanel já estava ali, todo mundo chamava assim, resolvi não nadar contra a maré. Dali em diante, nunca mais me livrei. Nos meus primeiros anos as únicas apresentações que fazia eram na escola mesmo. Então a culpa é do Colégio Dom Pedro 2º.

Você entrou com o look do colégio na sua entrada. E qual é o tamanho da importância que o colégio representa na sua vida?
Entrar no reality com o uniforme do Dom Pedro 2º é pagar uma dívida que tenho com a minha criança interior, foi quem começou tudo ali, que era aquela criadora sem noção que se montava no banheiro do colégio para fazer show no pátio. Desde aquela época, por mais que fossem coisas muito pequenas e muito experimentais, sempre acreditei muito no meu potencial. Sempre foi um sonho muito grande chegar ao Drag Race. Mesmo antes de existir o Drag Race Brasil, quando era só um reality americano, e era isso que a gente tinha para sonhar.
Também é muito importante porque é um lugar onde ganhei meu nome, local onde pude me desenvolver e me sentir segura artisticamente, porque também foi uma comunidade que me apoiou muito. Foram muitas coisas vividas e passadas lá. É um sonho que muita gente comprou e acreditava que seria incrível, gigante, mesmo vindo de um adolescente de saia cantando no pátio da escola.
Então, para mim é muito importante, agora que cheguei a algum lugar, trazer o uniforme, esse símbolo comigo, e principalmente, pelo meu eu de 14 anos que teria surtado vendo isso, quanto também por todos aqueles que estavam lá me assistindo, me incentivando, mesmo eu fazendo as piores apresentações do mundo, essas pessoas que diziam que eu iria vai ser muito grande! Estávamos todos certos, gente. Parabéns, equipe.
Você se lembra da primeira vez que se montou?
Apesar de ser “barely drag”, na linha do deixar de ser drag, não havia peruca e nem nada, mas tinha o nome. Isso para mim vale mais do que qualquer coisa. Foi para um show de talentos do colégio, uma apresentação de “Bumbum de Ouro”, com o “Problema Seu” da Pabllo Vittar.
Foi muito divertido e surreal, tanto que foi uma experiência catártica. Foi ali que entendi que eu era Chanel e que entendi o que queria fazer. Soltei um vídeo com um uniforme do Colégio Pedro 2º em que começo caminhando pelo colégio e tem o pessoal batendo palmas e gritando: “Chanel, Chanel!!!” Esse áudio é da minha primeira apresentação. Aquilo é tão animado que as pessoas estavam a ver a minha primeira apresentação. Usei esse áudio porque ele exemplifica muito bem o que é ser estudante do Pedro 2º e o que foi aquele momento de ser estudante de lá, porque, genuinamente, me senti a maior estrela do mundo, porque é assim que as pessoas me tratavam.
Foi um momento muito especial, me senti muito querida, muito amada e validada Isso é fundamental também, porque se a gente não se sente bem, não continua fazendo as coisas. Foi fundamental em todos os níveis para que me desenvolvesse artisticamente.
Você tem quantos anos de carreira de drag?
Tem dois pontos de partida: comecei em 2018, desde o 5º ano, então já são sete anos. Se for contar desde começar a fazer seriamente para competir, participei do meu primeiro concurso no Rio em 2023. Então seriam dois marcos.
Você também é professora de inglês. É verdade que a maioria dos seus alunos é formada por crianças?
Eu dou aula para todas as idades. Sou professora de curso, a gente dá aula pra todo mundo. A minha aluna mais nova tinha cinco anos. E a aluna mais velha, 75. Tive a oportunidade de trabalhar com várias turmas de várias cidades diferentes. O engraçado é que, por muito tempo, nos primeiros anos em sala de aula, o tabu era eu dar aula para criança. Era um grande viadão, uma drag queen. Eles tinham pavor de deixar eu chegar perto das crianças, e São Gonçalo é uma cidade quintal do Bolsonaro. É uma situação babadeira. Nesse cenário, os pais são um grande problema, eles sempre tinham esse receio de me colocar perto das crianças.
Assim que me assumi trans, fui demitida coincidentemente na mesma semana por um motivo que não tem nada a ver. É só uma “coincidência”. Na semana em que me assumi, não aconteceu nada e eles falaram em demissão. Fui desligada dessa escola. Na época, como estava namorando uma pessoa que morava na Gávea e tinha uma outra unidade dessa mesma marca do lado da casa da pessoa, resolvi enviar meu currículo. Então comecei a morar e trabalhar na Gávea, onde pude ter outra experiência, porque era uma outra equipe, com uma outra visão. Além disso, outra região, com uma outra cultura e muitos pontos de vista.

(Foto: Divulgação).
Foi um choque porque a primeira turma que eles deram foi uma turma de “tots”, que são crianças pré-alfabetização. Não são nem criancinhas, são aquelas que estão aprendendo a falar ainda. É uma experiência babadeira, porque antes não me deixavam nem chegar perto de criança.
Sempre fui muito queer, muito LGBT e não havia um pensamento de não me deixar perto de crianças. Então fui acreditando por um tempo que não sabia lidar com crianças. E lidando com elas, foi justamente ao contrário: lido muito bem com crianças, consigo botar uma turma de criança em ordem. Tanto que eu nunca me esqueci na primeira semana de aula. Descia para a recepção e as meninas questionavam: “Como é que você faz elas ficarem em silêncio?”. E eu: “É, bebê, aqui o bagulho é outro!”.
Na mente de uma criança funciona de uma forma muito simples: se você chega na frente dela com cabelo longo, um vestido e você se apresenta por um nome feminino, elas não contestam mais nada. Elas só aceitam e seguem a vida delas. Às vezes, as crianças me fizeram perceber que é muito mais simples do que a gente pensa.
Chanel
Isso também tem muito da relação da drag com o teatro, que ajuda muito. Hoje em dia, a gente tem que competir com muita informação para conseguir reter a atenção das crianças e conseguir mantê-las interessadas. É preciso ter experiência de palco, também saber de usar elementos gráficos, maquiagem, roupa… para construir uma imagem chamativa para os olhos delas. Foi fundamental para o desenvolvimento desse trabalho, para a relação que a gente criou. E nossa, foi muito legal, sinto muita saudade das minhas meninas.
Essa é uma experiência positivíssima e que mudou também quem sou enquanto pessoa. Foi uma fonte de inspiração para várias coisas de drag. Querendo ou, foi o que movimentou as redes durante um bom tempo. E também foi um aprendizado, porque a gente chega sempre esperando uma reação atípica. Mas as crianças agem com tanta naturalidade. Elas estão cagando [pro preconceito]! E elas me deram uma aula muito grande sobre preconceito, porque passava muito na minha cabeça essa coisa de errar o pronome, de não tratar no pronome certo.
Lidar com as crianças resolveu muito isso na minha cabeça, pois percebi que não vale a pena me estressar, porque quem quiser desrespeitar vai desrespeitar independentemente de qualquer coisa, não importa o quão feminina você pareça. Na mente de uma criança funciona de uma forma muito simples: se você chega na frente dela com cabelo longo, um vestido e você se apresenta por um nome feminino, elas não contestam mais nada. Elas só aceitam e seguem a vida delas. Às vezes, as crianças me fizeram perceber que é muito mais simples do que a gente pensa.
As pessoas se perguntam: “Como é que eu vou explicar para o meu filho?”. Gente, não precisa. Seu filho só está interessado se a pessoa é legal ou não. Se a pessoa for um saco, ela não vai gostar da pessoa independentemente da orientação sexual ou do gênero ou do que for. Foi um aprendizado muito gostoso observar a forma como a cabecinha das crianças funciona e como para elas preconceito é uma coisa que não faz sentido. Preconceito é uma coisa que você tenta enfiar na cabeça das crianças.
Nunca passei por nenhuma situação de desrespeito dentro dessa escola específica com a equipe, mas já tiveram algumas pessoas de fora que trataram no pronome errado. Era muito engraçado como as crianças sempre tem ideia do que é ser trans, até porque a gente nunca teve essa conversa. Elas só me abraçavam e ponto. Toda vez que alguém tratava no pronome errado, elas faziam uma cara muito genuína: “Você é cega?”. E era muito engraçado, quase me mijava de rir.
Além disso, tinha umas perguntas muito genuínas e muito engraçadas. Uma vez, uma menina olhou pra mim e perguntou: “Tia, por que você tem barba?”. Primeiro fiquei me questionando: “Como assim eu tenho barba?”, porque eu depilei. Então, respondi: “Malu, algumas meninas têm barba e está tudo certo”. E ela: “Vou ter barba quando crescer?”. Juro, nunca vi uma criança tão aterrorizada na minha vida! E eu: “Não, Malu, você é diferente de mim!”, para alívio dela!
A primeira coisa que minha equipe me mostrou foi um tweet da Dacota Monteiro falando: “Essa menina aqui parece que é minha filha com a Organzza, vou adotar!”. Para mim, ela é a “ref da ref da ref da ref!” Sou obcecada pelo trabalho dela e hoje fico muito feliz que a gente tem uma relação mais próxima de mãe e filha mesmo.
Chanel sobre Dacota Monteiro
Quais são suas maiores influências enquanto artista?
Amo cinema e teatro, desenho, quadrinho, sou bem nerdola. Minha drag bebe muito da fonte da fantasia. A maior parte das minhas montações mais famosas são reproduzindo grandes personagens. Tenho um vídeo viral de Ursula de A Pequena Sereia, outro como a Menina d’O Exorcista, outro como a Mônica. Minha drag é sobre viajar nesses mundinhos.
Sobre pessoas, a Dacota Monteiro sempre foi uma referência muito grande para minha drag. Hoje em dia, ela é minha mãe drag, me adotou e fiquei muito feliz, porque antes de entrar no programa falava que a única opinião que tem poder de me afetar de alguma forma é a dela, não ligo para opinião de mais ninguém. Mas se ela não gostar de mim, me mato. Saí do programa e voltei da gravação já com ela falando em cima dos rumores.
A primeira coisa que minha equipe me mostrou foi um tweet da Dacota falando: “Essa menina aqui parece que é minha filha com a Organzza, vou adotar!”. Para mim, ela é a “ref da ref da ref da ref!” Sou obcecada pelo trabalho dela e hoje fico muito feliz que a gente tem uma relação mais próxima de mãe e filha mesmo. Ela me ajuda com tudo que preciso, me dá conselho, dá bronca, puxa a minha orelha. Uma grande diva.
Além disso, não tem como não ter como referência as mulheres da minha vida, como a minha mãe, principalmente. Ela é uma grande diva, adora aparecer. Uma vez perguntaram pra ela o que ela mais vê dela em mim e ela falou que era a vontade de aparecer. Isso realmente combina.
Sou muito fã da Linn da Quebrada. Ela provavelmente tem um dos trabalhos que mais impactou no meu desenvolvimento enquanto pessoa e enquanto artista, com o Pajubá. Esse álbum moldou a minha trajetória e minha cabeça para o mundo. Sou muito geração Gloria Groove. Amo muito a Pabllo Vittar. Quando estava começando, a Gloria era Deus e tudo o que ela fazia era a Bíblia para mim. Sou muito fruto do trabalho delas. E tem a Urias, que sempre me inspira. Toda vez que aplico uma injeção de hormônio e vou à academia é para ficar mais parecida com a Urias.

Você citou a sua mãe. Como é a relação com a família? Como é que eles encaram a sua carreira com o drag?
A relação com os meus pais é ótima. Eles são meus maiores fãs. Eles estavam assistindo à premiere comigo no boate Pink Flamingo [no Rio de Janeiro]. Lutaram contra o sono até mais tarde que eles conseguiram para me assistir. É um momento de celebração muito grande para gente, porque principalmente a drag já foi motivo de muito conflito familiar e de muito conflito entre a gente. Foi uma briga que comprei, então hoje é uma sensação de ter ido atrás e fazer acontecer.
Estamos nas nuvens, como uma calma depois da tempestade. Passamos por um bocado para chegar até aqui. Está sendo muito legal esse momento de validação do meu trabalho enquanto artista e também deles enquanto pais de perceberem que apostei nisso e deu certo.
O que a gente poderia dizer da Chanel antes e depois da entrada no reality?
Hoje tem uma Chanel mais profissional, com certeza. Desde que voltei da gravação, mesmo antes da estreia da temporada, já fui chamada para ser residente da Pink Flamingo. Minha demanda de trabalho subiu muito, comecei a trabalhar com muito mais frequência do que antes. Antes era uma ou duas vezes por mês. Hoje em dia, semanalmente estou montada, fazendo trabalho, às vezes, a semana inteira.
No pós-Drag Race, sinto a Chanel muito mais experiente e preparada num período muito curto de tempo, porque tem sido intenso desde a volta de Portugal [onde o reality foi gravado]. Mas, de resto, acho que é a mesma. Já era muito boa e tinha uma visão muito boa. E agora tenho mais ferramentas. Não estou rica ainda, mas tenho mais recursos definitivamente do que antes.
E também tem mais aliados que antes, porque o hate só vai crescendo. Agora o hate é nacional. É aquele negócio: agora as bichas pobres que estão se juntando para fazer uma bicha pobre parecer menos pobre, elas não estão só no Rio de Janeiro, elas estão no Brasil todo. Voltei do Recife com o look da Allura Nox [drag recifense filha da Ruby Nox] na minha mala. Tem drag em São Paulo fazendo o look para mim também. Isso tem sido muito legal. A drag tem esse apelo muito grande de conseguir ativar e convencer as pessoas a ajudar só porque elas curtem o seu rolê e acreditam no seu rolê. Tem gente que quer trabalhar com você simplesmente porque elas te acham foda. Isso é lindo, é uma honra e um prazer gigantescos.
E é muito bonito também como é que o programa vai expandindo isso. Com mais gente conhecendo o meu trabalho, significa mais público comprar a ideia e falando que quer fazer parte disso. Tem sido muito legal ver essa rede se expandindo. A minha parte preferida é sempre conhecer as pessoas, conhecer as histórias e ver como que a gente pode somar um com o outro. Então ter a oportunidade de fazer isso em escala nacional tem sido babadeiro.

Você e Mellody compartilharam conosco um dos momentos mais fortes da temporada, abrindo-se sobre a vivência trans na sociedade brasileira. Fala daquele momento do episódio a respeito do debate de uma pauta tão necessária.
É um momento muito importante, tenho recebido muito feedback sobre esse momento. O que é engraçado, porque quando a gente está vivendo, não para muito para pensar em como vai ressoar nas pessoas porque é só a nossa vida. É muito impressionante como as pessoas estão tocadas por esse momento. Para mim, é só uma conversa normal. Quando estava na frente daquele espelho, só estava nervosa, porque sabia que o meu look ia ser uma merda, sabia que o look da Mellody ia ser uma merda.
E ela senta e começa a falar na frente do espelho e estava. “Meu Deus, eles vão usar isso na edição e vão jogar a gente no bottom!”. A gente estava entregando a narrativa perfeita na mão deles. A Mellody estava falando e eu respondendo, mas por dentro queria calar a boca dela e falar disso depois. A cabeça só tava no look. Juro! A minha cabeça é de editora. Sou roteirista, editora e não sou boba. A cabeça estava: “Ai, ai, o bottom two, ai meu Deus, lá vem, ai, alguém vai embora hoje!”.
Mas foi uma conversa muito linda e muito importante. E é muito relevante ter duas travestis na temporada. Eu fico muito feliz de ter eu e a Mellody. Nós duas somos pessoas diferentes. Não tenho um terço da experiência de vida que a Mellody tem e vice-versa. Seguimos caminhos muito diferentes na nossa trajetória e isso é muito importante também, principalmente por fandom, que, muitas vezes, não tem contato nenhum com a travestilidade.
Posso entender que nós não somos uma massa uniforme de pensamentos iguais e clonadas nas esquinas do Brasil. Cada uma tem uma história, um jeito, uma pessoa única. Ter Mellody e eu é muito importante para isso, porque a nossa drag é muito diferente, a nossa vida é muito diferente, isso é maravilhoso, porque ajuda a desmistificar esses estereótipos que jogam em cima da gente. E serve, também, para as pessoas aprenderem a dar abertura, a nos conhecer e, a partir disso, tirar conclusões sobre a nossa pessoa e a nossa drag. Estou muito feliz de dividir esse espaço com a Mellody de estar lá comigo. Estar com ela foi muito importante enquanto referência, enquanto rede de apoio.
Por mais que estejamos lá e sejamos todas drags, tem coisas que gays cis nunca vão entender o que a gente passa. São desde micro desconfortos até coisas que são muito importantes e deixam a gente muito feliz e para um viadinho pode ser nada demais. Então era muito importante estarmos juntas ali, alguém que realmente entendesse o que a gente está passando e como que a gente se sentia naquele contexto. Foi uma viagem muito doida, mais curta para mim do que para ela, mas foi muito importante ter aquele apoio ali no início.
E como você recebeu a sua eliminação?
A culpa é da Mellody que eu terminei com aquela cara toda destruída, inclusive. É culpa daquela cachorra. Se perceber com atenção, do nada minha maquiagem fica toda destruída, porque chorei para c*ralho naquele trajeto ali da frente do palco até a parte de trás. Não ia chorar, estava “de boa”. Quando estava saindo, vem a cachorra da Mellody me abraça e me debulho de chorar que nem uma criança, num nível jamais visto antes na história [risos].
Terminei com minha cara destruída daquele jeito. A culpa é da Mellody. Imagina eu esfregando a minha cara chorosa naqueles peitões fartos daquela mulher. Saiu tudo. Minha maquiagem ficou toda nos peitos dela. Foi uma comoção aquela eliminação.
Achava que a senhora estaria entre as finalistas e não era para ter saído tão cedo…
Me ver ali na eliminação foi um dos piores momentos da minha vida, porque não esperava ser eliminada de forma alguma. Tinha convicção de que seria finalista do programa. Não esperava de forma alguma que fosse eliminada naquele episódio. Dá para ver na minha cara, no momento que eles chamam a Poseidon [na dublagem pela eliminação]. “O que está acontecendo?”. Me sentia num sonho febril, alucinação, em qualquer lugar, menos na realidade. Foi uma coisa que comeu minha mente ali por um tempinho. Mas também depois de uns três dias, parei de me lamentar, é vida que segue. Durante aquele período, foram três dias de tensão intensa. O que acho importante também é se permitir viver o luto.
No dia da minha eliminação, eu cheguei no hotel, não tirei nem maquiagem e nem a lente, não tirei nada… Só deitei na cama e dormi. Inclusive, acordei cega no dia seguinte, porque eu não tirei a lente [risos]. No dia seguinte, chorava mais ainda, porque ficava: “Puta que pariu! É lente, primeira eliminada, agora eu vou ficar cega nessa porra, não tenho dinheiro para pagar laser para a minha retina. Fudeu!”. Fiquei muito indignada , mas foi passando, me acostumando com a ideia, inclusive. Está sendo muito engraçado acompanhar essa reação do fandom, porque as pessoas estão muito indignadas com algo que já aprendi a lidar. Então está sendo muito engraçado. A galera estava dizendo no Twitter que iria para a frente dos quartéis e tudo. E eu: “Ah, gente, vocês vão superar!” E eu superei.

A senhora era rainha do confessionário, entregava carisma, entregava tudo…
Estava pronta para esse momento. E também adoro os meus dois episódios e a minha participação neles. Estou muito feliz com meus confessions, com o meu look do primeiro episódio. Estou muito feliz com tudo, mesmo no momento que fui mal ainda era divertido de assistir. Todo projeto que entro, meu acordo final é sempre com o público e com o entretenimento geral da nação. Se o povo está entretido, fiz meu trabalho bem feito.
Tinha muito medo das pessoas não se abrirem a me conhecer, porque muitos consomem spoilers. Tinha muito medo dessa parcela do público não se abrir para o meu trabalho por saber que seria eliminada, porque, no fundo, as pessoas querem torcer para quem ganha, então não dão o mínimo de chance para quem não avança na competição, mas não foi o que aconteceu. Sinto que o meu trabalho furou essa bolha.
Me sinto muito feliz porque hoje as pessoas enxergam a profissional que sou e continuo tendo muitas oportunidades. Querendo ou não, tenho um dos nomes mais engajados dessa temporada, então está tudo certo. Como é que pode? A única outra pessoa que foi parar no Trends Topics do Twitter foi a vencedora do desafio. Eu fiz um look cagado e estava lá. Vou dar esse conselho para as outras. Gente, às vezes, vocês precisam ir mal. Às vezes, vale a pena ir mal”.
Estou muito feliz com a recepção e estar em Recife foi uma delícia. Acho que não poderia estar num lugar onde seria melhor recebida, tratada e abraçada, ainda mais eliminando uma recifense. Então estava pensando como seria estar no Recife, eliminando a Poseidon. Ela já perdeu território, é tudo meu agora. Recife está fechadíssima com a Chanel. Por sua vez, Chanel está fechadíssima com o Ruby Nox [risos].
O público se identificou muito com você, Chanel é a verdadeira namoradinha do Brasil. Sobre um All Stars ou Global All Stars, você aceitaria fazer? Ou ainda está muito cedo?
Hoje está zero cedo. Para mim, está até tarde. É só seguir e continuar de onde parou. E também sou uma mulher que sou muito do tempo de tela. Se tiver isso, estou dentro. Qualquer coisa que me chamarem, eu super seria a Jujubee de voltar 60 mil vezes para a franquia. Para mim, é sobre o show e servir TV de qualidade. Qualquer convite que a RuPaul me fizer estarei aceitando, principalmente, se envolver e conhecer a RuPaul pessoalmente. E eu sou lá doida de negar uma oportunidade de olhar para a cara daquele holograma e falar: “Obrigada, minha velha, obrigada por tudo!”.
Será que ela vai seguir os passos da Miranda Lebrão no Global All Stars?
Tomara que não, porque a Miranda também não durou muito. Vou seguir ela até a porta do estúdio do Global. Dali para a frente, vou procurando meu caminho.
A entrevista foi editada para efeitos de maior compreensão e espaço.
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