“Na terra de influencer que só compra, faz cirurgia estética e joga tigrinho, meu papel é trazer as pessoas do meu entorno para realidade”, afirma Bruna Braga, jurada fixa do Drag Race Brasil. Um dos maiores públicos do reality show americano é o brasileiro e, durante muito tempo, eles pediram incansavelmente por uma versão nacional do programa.
A atriz divide bancada fixa de jurados com Grag Queen e Dudu Bertholini. Aos 31 anos, trabalhando com humor há mais de oito anos, Bruna fez parte do time de programas no Multishow e GNT, além de compor o núcleo de humor da TV Globo. Escreveu um longa-metragem para Paramount em parceria com o projeto Narrativas Negras e é uma das primeiras humoristas da nova geração a ganhar destaque na comédia nacional. Fez parte do primeiro coletivo de humor composto por pessoas pretas no Brasil, o Coisa de Preto, e esteve, ainda, na segunda temporada do reality LOL: Se Rir, Já Era, da Amazon Prime Video, em que ficou no Top 5.
Ela disse que sofreu ataques de ódio e racismo por estar na bancada do programa. “Desproporcional, injusto e muitas vezes, criminoso. Começou desde os rumores de que seria jurada, ou seja, nunca foi sobre o que fiz ou falei, sempre foi sobre quem sou. E todo mundo sabe o que isso quer dizer”, observa.
A comédia proporciona momentos de diversão, mas também pode ser um elemento poderoso para abordar questões importantes. Questionada sobre Léo Lins, que foi condenado a oito anos e três meses de prisão por propagar discursos considerados discriminatórios contra diferentes grupos sociais durante um show de stand-up publicado na internet, Bruna é taxativa: “Quero que ele se lasque. Que pague o preço de se achar superior à lei, ao bom senso. Crime se paga como? Com condenação?”, dispara.
“Me apaixonei por todas! Foi e é amor, sempre vai ser”, revela a jurada sobre a relação com as queens da segunda temporada. Ela sente, ainda, que foi uma “experiência incrível e insana!” fazer esse trabalho.
A comediante está pronta para representar, com autenticidade, a diversidade e o humor inconfundíveis do Brasil. “Estava uma gostosa nessa temporada, então prometo e não decepcionarei na beleza! E a língua do jeito que o diabo gosta!”.
Aqui, Bruna conta sua trajetória no humor, sua participação no reality, revela bastidores e sua relação com as drag queens. Confira:
Você já tinha esse perfil humorista desde cedo? Quando percebeu que o humor era o seu habitat?
Eu sempre fui espontânea, sempre falei o que pensava e me senti inadequada, mesmo as pessoas ao redor achando isso MUITO engraçado. Como não fazia com a intenção de provocar risadas, me sentia um pouco diferente. Comecei a usar intencionalidade nesse meu jeito depois que percebi que ia ser útil. Fazia humor para não apanhar, não sofrer bullying, me proteger do que poderiam fazer comigo e até mesmo do que fizeram. Parei de apanhar quando me mostrei engraçada. Pararam de rir de mim e começaram a rir comigo.
O que a comédia representa na sua vida?
Representa a minha vida! A minha forma de agir, pensar, viver, respirar, compartilhar, socializar, sobreviver… É o que deu significado ao meu propósito e o que ressignificou a minha existência.
E como foi sua primeira vez?
Todo comediante diz que foi horrível, mas não posso dizer o mesmo. Sempre fui trambiqueira (no bom sentido!) e soube me virar. Então subi no palco com confiança, com uma história estruturada, pisei firme no chão e deixei fluir. A persona, que é a nossa identidade cômica, digamos assim, demora para ser moldada num comediante. A minha surgiu com naturalidade e rapidez porque sempre fui muito dedicada. Podiam não gostar das minhas piadas, do meu show, da minha estética, mas sempre fui autêntica!

Qual a importância da sua representatividade enquanto mulher negra humorista? Esse espaço ainda é majoritariamente masculino, branco, hétero, cis ?
Não gosto de falar sobre representatividade partindo do ponto de que represento algo ou alguém além de mim mesma. Quero que as pessoas se inspirem a contar suas próprias histórias, para que a gente não seja representado e viva as coisas definitivamente. Mas acredito que ter insistido, brigado e lutado dentro em todas as oportunidades que tive de me fazer ser ouvida, resultou em encorajar mais pessoas do meio e espero que essas e outras pessoas nunca desistam! O espaço de poder e circulação de dinheiro continua branco e cis. Hoje somos diversos, entre pessoas negras, LGBTQIAPN+, mulheres, mas tudo ainda circula nas mesmas mãos.
Mude o alvo. Bata em quem sempre bateu. Ou use outros alvos inanimados.
Bruna Braga [sobre os limites do humor e a condenação de Léo Lins]
Nesse momento, com tudo tão tenso, o humor tem um papel ainda mais importante?
O humor sempre vai ocupar um lugar dentro da sociedade que é o de entreter. Muitas vezes, chamar para refletir, mas em total responsabilidade de entreter, sempre! Nem todo mundo chora, mas todo mundo ri. É importante termos algum tipo de alívio ao qual recorrer em dias mais perversos.
Existe limite para o humor?
Com certeza. O crime, por exemplo. E acredito muito no bom senso. Se aquilo te faria tomar um soco do alvo, talvez você não deva dizer. Mude o alvo. Bata em quem sempre bateu. Ou use outros alvos inanimados.
Qual sua leitura sobre o caso do humorista Leo Lins, condenado à prisão por discurso de ódio em um show?
Quero que ele se lasque. Que pague o preço de se achar superior à lei, ao bom senso. Crime se paga como? Com condenação? Então vamos lá! Por mim, esse tipo de patife nem existia mais no nosso meio. Um desserviço e uma vergonha!
Você retornou ao segundo ano como jurada fixa na nova temporada do Drag Race Brasil. Como foi sua experiência em relação à primeira temporada?
Uma experiência incrível e insana! Acho que essas duas palavras definem bem o que senti e vivi. Me diverti e aprendi demais, me vi num espaço onde pude ser uma Bruna que ainda estou descobrindo, mas adorando conhecer! Lidar com os sonhos das pessoas é também lidar com os meus, inclusive os que estavam adormecidos e voltaram a pulsar aqui novamente.

Dudu Bertholini. Blogueirinha foi convidada na estreia da
segunda temporada do reality. (Foto: WOW/Divulgação).
Sente que sofreu hater além da conta nas redes por estar participando do reality como jurada?
Muito! Desproporcional, injusto e muitas vezes, criminoso. Começou desde os rumores de que seria jurada, ou seja, nunca foi sobre o que fiz ou falei, sempre foi sobre quem sou. E todo mundo sabe o que isso quer dizer.
O Brasil é um país continental e cada recantinho tem suas peculiaridades. Você foi criada no Sertão da Bahia. Ainda há muito preconceito com nós nordestinos e você é alvo disso?
Vou te dizer que não sofro o preconceito que vocês sofrem, porque estar em São Paulo, tendo nascido aqui mesmo criada fora, facilita as coisas. A questão do sotaque que perdi muito cedo, inclusive por pressão da minha própria família, mesmo todos sendo da Bahia, faz com que as pessoas sequer percebam minhas origens. Sinto alguma diferença quando estou no Sul do país, eles costumam perceber que há algo de diferente nas palavras que uso, automaticamente apontam um Nordeste hipotético e fictício do imaginário xenofóbico e aí começa a presepada. Mas aqui em São Paulo, as coisas se misturam tanto, que, às vezes, ouço um “você é de onde?”, mas raramente vem com essa carga. Mas ainda existe muito preconceito!
Desproporcional, injusto e muitas vezes, criminoso. Começou desde os rumores de que seria jurada, ou seja, nunca foi sobre o que fiz ou falei, sempre foi sobre quem sou.
Bruna Braga [sobre o “hate” que recebe online enquanto jurada de Drag Race BR]
Você comenta sobre saúde mental e resistência nas suas redes. Qual a importância de abordar esse assunto e como está se cuidando, Bruna?
Acho que na terra de influencer que só compra, faz cirurgia estética e joga tigrinho, meu papel que nem é o de influencer, é trazer as pessoas do meu entorno para realidade. Queria ter sido incentivada desde cedo a me cuidar, mas não tive isso. Cheguei a diversos limites e ultrapassei alguns, fui a fundos de poço inimagináveis e voltei pra arrasar com tudo isso, mas também com o propósito de falar sobre e talvez direcionar um pouco quem precisasse. Faço terapia semanalmente, às vezes faço até duas vezes por semana, faço uso de medicação com acompanhamento, tenho uma alimentação equilibrada, treino, pratico esportes, tenho hobbies, me cerco de pessoas que amo e me amam… Tenho me cuidado assim. Nem sempre consigo fazer tudo, mas, ao menos, escrevo, medito e tento não falhar com as medicações.

(Foto: Divulgação).
Como foi sua relação com queens da primeira temporada e como tem sido agora na segunda?
Me apaixonei por todas! Foi e é amor, sempre vai ser. De algumas me aproximei mais, por questões de agenda mesmo, de encontrar mais vezes e outras não vejo tanto, mas sempre há um contato com muito carinho ainda que virtual. Nessa segunda temporada aconteceu o mesmo, me apaixonei por todas e o mais incrível é que nossas agendas já se cruzam mais, estão todas trabalhando muito e a gente se encontra com mais frequência. Sou louca por elas!
O que você promete nesta temporada: muitos looks belíssimos? Língua afiada e muitas piadas?
Prometo que fiz o que pude, conforme pude, aguentei muito e ainda fui simpática! KKKKKKK Brincadeira! Estava uma gostosa nessa temporada, então prometo e não decepcionarei na beleza! E a língua do jeito que o diabo gosta! Vamos acompanhando.
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