Não se pode negar os feitos de Madonna ao longo das décadas. E eles não se limitam, apenas, na indústria fonográfica, mas também na questão da estética do videoclipe e, sobretudo, na manifestação política através da arte.
Conhecida mundialmente como a eterna Rainha do Pop, Madonna vive novamente um momento de alta na carreira: deve lançar ainda este ano seu novo álbum de inéditas, ainda sem título e data definidos. Mas ela também tem outros motivos para alegria: na última quinta (21 de março), ela comemorou os 30 anos do álbum Like a Prayer, considerado por fãs, especialistas em música e pesquisadores como a melhor produção da artista.
Este é um dos trabalhos mais polêmicos da artista, e também o que mais revolucionou a música pop, colocando o gênero da linha de frente de debates sociais. O quarto álbum de estúdio da norte-americana foi um sucesso de vendas, mas seu maior feito foi mesmo ter quebrado barreiras quanto ao seu alcance. Agora, o pop estava na linha de frente da pauta política chegando a espaços antes fechados a artistas de qualquer calibre. Feminismo, religião, liberdade de expressão e racismo eram temas discutidos ao redor do disco pela mídia e pelos fãs.
Para a carreira de Madonna, Like a Prayer foi um ponto de virada. Já no álbum anterior, True Blue, lançado em 1986, começamos a perceber uma Madonna mais séria, com um teor político aparecendo.
É importante, também, levar em conta o que estava acontecendo no contexto daquela época: em 1989, o mundo era tensão pura: Guerra do Golfo para acontecer, Guerra Fria na cabeça, governo Regan chegando ao fim e início do mandato de George H. W. Bush. Madonna, então já um fenômeno midiático internacional, catalisa tudo isso em Like a Prayer.
O trabalho de Madonna, em Like a Prayer, especificamente, é muito importante, não só para a carreira da cantora, mas para a música pop em geral. “Ela mostrou que a música pop não é uma coisa frívola, meramente descartável. Mas o fato dele ser uma coisa fugaz não quer dizer que ele não apreenda o espírito do tempo dele”, explica a jornalista e pesquisadora Mariana Lins. Pesquisadora em Comunicação da UFPE, ela está desenvolvendo sua tese de doutorado sobre o envelhecimento na música pop.
O álbum apontou novos caminhos, não só para a carreira de Madonna, mas também para de outras cantoras que a sucederam. Um dos casos mais polêmicos sobre inspirações na Rainha do Pop é relacionado à cantora Lady Gaga que, em diversos momentos, foi acusada de ser uma cópia da intérprete de “Like a Virgin”.
A faixa-título do álbum foi uma controvérsia gigantesca. Ele é o disco da política. No videoclipe oficial, Madonna traz um caldeirão questões raciais, feministas e sociais, causando um mal-estar com o Vaticano e que levou a Pepsi a cancelar um contrato milionário que havia estabelecido com a cantora, em que usariam a música “Like a Prayer” como tema da peça publicitária.
No clipe, Madonna interpreta uma mulher que presencia um assassinato de uma garota cometido por jovens brancos. O que acontece, no entanto, é que um rapaz negro tenta salvar a vítima, mas é confundido com um dos assassinos e é levado preso. Nas cenas seguintes, a cantora se mistura a um coral de igreja repleto de mulheres negras, cantando em meio a algumas cruzes em chamas, que pode servir como referência ao grupo terrorista Ku Klux Klan, conhecido por defender ideias reacionárias e a supremacia branca.
Todo esse contexto leva Madonna ao encontro com o que seria um Jesus Cristo negro, representado pela mesma figura do homem negro que foi preso no início do clipe. Em uma das imagens mais emblemáticas do vídeo, a ele tem seus pés beijados pela protagonista. Outro momento polêmico é quando Madonna fere as próprias mãos com um punhal, demonstrando ferimentos iguais aos de quando Jesus foi crucificado.
Mesmo com todas as críticas sobre o videoclipe de “Like a Prayer”, Madonna não hesitou e trouxe, em outras faixas, mais temas que lhe eram caro à época. Falou do empoderamento feminino através da música e do clipe de “Express Yourself”; sobre relacionamento abusivo e agressões físicas, em “Till Death Do Us Part”; abuso paternal e emocional, em “Oh Father”; de separação, em”Love Song”, em parceria com o cantor Prince), a dificuldade em superar perdas (“Promise to Try”, feita em homenagem à sua mãe, que faleceu quando a cantora ainda era criança), e os problemas em encarar as agruras de uma vida adulta e solitária (em “Dear Jessie”).
Tudo isso misturado em um caldeirão sonoro, que misturava pop, rock, gospel, soul, funk, pitadas de R&B e música latina, que nunca ficou aquém do que convenhamos chamar de “bom gosto”.
No encarte do LP e, posteriormente, do CD, Madonna traz uma cartilha de combate ao HIV. “Naquela época foi algo revolucionário. O alerta do uso do preservativo, do surto da AIDS, porque naquela época matava e matou muito amigos dela. Nesse tempo, não tinha coquetel, nem nada. Essa preocupação social da Madonna surge e se consagra em ‘Like a Prayer”, esclarece Mariana.
Na sonoridade, é algo diferente do que a música pop estava produzindo naquele ano de 89, mas também distante do que Madonna trabalhara nas obras anteriores. Na década de 80, foi um ano em que o pop esteve diretamente ligado ao romantismo. Até mesmo as músicas mais animadas tinham essa pegada temática. No álbum Like a Prayer, Madonna traz um pop com influência do rock, soul, gospel e funk. Segundo a revista Rolling Stone, o álbum é o “mais próximo que o pop chegaria a arte”.
Madonna conseguiu influenciar (in)diretamente tantos outros artistas, seja na própria estética do corpo, como também na produção audiovisual. Britney Spears, Christina Aguilera, Camila Cabello, Jeniffer Lopez, Ariana Grande e Lady Gaga são alguns dos nomes que bebem na fonte da eterna Rainha do Pop.
As discussões sobre o feminismo e a igualdade de gênero, combate ao racismo, machismo, violência contra mulher e busca pela quebra de preconceitos são frequentemente abordados nas mais diversas formas de manifestações artísticas e hoje são tidos como valores importantes no trabalho de diversos nomes da indústria do entretenimento. Na música pop, em especial, muito se deve à gigantesca contribuição de Madonna em seu icônico Like a Prayer.