Por Biu da Silva
Depois que os maníacos da sétima arte* conseguiram esgotar os ingressos das pré-estreias em 30 segundos e o povo chique se digladiou para ser convidado para as sessões com as ‘ótoridades’ no São Luiz e no Cinema do Parque, até que enfim os reles mortais poderão saciar a sede de O Agente Secreto, o filme do diretor mais pop e mais badalado do cinema brasileiro dos últimos tempos: Kleber Mendonça Filho. Bom, mas sejamos justos, o cabra arrasa e o filme é bom.
Eu vou logo avisando. O filme é comprido, viu? Tem duas horas e quarenta minutos, mas justiça seja feita, passa ligeiro. Pode acreditar. É tanta coisa na história que quando a gente se dá conta acabou. E isso é uma coisa boa, quer saber? Porque tem uns filmes por aí de três, quatro horas, que os sabidos chamam de slow cinema que são um saco, a trama se arrasta, não acontece nada, quando muito tem um povo numa conversa que não acaba nunca.
Já esse filme, com o pão do Wagner Moura de estrela, não. A demora tem sentido. Porque o diretor é sabido, mas em vez de encher linguiça, ele gosta de contar o enredo tim tim por tim tim, e eu não acho ruim não. Você conhece bem o mocinho, a mocinha, os bandidos que querem matar ele e de quebra ainda tem a perna cabeluda para dar umas risadas.

E quem é das antigas, gosta do Recife e tem saudade de ônibus elétrico, de fusca, de calça boca sino, de cair na muvuca do frevo no bairro de Santo Antônio, da sessão Bossa Jovem no São Luiz, não vai reclamar. Os novinhos e as novinhas também não vão se arrepender, a trama é boa. Tem ação, tem drama e o pessoal trabalha muito bem. Eu não vi defeito em ninguém. Wagner Moura arrasa. Ele faz o papel de Marcelo, um professor que diferentemente de todos os filmes brasileiros em que os nordestinos é que vão pro sul, ele volta de São Paulo para o Recife. Ele tem um passado misterioso e é esse segredo que a gente vai descobrindo aos poucos.
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Como não dá para falar de todos os atores, só vou dizer que no filme tem muita gente conhecida. Tem Hermila Guedes, Thomas Aquino, Alice Carvalho, Maria Fernanda e tem até aquele ator alemão que Kleber gosta é muito porque todo filme arranja um papel pra ele, Udo Kier.
Mas a melhor de todas mesmo é uma atriz do interior do Rio Grande do Norte que fez figuração em Bacurau e, também, entrou no elenco de O Agente Secreto. E pense no sucesso! Nesse filme ela não atua não, ela se amostra. Ela tem 77 anos e se chama Tânia Maria. Ela faz o papel de Dona Sebastiana, dona de uns apartamentos que acolhem refugiados políticos. Isso mesmo, que vocês leram, refugiados políticos. Então, eu não falei nada ainda sobre isso porque o assunto é meio pesado, mas o filme se passa no tempo da ditadura, aquele tempo feio em que os milicos mandavam e desmandavam e ainda torturavam e matavam quem reclamava.
E nisso eu fiquei impressionado, diretor bom é assim, o filme todo parece que a gente está no Recife daquela época. As pessoas nas ruas com medo de falar as coisas, aqueles cartazes de ‘procurados’, como em filme de faroeste, colado nas paredes, uns cabras malvados da polícia dando tiro nas pessoas e jogando o morto na maré. Tem tudo isso no enredo. Mas isso é bom e eu dou todo apoio a Kleber. Filme é pra distrair, mas é também para o povo não esquecer essas ruindades, aprender as coisas e deixar de dar cartaz pra essa turma que só quer venha a nós e não pensa nos pobres.
E eu estou torcendo para os cinemas ficarem lotados, é arretado ver os filmes daqui fazendo sucesso. Porque para um filme ficar rochedo é muito trabalho. Imagine fazer tudo ficar igualzinho como era nos anos 70, as roupas, os carros, os móveis – e Thales Junqueira, que foi quem cuidou disso, conseguiu viu? Ficou top. E depois, juntar uma tuia de pessoas pra fazer figuração, sem contar o pessoal que cuida da luz, do som e das câmeras, que tem que ter o maior cuidado para as imagens ficarem bonitas. Eu reparei tudo isso e dou nota dez.
Por isso os franceses gostaram foi muito, né? Deram prêmio pra Kleber, pro pão Wagner Moura e só falaram bem do filme. E agora o povo já quer que o filme ganhe até Oscar. Cá pra nós eu não sou muito ligado em Oscar, ficar chaleirando americano pra ganhar aquela estatueta que nem de ouro é. Sou bem abusado; ligo não e, agora, eles lá com aquele presidente cor de cenoura é que não quero nem saber. Mas compreendo, é bom para o filme recuperar o que gastou e os produtores ficarem felizes e quererem fazer mais filmes aqui pelo Recife que agora está nos píncaros da glória e tão famosa quanto Nova York ou Paris. Vão ver o filme e depois vocês me dizem o que acharam.
*Esta era a forma como o cineasta e ator do Ciclo do Recife Jota Soares chamava os cinéfilos na abertura de um programa de rádio por ele apresentado na década de 1950.


