True Blood (Sangue Verdadeiro), a nova série da HBO, estreia dia 18, repleta de referências cult destinadas a “pessoas inteligentes”, para usar os termos de seu criador, Allan Ball, de A Sete Palmos (Six Under Feet), vencedor do Emmy. A trama gira em torno da personagem Sookie Stackhouse, vivida por Anna Paquin, a menininha do drama O Piano que cresceu e se transformou na personagem Vampira (Rogue), de X-Men. Pelo primeiro encontro com o vampiro Bill Compton (Stephen Moyer), tudo indica que desta vez ela vai transar de verdade, sem restrições.
A lista de filmes mais recentes sobre o tema daria para preencher várias revistas. Entrevista com o Vampiro, O Pequeno Vampiro, Blade – O Caçador de Vampiros, Drácula de Bram Stoker, Blade II: O Caçador de Vampiros, etc. Sem falar nos livros. Eclipse, o terceiro livro da escritora mórmon Stephenie Meyer, foi o livro que desbancou Harry Potter nas listas dos mais vendidos dos EUA e revelou de vez a série Crepúsculo como fenômeno literário. A história de amor entre Bella Swan e Edward Cullen, que se baseia em abstinência sexual – o rapaz tem de evitar seus desejos pela mocinha, pois pode matá-la – vem conquistando os adolescentes do mundo inteiro, através do livro e do filme. Combina moralismo e uma certa humanização do fantástico, do desconhecido, que no imaginário representa o território da sensualidade. Ou seja, explora a tensão sexual, a libido, mas através da repressão. True Blood também foi inspirada por uma série literária da escritora Charleine Harris, Southern Vampire, da qual foi lançado no Brasil apenas Morto até o Anoitecer. Aparentemente, a história de Sookie nada tem a ver com os adolescentes apaixonados de Crepúsculo. No entanto, um olhar mais atento vai nos revelar que não é bem assim.
A garçonete Sookie é desprezada em sua pequena cidade, Bon Temps, Louisianna, como uma pessoa completamente deslocada. Não se ajusta aos padrões provincianos locais, tem uma característica que faz dela uma anomalia – é capaz de ler pensamentos alheios -, mas tampouco transgride certas regras de conduta moral, a exemplo das namoradas de seu irmão garanhão Jason (Stackhouse) – ela sonha com um amor romântico. Ela se preserva virgem até a chegada do vampiro Bill, de 173 anos, ao bar onde ela trabalha. Bill tem um passado misterioso e retorna a Bom Temps, sua cidade natal, disposto a recomeçar a vida como um cidadão comum. Se em Crepúsculo, Cullen é um vampiro consciente que só suga pequenos animais, enquanto seu mentor e pai só sacrifica vítimas que estão à beira da morte, em True Blood, Bill e os demais vampiros se alimentam de sangue sintético, criado por um cientista japonês, e reivindicam, em programas de televisão, o direito à cidadania. Naturalmente, para apimentar a trama, há vampiros que não querem mudar de vida.
Em Bon Temps, entretanto, nem todos aceitam a idéia de conviver com eles, mas Sookie não hesita em defender o vampiro Bill da maledicência e das trapaças alheias. Ela se identifica totalmente com ele. Bill igualmente reconhece nela uma amiga e a deseja, mas inicialmente se reprime em sugar a moça, temeroso de lhe “fazer mal”. Ball tem uma pegada mais pesada do que a roteirista de Crepúsculo, e cria um cenário mais aterrador. Mas sem dúvida, a fórmula de Harry Potter agora invadiu os domínios de Drácula. Os vampiros foram humanizados, estão integrados a sociedade, não matam mais ninguém. Ao contrário. São apenas pessoas de atitudes alternativas, talvez mais elevadas moralmente do que as pessoas supostamente integradas.
Bill Compton (Stephen Moyer) e Sookie Stackhouse (Anna Paquin)
Mas o poder de matar está lá, é da natureza deles. Anne Rice, em seus escritos sobre o vampiro Lestat, jamais foi tão condescendente. Nem mesmo o cinema alemão, de Fritz Lang, em M – O Vampiro de Dusseldorf, a Werner Herzog em Nosferatu.
True Blood é também o nome de uma nova bebida lançada por ocasião da série que, pelo visto, faz parte do branding do novo produto. Consumismos à parte, True Blood leva a melhor contra Crepúsculo em termos de criatividade, ao menos pra quem passou da adolescência. Não somente pelas cenas de sexo, mas também pelo ar kitsch, que lembra David Linch, instaurado em plena cidadezinha típica de interior dos EUA, com caipiras preconceituosos, garçonetes, policiais corruptos e bonzinhos. Inscrito dentro de uma tendência que Fredric Jameson já nomeou como nostalgia pelo presente, True Blood nos remete ao fim da inocência dos golden years representados pela década de 50, o auge do capitalismo americano, agora apenas uma referência decorativa, em meio à parafernália pós-moderna dos 90, talvez como uma forma de tentar compreender o presente.
Os vampiros parecem estar em primeiro plano na cena contemporânea, a julgar pelos filmes e as listas de livros mais vendidos. Um dado interessante, se levarmos em conta que o vampiro, por não possuir a sexualidade restrita à genitália, simboliza a perversão, em todos os sentidos, o gozo de matar. A prática da antropofagia e da hematofilia com fins rituais foi difundida por várias civilizações antigas, como os maias. Beber o sangue do inimigo derrotado em combate significa, tal qual no canibalismo, adquirir suas principais características. Os anos 80 e 90 trouxeram às telas novas versões deste antigo mito. Quase todas assombradas pelo fantasma da Aids, da repressão. De qualquer forma, vale a pena acompanhar os 12 episódios da série.
Trailer de True Blood (HBO – Inglês)
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[+] Luiza Lusvarghi graduada em Letras e em Jornalismo, mestre e doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Como pesquisadora, dá ênfase aos Estudo dos Meios e à Produção Mediática. Atualmente, é bolsista de Comunicação Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde realiza pesquisa sobre estratégias globais de comunicação para a mídia regional no Nordeste.