“O Brasil está num momento em que a Dona Bárbara mandou tirar a água da piscina. Ela está tentando impedir uma transformação que não vai conseguir impedir. E Dona Bárbara não vai ganhar não!”, brada Karine Teles, que expôs alguns pontos de vista do que está acontecendo no plano político, econômico e social no país. Ela interpretou a patroa do filme Que horas ela volta?, de 2015, com Regina Casé. O longa, que foi dirigido por Anna Muylaert, ganhou diversos prêmios e foi eleito um dos cem melhores filmes brasileiros, segundo a Associação Brasileira de Críticos de Cinema.
Mãe no cinema. Mãe em casa. A atriz fluminense de 42 anos celebra, dentre tantos sucessos, a personagem forasteira de Bacurau, filme dirigido pelos diretores pernambucanos Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, e está isolada em sua casa, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, desde março do ano passado, quando começou a pandemia. “Só dá pra sair de casa com muita segurança. Então, são poucas as coisas que aparecem que realmente me sinta segura para fazer”, revela a artista.
Uma das vilãs do filme, a forasteira tem uma carga altíssima de violência nessa produção vencedora do prêmio do júri no Festival de Cannes, em 2019. “Veio um frio na barriga enorme porque teria que entrar em contato com um lado feio, obscuro, violento, desesperador da humanidade, que é um lado que me entristece muito”, lembra Karine.
Sua estreia como protagonista e roteirista no cinema aconteceu com o filme Riscado de 2011, feito em parceria com o diretor Gustavo Pizzi, seu marido na época. Ela criou e deu vida à Bianca, uma atriz que não deslanchava em sua carreira, precisando viver de bicos para se sustentar. O enredo nada mais é do que um dos dilemas reais de Karine, que levou anos até se assumir como atriz. “A minha história mudou a partir do lançamento desse filme, minha carreira no cinema começou a existir”.
Karine concedeu entrevista exclusiva à Revista O Grito!. Confira:
Você é atriz, roteirista e diretora, e está com um projeto de dirigir um filme. De onde surgiu Karine Teles para as artes?
Quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, saí de Petrópolis [no Estado do Rio de Janeiro], a minha cidade, numa excursão, e vim pro Rio, assistir um espetáculo. Era o Confissões de Adolescente do [diretor] Domingos de Oliveira, com o primeiro elenco: Ingrid Guimarães, Patrícia Perrone… e fiquei encantada. Quando percebi, ao longo da encenação, estava reagindo junto com as atrizes. Ao invés de reagir ao que elas faziam, reagia junto com elas e isso me deu um estalo: “caramba, acho que sei ser atriz, quero ser atriz!”. E cheguei em casa falando pra minha mãe que queria fazer curso de teatro e queria ser atriz. Ela levou o maior susto, mas demorou um tempo. Petrópolis não tinha curso que a gente conhecesse e, dois anos depois, a família inteira se mudou para Maceió. Já sabendo desse meu desejo, meu pai descobriu um curso profissionalizante da Universidade Federal de Alagoas e, com 14 anos, entrei nesse curso. Logo depois, fiz um teste para um primeiro trabalho e não parei mais. Então, foi uma descoberta ali, naquele momento, lembro da sensação, do que senti e sei a sorte que tenho de ter encontrado a minha vocação assim tão cedo. Por mais que tenha demorado muito a parar com os outros trabalhos paralelos para viver do meu trabalho de atriz mesmo e tentar encarar isso desde muito cedo. Eu sei qual é minha vocação, minha paixão e sei o que quero fazer na vida.
Como tem vivido com tamanhas atividades artísticas com o que você faz ao mesmo tempo com a pandemia?
Para mim e para tantas pessoas, a pandemia está durando tanto que estão sendo várias fases. Quando ela começou, estava terminando Malhação na Globo, trabalho que teve um final por conta da pandemia. Depois fiquei alguns meses meio paralisada, sem conseguir produzir muito. Trabalhei um pouco nos meus projetos ano passado e aí veio o Manhãs de Setembro da “O2 Filmes” lá para a Amazon Prime Video e tive a sorte de poder trabalhar mesmo no meio da pandemia. Esse ano, trabalhei também, fiz um espetáculo on line com o Festival de Artes de Hong Kong, codirigi uma performance on line também. Porém, tenho trabalhado muito menos do que gostaria. Um pouco por conta de uma dificuldade de me sentir criativa no meio de tanto desespero, tristeza e revolta. Um pouco porque só dá pra sair de casa com muita segurança. Então, são poucas as coisas que aparecem que realmente me sinta segura para fazer. Desejo que no segundo semestre, eu retome alguma rotina de trabalho porque sou meio workaholic assim, o trabalho me faz bem, tô sentindo falta.
Foi com o filme “Riscado” que você fez sua primeira protagonista. Nessa produção, você escreveu, roteirizou e interpretou. Isso foi um divisor de águas em sua carreira?
“Riscado” foi um total divisor de águas na minha carreira. O filme nasceu do desespero, já era atriz há muito tempo, tava passando perrengue, mesmo tendo profissões paralelas, com grana apertada e contas atrasadas. Nesse momento, pensei em desistir de ser atriz. Pensava: “caramba, tem tanto tempo que faço isso e não consigo viver do meu trabalho ainda, talvez esteja enganada insistindo numa coisa errada, talvez não seja boa, não tenha talento…” Estava cheia de dúvidas e me veio a ideia dessa história com a colaboração do Gustavo Pizzi, que roteirizou junto comigo. Ele é formado em cinema e já tinha dirigido um documentário. A minha história mudou a partir do lançamento desse filme, minha carreira no cinema começou a existir. Tive reconhecimento, alguns prêmios e comecei a ver a possibilidade de viver da carreira que escolhi há tanto tempo.
O que “Que Horas Ela Volta?” representa pra você com a interpretação da Dona Bárbara? Qual sua relação com a personagem?
Que Horas Ela Volta é outro momento muito importante da minha carreira. Fui chamada para fazer um teste e fiquei muito feliz de poder fazer parte porque, quando li o roteiro, sabia que era um filme importante, queria muito conseguir o papel e estar no projeto. Minha relação com a personagem é muito louca porque ela é quase o oposto da minha história, de quem sou e de onde venho. A minha família é de classe média baixa. Meus pais são as primeiras pessoas das duas famílias a ter uma educação mais completa, que puderam entrar na faculdade. Cresci estudando em escolas particulares porque meus pais trabalhavam em escolas, então, tinha bolsa nesses colégios, mas vivendo uma realidade de classe média baixa. Aquele universo do dinheiro quatrocentão do Morumbi de São Paulo, uma realidade totalmente diferente da minha, que só vivi como funcionária, só como empregada dessas figuras nos tantos outros trabalhos que fiz na vida.
Assim, tive que fazer uma construção pelo avesso. Fui construindo a Dona Bárbara mimetizando algumas figuras que conheci, vi e convivi durante algum tempo na vida, vendo filmes, conversando com algumas pessoas, um trabalho de construção mesmo. Foi um desafio muito grande e grande desafio também ser a patroa da Regina Casé, que é essa entidade. Ela é uma figura muito grande na nossa cultura, no meu imaginário, cresci sendo fã no trabalho dela e ter essa força para construir a Dona Bárbara, no sentido de poder conseguir mandar na personagem da Regina, né? Me exigiu muito, muito foco, concentração e foi muito, muito, muito sofrido! Muito difícil! Mas tenho muita alegria de ter participado desse filme, de ter trabalhado com a Anna Muylaert, que é uma pessoa que admiro profundamente. Ela é uma figura inteligentíssima e talentosíssima. Também a Camila Márdila, que conheci ali naquele trabalho e viramos amigas, somos amigas até hoje. Foi um trabalho muito importante pra mim.
Quais contribuições o longa trouxe para o Brasil? E para o próprio cinema?
Na época, Que Horas Ela Volta estava mexendo num vespeiro que é tabu. É cada vez menos, mas ainda é tabu na nossa sociedade, dessa relação com o empregado doméstico. Essa hipocrisia de dizer que são pessoas da família, a falta de respeito a esse trabalho, a falta de direitos trabalhistas e de cumprimento agora de lei tão recente. Olhando pro filme hoje em dia, a gente vê como retrato de muita esperança, de um momento de uma transformação efetiva no nosso país. De fato, muitas famílias tiveram seus primeiros representantes tendo acesso à educação superior e sim: isso é uma coisa que aconteceu e que não tem volta! Muitas cabeças foram “abertas” e não podem ser fechadas. A gente tá vivendo um desmonte – a meu ver – uma reação a isso tudo. Até brinco: digo que o Brasil está num momento em que a Dona Bárbara mandou tirar a água da piscina. Ela está tentando impedir uma transformação que ela não vai conseguir impedir. E Dona Bárbara não vai ganhar não! Oremos!
Depois, com Pizzi, você roteirizou “Benzinho”, também dirigido por ele. Dando vida à Irene, mãe de quatro filhos, sua interpretação comove ao retratar a maternidade real e a partida dos filhos quando resolvem sair de casa para viverem suas vidas. Qual sentimento de fazer esse filme?
Benzinho vem da transformação que a maternidade foi na minha vida. Percebo muito claramente a força dessa transformação em mim e, a partir da minha maternidade, comecei a entender a minha mãe. Saí de casa muito cedo com 17 anos, quando terminei a escola para fazer a faculdade e vim pro Rio de Janeiro fazer teatro. E minha família mora em Maceió até hoje. E o Gustavo também teve essa experiência muito cedo e, um dia, a gente conversando, falou: “caramba, se nossos filhos saírem de casa tão cedo quanto a gente saiu, então, temos poucos anos com eles”. Assim, começamos a entender um pouco e imaginar o que nossos pais devem ter sentido. Então, misturando essa nossa percepção, desse momento com nossa experiência de sermos pais, a gente começou a construir o roteiro desse filme.
Estávamos focados na figura dessa mulher por que é uma questão que precisa ser falada: é a mulher que para a vida dela para ser mãe, se dedicar aos filhos e, quando esses filhos saem de casa, muitas delas ficam completamente perdidas e se sentem sem função na sociedade. A gente queria que a Irene – essa feminista nata, mas não tem essa noção a ponto de se declarar e se levantar essa bandeira – tivesse entendendo que ela precisava se resolver como mulher e encontrar um caminho como pessoa no mundo para além dos filhos. Tenho muito carinho por esse projeto, é uma história muito interessante e a direção do Gustavo contribui muito para falar sobre esse sentimento de vontade de pertencer ao mundo que a Irene tem.
Os meus filhos já aprendem que o país foi violentamente invadido e que a sua população nativa indígena foi violentada, que os povos escravizados foram trazidos à força… é outra coisa! É preciso falar muito sobre isso, pois olhando pra onde a gente começou, talvez seja possível transformar o nosso futuro.
De onde vem essa inspiração? O que te ajuda a criar, roteirizar e interpretar personagens tão diferentes?
A inspiração vem sempre de questões pessoais, de coisas que estão me mobilizando no momento, acontecimentos que percebo. Eu até brinco às vezes: “ah, eu não sou roteirista, só sei escrever a partir das minhas próprias experiências”. Não sei se saberia escrever algo sob encomenda: “escreva sobre a vida de Dom Pedro II”… Talvez conseguisse, mas é necessariamente o que me move. Acho que sou artista – desconfio cada vez mais – porque é a forma que encontrei de me comunicar com pessoas. Acho que me comunico muito melhor através da arte do que através das palavras e é uma forma de me sentir menos sozinha. A arte conecta as pessoas, faz a gente se sentir menos isolado no mundo. As nossas questões pessoais são questões pessoais de muita gente e, quando a gente bota pra fora alguma coisa que tá movimentando naquele momento, grandes chances de se conectar com outras pessoas. A diferença entre os personagens é uma busca, interesse minha como atriz, é uma vontade minha de construir personagens muito verdadeiras, mas muito diferentes entre si.
Qual foi o impacto que a maternidade teve na sua vida de artista?
É o impacto que a maternidade teve na minha vida. Sinto que ser mãe foi um renascimento e também me ligou um canal de vontade de produzir e ser exemplo. Percebo que o exemplo é mais importante do que o discurso. Então, se quero criar filhos feministas, tenho que ser esse exemplo pra eles, preciso ser a mulher independente e lutar pelo respeito, pelo lugar na sociedade pra que eles vejam isso acontecendo e entendam esse lugar na vida deles. Meus filhos são uma fonte muito grande de inspiração e de afeto pra mim. E eu aprendo muito com eles também. Só ampliou os meus sentidos ter essa experiência.
Agora corta pra Cannes: Bacurau venceu o prêmio do júri e fez história, figurando em inúmeros festivais nacionais e internacionais. Repleto de cenas violentas e esteticamente impactantes, o filme prova mais uma vez a sua versatilidade ao interpretar uma personagem cruel e completamente sem escrúpulos. Conte sobre a sua experiência com a personagem da “forasteira”.
Bacurau é outro momento muito importante da minha carreira. Era muito fã do trabalho do Kléber de todos os filmes anteriores dele, é um artista que respeito profundamente. Quando veio a possibilidade de fazer Bacurau, fiquei muito empolgada. Quando o Kléber mandou o roteiro, ele não disse qual personagem. Ele disse: “Leia aí que talvez tenha um papel pra você!”. Eu fiquei louca com o roteiro e disse que toparia fazer qualquer personagem! Contei que adoraria estar envolvida no projeto. E quando entendi que era a forasteira, veio um frio na barriga enorme porque teria que entrar em contato com um lado feio, obscuro, violento, desesperador da humanidade, que é um lado que me entristece muito. Mas sabia que por esse filme, pra trabalhar com o Kléber e com o Juliano e esse lindo elenco de Bacurau, teria, primeiro: segurança e parceria pra conseguir ir para esses lugares; e segundo: seria uma produção em torno de uma discussão muito importante.
Como foi fazer as cenas de violência do filme?
Tive que vencer muitos medos pra fazer a forasteira. Moto, por exemplo, tenho pânico! Não ando de jeito nenhum, fiz aulas, subi, pilotei. Claro, tem dublê, não faço todas as cenas. 90% dos planos de moto é dublê, mas eu tô em alguns momentos. Arma de fogo também tenho pavor, acho um objeto do mal mesmo, não consigo ver nenhum lado positivo e ter que segurar uma arma e atirar numa pessoa. Pra mim, é um ato de extrema violência e fazer aquelas cenas pra mim exigiram muita concentração e muita coragem. Na cena da mesa, inclusive, em que minha personagem leva os tiros e é morta, em alguns momentos achava que fosse desmaiar de tão apavorada que tava. Usei esse meu desespero pra personagem. Tinha muita confiança no trabalho das pessoas de efeitos especiais, no Kléber e no Juliano, nos meus companheiros de cena. Passar por aquela situação, só passei por que é um filme importante, que levantaria muitas discussões e que precisava ser feito. E se essa era a contribuição que podia dar pra obra, que assim, conseguiria dar e fiquei muito feliz de ter realizado. Sou muito grata a todo mundo.
A transformação de “Bacurau” numa zona de caça para turistas, mediada pela elite local (o prefeito) e nacional (os paulistas), não é, assim, uma alegoria do imperialismo tirada de alguma cartilha dos anos 60, mas outra coisa. O que faz é tomar um traço do Brasil atual?
Bacurau volta o olhar para um problema que está na origem da nossa sociedade, centrar o olhar para a formação do Brasil como nação. A gente nasceu dessa violência, de uma invasão. A nossa miscigenação é fruto de estupros institucionalizados. A nossa população original foi dizimada, até hoje é atacada, violentada, menosprezada, maltratada. O Brasil de hoje é fruto da nossa origem. Então, Bacurau traz pra hoje uma discussão que é extremamente importante porque debate o nosso nascimento. É importantíssimo que, nesse momento, vivendo todas essas tristezas, que a gente aprenda sobre a nossa origem. Na escola, aprendi que D. Pedro I era um herói, que o país foi descoberto e que os europeus trouxeram a civilização aos selvagens que moravam aqui. Os meus filhos já aprendem que o país foi violentamente invadido e que a sua população nativa indígena foi violentada, que os povos escravizados foram trazidos à força… é outra coisa! É preciso falar muito sobre isso, pois olhando pra onde a gente começou, talvez seja possível transformar o nosso futuro. Por isso, a relevância do “Bacurau”.
O filme tem um caráter alegórico, mas a sensação que ele causa nas pessoas é muito clara e é uma discussão fundamental para esse momento. A gente só consegue curar alguma coisa quando sabe o que ela é. Precisamos olhar pras nossas feridas, mazelas, encarar e entender as nossas responsabilidades nelas para, dessa forma, poder transformar e quem sabe – eu sou otimista – melhorar o futuro.
Original do Canal Brasil, você está em “Os Últimos Dias de Gilda”. Pela primeira vez, uma série brasileira foi selecionada para o Festival de Berlim, um dos mais importantes festivais de cinema e TV do mundo. Você é Gilda, uma espécie de personagem escrita por Nelson Rodrigues. Na sua visão, a série é sobre as mulheres desse Brasil todo e sobre os conflitos que a gente tem nesse país?
Também participei da roteirização junto com o Gustavo, mas a série é baseada numa peça de teatro escrita em 2003 pelo Rodrigo de Roure e originalmente é um monólogo. No processo de roteirização, sofreu algumas modificações, virou uma coisa diferente. Não acho ela rodrigueana não. Claro, tem essa semelhança da forma de falar do subúrbio, das relações afetivas, mas a Gilda não tem na obra do Nelson Rodrigues. Ela é uma mulher que vai para outro lugar, não se submete, não tá presa aos padrões sociais. As questões pessoais dela são de outra ordem. Ao contrário: Gilda é um arauto do afeto real, do amor como arma, com potência. Arma no bom sentido, né?
A personagem aponta um caminho de empatia e de compreensão do outro, algo que a gente deveria desejar pro mundo. Claro, que ela não é passiva, reage quando é agredida, mas não rebate e nem responde com violência. A relação dela com a Cacilda aponta para uma possibilidade muito potente. A sororidade real é uma força muito grande. Na minha vida, quando eu descobri essa potência, foi muito transformador. Nós mulheres somos ensinadas a competir. Claro, porque quando se instiga competição, tira a força das pessoas e as mulheres competindo entre elas não são tão fortes. Quando a gente entende que dar a mão uma pra outra e estar junta é muito melhor pras duas, três, mil, um milhão… E assim, a gente vai mais longe. E na série, tocamos em questões antigas do nosso país, de outra maneira, com outro enfoque, mas falando de coisas que estão em “Bacurau” também: preconceito, misoginia, ignorância e preconceito religioso… Essas são doenças enfiadas nas nossas sociedades como forma de controlar as nossas potências. Quem vive com medo é mais facilmente controlável e acho que é o medo que gera violência e os preconceitos. Estamos falando de temas muito evidentes em nosso país e é importante mostrar que eles estão em evidência.
Qual é o espaço do audiovisual no contexto atual, em que as artes são rondadas pela sombra da censura e do conservadorismo?
Estamos sob ataque há algum tempo já. Estamos tentando encontrar formas de permanecer ativos, produzindo. A gente cresceu muito nos últimos anos, começando a construir uma indústria que gera emprego e imposto, que leva o nome do país e traz respeito. E como qualquer outra indústria que tivesse fazendo isso, merece o respeito da população, mas estamos sofrendo um ataque muito grave: somos demonizados como vilões. Porém, estamos tentando entender formas de retomar um direito da população. O povo tem direito à cultura, que é um bem necessário pra humanidade. Estamos tentando formas de conseguir continuar trabalhando e o que a gente consegue fazer agora é resistir e falar da melhor maneira possível sobre tudo o que está acontecendo e mostrar possibilidades de transformação.
O que você tem visto no Brasil que te interessa?
Vejo muita coisa no Brasil que me interessa, é um país diverso e com muitos talentos. Tem muita coisa, não sei se consigo citar algum, pois tenho medo de ser injusta. Mesmo com um ano com o audiovisual praticamente paralisado, a gente tá conseguindo levar projetos pra festivais internacionais importantes. Agora temos Karim Aïnouz, Anitta Rocha da Silveira, outros curta-metragens em Cannes também… Muitas dessas coisas que a gente faz no Brasil é de muito boa qualidade e que me interessam muito. As discussões, assuntos, os trabalhos artísticos me interessam: documentários, longa-metragens, livros, músicas. Realmente, sou artista e consumo, de fato, muita arte e tenho consumido muita coisa brasileira.
E o que o público pode esperar dos seus próximos trabalhos pela frente? Vamos falar de futuro?
Com a vacina, dá pra pensar um pouco mais em futuro. A pandemia, inacreditavelmente, é o problema no Brasil de mais fácil solução: existe vacina pra essa doença. O que não tem vacina ainda é pra ignorância, preconceito, conservadorismo, egoísmo, raiva, ódio e intolerância. Pra isso não tem vacina. Há jeito de reverter, né? Cultura, educação e afeto são uma combinação fundamental pra reverter esse quadro, mas isso leva tempo, então, é preciso coragem pra gente seguir trabalhando e se transformando. Acho que ninguém muda ninguém, tem uma música da Letrux que diz isso. É necessário olhar pra dentro também, não só olhar pra fora, pras nossas hipocrisias, pequenas falcatruas e concessões. Se cada um conseguir se melhorar como pessoa, a sociedade e o país melhoram muito.
O que tem pela frente é a série Manhãs de Setembro, no Amazon Prime Video, que tô muito animada. Fiz uma participação em Sessão de Terapia também e tô trabalhando nos meus projetos, mas não tenho nenhuma previsão das minhas coisas. Estou debruçada sobre eles e pensando em como fazer. Futuro pra mim é a gente vacinar a população inteira, proteger as pessoas e pensar muito bem nas nossas atitudes políticas e ter responsabilidade com voto, discurso político e nosso posicionamento e tentar trazer o país de volta pra um caminho de melhora. Tenho a sensação que a gente tava melhorando e que tivemos um baque, um retrocesso, a destruição é muito rápida. De forma otimista, a gente tem condições de voltar a esse caminho de melhora. Tomara!